Recorde-se a posição americana durante o
verão de 1975, e que o Secretário de Estado, Henry Kissinger[1],
se convencera que Portugal estava perdido em favor do comunismo e que Portugal
poderia funcionar como vacina. O país seguiria o modelo da União Soviética e
serviria de aviso para a Espanha de Franco, assim como para a Grécia dos
coronéis[2].
Mas estava errado. Essa ideia veio a ser afastada graças a Frank Carlucci[3],
que o convenceu que Portugal não era caso perdido, que a maioria dos
portugueses não se revia no modelo preconizado pelo PC, que a maioria dos
portugueses não estava na rua, que a maioria dos portugueses era contra as
ocupações selvagens, as expropriações, uma reforma agrária que, em determinados
aspetos, parecia mais, passe a vulgaridade da expressão, uma reforma agarra.
Fala-se, ainda
hoje, de Henry Kissinger encarar a possibilidade de o comunismo triunfar em
Portugal em 1974-1975 e funcionar como vacina contra a força de outros partidos
comunistas, nomeadamente em França e em Itália. Esta tese existiu.
Kissinger dizia que Portugal, no contexto da Guerra Fria e da situação
particular que se vivia na Europa do Sul, era importante por ser membro da
NATO, ter uma base americana nas Lajes e o primeiro membro da NATO a ter
comunistas no governo. Portugal importava por si, mas ainda mais dado o
contexto internacional, nomeadamente o que parecia ser o avanço do comunismo um
pouco por toda a Europa do Sul, com o perigo de os comunistas chegarem ao poder
em França com o programa comum com os socialistas de Mitterrand, na Itália com
o compromisso entre os democratas-cristãos e o PCI. Na Grécia havia um processo
de transição de poder, na sequência da queda do governo dos coronéis, e
sabia-se que historicamente os comunistas tinham tido bastante influência neste
país e em Espanha Franco estava doente e podia haver muito previsivelmente um
processo de transição.
A par de Frank Carlucci, Kissinger foi um dos alvos da esquerda em
Portugal, pelo seu apoio
a Salazar, as suas ligações ao Chile de Pinochet ou pela guerra
no Vietname, e Zeca Afonso lhe dedicou Os
Fantoches de Kissinger[4],
no disco Com as minhas tamanquinhas[5].
Em 25 de Abril de 1974, os Estados Unidos
foram apanhados de surpresa e em 1975 e receavam o que poderia acontecer num
país que tinha comunistas no Governo, especialmente quando Vasco Gonçalves se
tornou primeiro-ministro, e não acreditavam que o PS de Mário Soares e seus
aliados conseguissem derrotar os bolcheviques. Em 1974 ainda, comparou Soares a Kerenksy,
o socialista russo derrotado por Lenine na revolução de 1917.
Em Abril de 1975, numa reunião na Casa Branca,
até arriscou que Em 1980, podemos ter comunistas a governar Portugal,
a Grécia e talvez Itália. E chegou a prever, errando mais uma vez,
que os comunistas em
1975 iriam matar Mário Soares. Os comunistas vão arrastar
Soares para a esquerda até ele perder apoio e depois vão matá-lo. As forças armadas vão fazer um golpe de
Estado sob liderança dos comunistas, afirmou a 4fev1975.
E em março seguinte, numa conversa com Willy Brand, tanto fez as perguntas como
deu as respostas: O que vamos fazer se
este tipo de Governo (com comunistas)
quiser manter o país (Portugal) na
NATO? Quais os efeitos disso em Itália? E em França? Provavelmente, temos
que atacar Portugal, qualquer que seja o resultado, e expulsá-lo da NATO. Um golpe de Estado da direita em
Portugal, em pleno verão de 1975, foi cenário que admitiu numa
reunião em agosto desse ano: Não sou
assim tão contra um golpe desse tipo (de direita), por muito chocante que seja para os meus colegas.
Henry Kissinger esteve várias vezes em
Portugal, a primeira em 1973 para “agradecer” o apoio do Governo de Marcelo
Caetano à ponte aérea
para Israel, via
Açores, durante a guerra de Yom Kippur. Depois, voltou em 2006, para uma conferência,
encontrando-se com o
Presidente, Cavaco Silva.
Kissinger, demorou 25 anos a reconhecer o erro de análise relativamente a Angola. A assunção do erro consta
do livro Anos de Renovação, 2011, onde dedica um capítulo à crise ocorrida em 1976.
Nela, os EUA tentaram impedir que o Movimento Popular de Libertação de Angola,
assumisse o governo de uma Angola independente, palco dos primeiros sinais de
guerra civil que opunha às duas outras organizações nacionalistas, a Frente
Nacional de Libertação de Angola, e a União Nacional para a Independência Total
de Angola. Kissinger conta como foi enganado pelo então Presidente de Zâmbia,
Kenneth Kaunda, como acreditou em quem não devia, a CIA e duvidou de quem sabia,
os africanistas do Departamento de Estado.
Em 2001, o Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George
Washington publicou documentos que confirmaram que o Governo indonésio em
dezembro de 1975 procedeu à invasão de Timor-Leste com a concordância do
Presidente Gerald Ford e do secretário de Estado Henry Kissinger. Cerca de
200.000 timorenses morreram durante os 25 anos de ocupação indonésia. Naquele
mês de 1975, Ford e Kissinger reuniram-se com o então Presidente Indonésio
Suharto durante uma escala em Jacarta, enquanto voltavam de Pequim.
[1] Henry Kissinger, nasceu
a27mai1923 na Alemanha, e faleceu em 30nov2023 em casa, nos EUA. Serviu como Secretário de Estado e Conselheiro de
Segurança Nacional dos Estados Unidos nos governos dos presidentes Richard
Nixon e Gerald Ford.
- Kissinger, não excluía a hipótese de uma intervenção norte-americana,
de que foi dado sinal pelo envio do porta-aviões “Saratoga”, que fundeou no Tejo.
- Em 1976, José Afonso dedicou-lhe uns versos em “Os Fantoches de Kissinger”.
[2] A ditadura dos coronéis ou regime dos coronéis refere-se ao
período compreendido entre 1967 e 1974, quando a Grécia foi submetida a uma ditadura militar de direita.
Nesse período, o poder político foi exercido por juntas militares, que se sucederam. O governo militar começou na manhã de 21abr1967,
com um golpe
de Estado liderado por um
grupo de coronéis do exército grego. O poder passou a ser exercido por uma junta de
oficiais. O rei
Constantino II, que ascendera ao
trono em 1964 e inicialmente apoiou o golpe, foi obrigado a
fugir em 13dez1967, após uma fracassada tentativa de contragolpe, embora
tivesse permanecido como chefe
de Estado de
jure até 1jun1973, quando a junta aboliu a monarquia e proclamou a república. O regime dos coronéis terminou em julho de
1974. Em 8 de dezembro do mesmo ano, foi instituída a Terceira
República Helénica.
-Uma das primeiras medidas da Junta foi
proibir o uso da minissaia.
[3] 24jan 1975 assinala a sua
entrada (oficial) ao serviço em Lisboa, com a apresentação das credenciais,
apesar da nomeação datar de Dezembro do ano anterior. Em pleno período
revolucionário, Frank Carlucci seguiu de perto o Verão Quente , acompanhando o percurso de políticos como Mário Soares, com quem estabelece uma relação de amizade. Abandonou
as funções a 5fev1978, mas manteve ligações a Portugal, nomeadamente de
carácter económico. A 24nov2003 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Faleceu em 3 jun2018.
-Em princípios
de novembro de 1975 passou por Alcobaça. Tinha ido à Base Aérea de Monte Real e
no regresso a Lisboa, quis fazer uma visita, ao que supunha, ser um antigo
Convento Templário. Nem a CMA, nem a PSP foram avisadas da passagem.
Possivelmente, também nem o Governo Civil de Leiria soube. Carlucci,
acompanhado por dois homens, entrou no estabelecimento de Firmo Lisboa, aonde
adquiriu uma peça de louça, e se deteve
por breve espaço a conversar.
Sem comentários:
Enviar um comentário