sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

MORTO DESCONHECIDO NA VALA DA COMPANHIA FIAÇÂO E TECIDOS DE ALCOBAÇA (1950)

 

MORTO DESCONHECIDO

NA VALA

DA

COMPANHIA FIAÇÂO E TECIDOS DE ALCOBAÇA (1950)

 

FLeming de OLiveira

 

 

 

 

 

Em junho de 1950, apareceu numa vala junto à Fábrica de Fiação e Tecidos de Alcobaça, à Fervença, um indivíduo sem roupa, e cuja identidade nunca veio a ser confirmada, pelas autoridades. O cadáver foi enterrado por ordem do MP de Alcobaça, em vala comum. O assunto teve pouca repercussão local e ninguém se mostrou especialmente interessado em aprofundá-lo.

Segundo escreveu Fernando de Sousa de Araújo Gouveia, inspetor da PIDE/ DGS em Memórias de um Inspector da PIDE tratava-se de Luís Moreira do Vale, funcionário do PC, cujo paradeiro se desconhecia.

Para Fernando Gouveia, este evento era o corolário de uma história rocambolesca, que começou com o assassinato de uma mulher, cujo cadáver foi encontrado no lugar da Caverneira, Águas Santas, Maia, e a que o Jornal de Notícias, de 27.06.1950, deu algum relevo e acompanhou.

(…) A infeliz, além de vários golpes no rosto, apresentava alguns orifícios na cabeça e no peito, produzidos por balas. Junto ao corpo foram encontradas sete cápsulas de pistola e um carregador e uma mala de mão, apresentando o cadáver sinais de luta (…).

No desenvolvimento das investigações, a vítima, cuja identidade se desconhecia, pois estava deliberadamente desfigurada, foi autopsiada no Instituto de Medicina Legal do Porto, tendo-se concluído que fora atingida por onze tiros, nove pela frente e dois por detrás. E que já caída por terra, fora atingida por mais dois no coração. Parecia ser um crime passional, embora fosse estranho o facto de terem sido usadas duas pistolas. O Jornal de Notícias, continuando a acompanhar o caso, levantou a hipótese de a dita mulher ser de Vila Franca de Xira, visto nesta localidade ter, entretanto, aparecido no posto da GNR, uma mulher que a reconheceu como irmã.

O Instituto de Medicina Legal, para ajudar a identificar a vítima, pediu aos jornais que divulgassem os seus sinais. Tratava-se, pois, de Aurélia da Ascensão ou Assunção, casada com um tal Luís Moreira do Vale, como veio a ser confirmado por um irmão.

Continuando a investigar, o Jornal de Notícias, divulgou mais pormenores, concretamente, que o autor do homicídio terá sido o marido Luís Moreira do Vale, que se encontrava a monte. O casal vivia há uns anos na zona do grande Porto, mudando-se com alguma frequência, usando cada um deles um novo nome, dado serem funcionários do PC. A 14 de abril, o casal mudou-se mais uma vez, talvez a última, utilizando um automóvel conduzido por indivíduo, entretanto devidamente identificado, e que desapareceu oportunamente.

Segundo Fernando Gouveia, a morte da mulher, funcionária do PC, estava ligada, embora de uma forma não esclarecida, a transferência apressada de uma tipografia clandestina do partido, em Vila Nova de Gaia, para Caldas da Rainha.

Depois da morte da Aurélia, o PC, conforme o mesmo Fernando Gouveia, passou a apresentá-la, como uma debochada, incapaz de suportar a presença de um homem sem o cobiçar, e sem se lançar nos braços do primeiro que lhe acenasse, o que fazia perigar a segurança da casa ilegal que habitava com o marido, Luís Moreira do Vale, ao mesmo tempo que punha em risco os camaradas centrais, que passavam por lá em inspeção periódica. E atribuía o crime ao ciúme de qualquer amante despeitado incorrigível, decidira puni-la, mandando desmanchar a casa e regressar à vida legal ou para Alhandra, onde residira com o marido, antes de ambos passarem à clandestinidade ou para Vila Franca de Xira, donde era natural.

Nunca se soube o que se terá passado depois, a razão por que foram utilizadas

duas armas, a intenção de a desfigurar tão gravosamente, bem porque apareceu o Luís Moreira do Vale numa vala que corre, sem resguardo, ao longo da estrada Alcobaça-Valado de Frades, perto da Companhia Fiação e Tecidos.

Para Gouveia, a mulher terá sido morta por ação de duas pessoas, ambas do PC, uma das quais o marido, o qual veio a ser depois silenciado pelo cúmplice,

para prevenir uma eventual denúncia.

Acontecimento, muito, muito estranho mesmo!

 

Afonso Delgado Luís recorda um tal Inspetor Gouveia, que procedia em Caxias ao interrogatório de detidos utilizando métodos torcionários, e como tal era reconhecido.

Numa ausência, o seu irmão Silvestre foi destacado para o substituir, mas ao fim de uma semana muito incomodado com o ambiente, pediu ao Inspetor Falcão que o retirasse com urgência, o que aconteceu.

Sobre este Inspetor Falcão, Afonso Luís recordar o seguinte episódio. Num determinado dia 1 de Abril por alturas de 1970 – Dia das Mentiras – a minha cunhada Rita deslocou-se a uma ourivesaria da baixa lisboeta, onde trabalhava

um indivíduo seu conhecido. Pois este aproveitou o dia, para dizer à Rita que o marido, o Silvestre, havia sido destacado para seguir para Angola. A Rita, aflita, e pensando que o marido lhe escondia uma má notícia, deslocou-se à PIDE para pedir informações ao Inspetor Falcão, que esclareceu: Não, minha senhora! Isso é uma invenção. Nós gostamos do seu marido e não vamos enviá-lo para Angola. Diga-me: quem é que lhe disse isso? A Rita respondeu, dando a indicação da ourivesaria e o nome indivíduo que nesse dia chamado à PIDE, onde o Inspetor Falcão, lhe disse que se tivesse cara para lhe dar um bom bofetão, ali mesmo o dava, acrescentando: Nunca mais assuste gente boa!

 

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