REINALDO GUERRA
MADELENO
UM DOUTOR “HABILIDOSO”
Fleming de Oliveira
Em meados de 1992, o Distrito de Leiria[1] voltou a ser “publicado” ao fim de vários anos de interrupção, pois cessara em 1982 com 36 números, envolvido em polémicas escandalosas, desinteressantes, muito direcionadas e sem leitores.
Foi um número ad hoc para o Cartório Notarial de Alcanena. Anunciava uma tiragem de 3.000 exemplares, não referia o preço de venda, o local de impressão, a ficha técnica, o número de registo do título, o nome, a firma ou denominação social do proprietário, etc. e a formatação/paginação era muito grosseira. Também ficcionou um Francisco Neto (Francisco José Neto Rodrigues, natural da República do Zaire, sem outros dados) como diretor do jornal. O jornal destinava-se a justificar a aquisição de 800.690 m2 de terreno na Serra dos Candeeiros, a favor de um tal Francisco Luís Ogando Araújo Leite, referido apenas como residente em Lisboa.
A notícia correu pela Benedita e arredores causando espanto, se não alarmismo, e começou a dizer-se que o advogado Reinaldo Guerra Madaleno tinha feito mais uma “habilidade”. Quem denunciou a situação foi o Pórtico, jornal que se publicava na Benedita e ao qual chegou uma cópia da escritura outorgada no dia 26 de março de 1992, no Cartório Notarial de Alcanena.
Em Alcobaça, Caldas da Rainha, Rio Maior,
Porto de Mós ou Batalha a realização da escritura era suscetível de levantar
objeções. Segundo o texto da mesma, Francisco Luís Ogando Araújo Leite – pessoa
que na zona ninguém conhecia, mas que o ajudante do notário disse conhecer –
seria dono de uma área de terreno com cerca de 800.690 m2 na Serra
dos Candeeiros, com o valor patrimonial de 1.034$00, descrito na Conservatória
do Registo Predial de Alcobaça/CRP Alcobaça sob o nº814-Freguesia da Benedita,
sem qualquer registo de aquisição, que teria adquirido verbalmente em comum e
partes iguais por alturas de 1969/1970 a dois casais da Benedita cujo nome
referiu mas que ninguém conhecia e a mais outras pessoas que não identificou –
o primeiro ajudante de notário disse de novo, serem pessoas do seu conhecimento
– alegadamente herdeiros de foreiros mas sem fazer a respetiva prova – intervenientes no contrato de enfiteuse celebrado
com a Câmara Municipal de Alcobaça em 1857 como veio a ser reconhecido no
processo 6/69- 2ª Sec. que correu seus termos no T. J. Alcobaça e a seguir se
volta a referir.
A ser verdade, o que não era, Araújo Leite desde essa altura possuía o terreno, cortando o mato, explorando pedreiras, exercendo todos os actos como um proprietário pleno, sem interrupção, ostensivamente, sem oposição e com o conhecimento de toda a gente, praticando enfim os atos semelhantes a um verdadeiro e titulado proprietário.
Aproveitando a ausência do notário Dr. José
Alberto Sá Marques de Carvalho transferido para outro cartório e ainda não
substituído, Araújo Leite acompanhado de Guerra Madaleno, compareceu no
cartório com três testemunhas, sendo uma o Francisco Neto, que disseram ser do
seu conhecimento o que se consignava na escritura. Ainda hoje não se sabe se o
ajudante de notário agiu como cúmplice, se era apenas ingénuo, descuidado ou
incompetente. Madaleno tratou da documentação para a escritura realizada fora
do horário normal de serviço.
Conforme a Lei do Notariado este tipo de escritura tem de ser publicitada num jornal da localidade onde se situa o prédio ou num dos jornais mais lidos na região e só passados 30 dias, se não houver reclamação, se pode fazer o averbamento. Publicada em O Alcoa, no Pórtico ou num jornal de âmbito nacional, o assunto daria nas vistas, pelo que a solução foi ficcionar um número do Distrito de Leiria, com data de 17 de abril de 1992, onde se mencionava a escritura. Número e exemplar, apenas para consumar a fraude[2].
Em fevereiro de 1969 foi proposta no Tribunal
de Alcobaça contra a Câmara Municipal a ação 6/69-2ª Sec. patrocinada por Guerra
Madaleno em nome de 16 pessoas, tidas como residentes no Casal Gregório,
Charneca do Casal do Guerra e Freires, as quais se arrogavam serem foreiros em
comum e sem determinação de parte ou direito, de uma área de terreno no Casal
do Guerra, sendo a Câmara Municipal titular do domínio direto.
Por sentença do T.J. Alcobaça de abril de
1971,foi proferida sentença que, em suma, decidiu:
a)
Os
autores reconhecidos como sendo em comum e partes iguais titulares do domínio
útil (foreiros) sobre aquela área do Casal do Guerra, juntamente com outros não
identificados, que não intervieram no processo judicial.
b)
A
Câmara Municipal reconhecida como titular do domínio direto.
O Tribunal da Relação de Coimbra em junho de
1972, confirmou a sentença, tal como o Supremo Tribunal de Justiça, em marco de
1973.
Os autores e os não identificados tendo em
conta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e a extinção dos foros (mas não
dos baldios), passaram a ser em comum donos de uma área de terreno
imprecisamente delimitada e em metragem.
Não seria possível dizer em 1992 que, há mais
de 20 anos, Araújo Leite havia ali adquirido o terreno, mas realizou-se a
escritura e fez-se o averbamento.
O prédio continua sem registo de aquisição.
Em 19 de dezembro de 1989 foi recusada a inscrição de 1/14 avos a favor de João
Maria Felizardo, em 23 de junho de 1992 a inscrição a favor de Francisco Luís
Ogando Oliveira Leite e em 21 de dezembro de 1992 de novo recusada a inscrição
a favor de João Maria Felizardo. Mas Guerra Madaleno não desistiu, e em 22 de
outubro de 1995 viu recusada a inscrição de aquisição de 2/8 a favor de Rui
Martins Felizardo e mulher Joaquina Martins Felizardo[3].
Reinaldo Guerra Madaleno nasceu a 18 de
novembro de 1936, no lugar de Pedra Redonda/Benedita. Frequentou os Seminários de Santarém e Almada, com
aproveitamento e empenho regulares. A 28 de janeiro de 1964 concluiu o curso de
Direito na Universidade de Lisboa. Exerceu advocacia com escritório em Lisboa
até ser suspenso pela Ordem dos Advogados, foi presidente da Direção do Ginásio
Clube de Alcobaça de 1981 a 1985, sendo que na época de 1982 a 1983 este clube
jogou na Primeira Divisão. Em 17 de outubro de 2003, concorreu às eleições do
Benfica, pese embora, haver sido constituído
arguido num processo a decorrer no Tribunal de Loulé, acusado de oito crimes de
burla e um de associação criminosa, pela compra e venda ilícita de apartamentos
no Algarve[4].
Guerra Madaleno e dois colaboradores, um homem e uma mulher, contraíam
empréstimos bancários em nome de indivíduos em situação carenciada. Depois,
compravam em nome de terceiros apartamentos no Algarve que arrendavam, enquanto
deixavam de pagar aos bancos as prestações dos empréstimos. De acordo com a
acusação, o procedimento arrastava-se até à venda dos apartamentos em hasta
pública, garantido a Guerra Madaleno proveitos económicos elevados e ilícitos. Constava que era sócio maioritário
de 12 sociedades, sedeadas na generalidade na zona de Lisboa, ligadas ao
imobiliário.
Madaleno apresentou a sua Lista com uma mensagem fantasiosa,
asseverando que tenho todas as possibilidades de ganhar as eleições (do Benfica), pois não há solução, nem à
esquerda nem à direita. Madaleno começou por criticar Manuel
Vilarinho pois ele afirma que pode ganhar, mas isso não é verdade. É
impossível que ele ganhe sem dinheiro, e prometeu por à disposição do
Benfica 15 milhões de contos para ser o maior clube da Europa. Já em relação a
Vale e Azevedo, também foi cáustico, pois, É preciso cortar o mal pela raiz.
O clube não pode passar a vida nos tribunais[5]. O Ginásio Clube de Alcobaça voltaria
à Primeira Divisão, desta vez teria sucesso e permaneceria pelo menos 5 anos
épocas – se necessário como clube satélite do Benfica – instalaria em Alcobaça
um polo da Faculdade de Agronomia ou uma Escola Agrária. Foi diretor/dono das
revistas Economia e Desenvolvimento
e Manifesto onde era o redator,
que utilizava como instrumento de promoção pessoal.
Em 1998 foi suspenso pela Ordem dos Advogados por falta de idoneidade para o exercício da profissão. Havia cumprido cerca de 5 anos de prisão efetiva. Faleceu a 29 de agosto de 2011.
[1] O proprietário, diretor e redator Reinaldo Guerra Madaleno,
[2] A BNPortugal, recebeu o Distrito de Leiria, até ao nº 38, de 1982.
-Informação da BNP por José Luís Narciso/Área de Referência e Acesso Geral (2022).
[3] Os 4 requerimentos apresentavam inúmeras e insanáveis irregularidades, desconformidades com a conhecida e pública realidade, além de conterem pedidos inadmissíveis, como a apropriação de baldios.
-Informação
da CRP de Alcobaça, em 3 de setembro de 2022.
[4] Correio da Manhã.
[5] Idem.
Sem comentários:
Enviar um comentário