FEIRA DO LIVRO EM ALCOBAÇA (!972)
BENFICA-SPORTING (final da
Taça)
FLeming
de OLiveira
No
sábado, dia 27 de Maio de 1972, abriu ao público a primeira Feira do Livro
realizada em Alcobaça.
A
iniciativa, que partiu do fotógrafo Antero Monteiro da Silva, com a prestimosa
colaboração de Levi Condinho e de outros jovens alcobacenses como Basílio
Martins, teve bom acolhimento por parte da Câmara Municipal e da Comissão
Municipal de Turismo, bem como o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian e
do Banco Português do Atlântico.
Presidiu
à cerimónia inaugural, no estilo do salazarismo que o marcelismo e T. Trindade
mantiveram, o Governador Civil de Leiria, acompanhado pelo Bispo da Diocese e
seu auxiliar, Presidente e Vereadores da Câmara Municipal, Deputados pelo
Círculo, entre os quais Amílcar Magalhães, outras entidades distritais e
concelhias e representantes do Ministério da Educação Nacional.
Apesar
de a RTP se encontrar a transmitir um Benfica-Sporting – final da Taça de Portugal
– acorreu bastante público.
Após
visitarem os 20 pavilhões que apresentavam nos escaparates obras de Alves Redol,
Aquilino Ribeiro, Jorge Amado, Máximo Gorki, Pablo Neruda, o que para alguns
era uma novidade – sem prejuízo de outros autores reservados a pessoas de confiança
e que não se encontravam à vista como recorda E. Rui Serafim – o chefe do
distrito e restantes individualidades dirigiram-se para o refeitório do
Mosteiro, a fim de assistirem à conferência do monge francês D. Maur Cocheril
subordinada ao tema O Mosteiro de Alcobaça visto por um monge de Cister.
Nos
dias que se seguiram, o público visitou o recinto da Feira que ocupava totalmente
a Praça D. Afonso Henriques, e ficou surpreendido ao ouvir música de Manuel
Freire, José Mário Branco, José Afonso, que emissoras como a EN e Rádio
Renascença não passavam.
Segundo
informou a Câmara, as vendas ultrapassaram as expectativas, embora o interesse
comercial fosse alegadamente secundário, como entendia Condinho e
colaboradores.
Como
inovação, o público foi autorizado a entrar nos pavilhões, o que
proporcionou uma salutar intimidade entre os leitores e as obras expostas.
Numa
entrevista ao “Diário de Lisboa” inserida na reportagem que Manuel Geraldo efetuou
e intitulou D. Quixote no Meio do Povo, Levi Condinho rememorou em
traços largos o que foi Alcobaça nesses dias. Desde o dia em que centenas
de crianças, em menos de duas horas, pintaram e decoraram todos os
pavilhões, eu acreditei numa ampla mobilização das pessoas esclarecidas da
região. Depois foi a procura geral de livros, por gente de todas as camadas
sociais, a qualidade da música difundida, a sessão de teatro infantil, pelo
Grupo do IMAVE e a tarde inesquecível de convívio entre a
escritora Matilde da Rosa Araújo e crianças. No fim, a representação em
palco improvisado da peça de António José da Siva, “O Judeu”, A Vida do
Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança pelo
grupo de teatro de Campolide.
Outras
pessoas foram entrevistadas pelo jornalista do “Diário de Lisboa”.
Gertrudes
do Rosário, rural migrada do Alto Alentejo para uma fábrica de loiça da região
de Alcobaça, olhava para um jovem que folheava A Invenção do Amor, de Daniel
Filipe. É o meu rapaz mais velho. Gosta muito de leituras e enquanto não me trouxe
a ver a Feira não descansou, É um rapaz muito interessado! Eu é que nem ler
sei, pois no monte onde vivia, lá no Alentejo, só me ensinaram a mondar, ceifar
e apanhar azeitonas. E agora já é tarde...
A
inflação e o caso de Angela Davis, foram temas que impulsionaram as compras do
contabilista Adílio de Sousa. São temas de atualidade, com uma ampla
incidência sobre o nosso quotidiano. E sem Feira do Livro, talvez a possibilidade
de adquirir “O Que é Inflação?” e “As Cartas de Prisão”, não tivesse
surgido. A Cultura precisa destas iniciativas, para que nós os homens comuns,
possamos ser incentivados.
Encavalitada
num banco entre a assistência, Aurora Boavida disse que estive mesmo para
não vir, porque me disseram que os atores eram todos uns guedelhudos, mas
verifico agora que tinha perdido um espetáculo como tenho visto poucos. Até me
esqueci que estava a chuviscar. Conheço a história escrita pelo Miguel
Cervantes, mas esta diz coisas que interessam à nossa realidade.
Mas
nem todos se encontravam na Feira com objetivo cultural.
José
Almiro, técnico de televisão, esclareceu que não perco tempo com essas coisas
de leituras. Eu vou mas é ver se ainda assisto à segunda parte do Benfica-Sporting.
Aquilo é que é espetáculo, jogo de homens; isso das leituras é bom mas é para
tipos inválidos.
A
título de mera curiosidade recorde-se que o Benfica levou o trofeu vencendo por
3-2, sendo seu capitão Jaime Graça e treinador Jimmy Hagen.
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