terça-feira, 12 de dezembro de 2023

HENRY KISSINGER E PORTUGAL

 

Recorde-se a posição americana durante o verão de 1975, e que o Secretário de Estado, Henry Kissinger[1], se convencera que Portugal estava perdido em favor do comunismo e que Portugal poderia funcionar como vacina. O país seguiria o modelo da União Soviética e serviria de aviso para a Espanha de Franco, assim como para a Grécia dos coronéis[2]. Mas estava errado. Essa ideia veio a ser afastada graças a Frank Carlucci[3], que o convenceu que Portugal não era caso perdido, que a maioria dos portugueses não se revia no modelo preconizado pelo PC, que a maioria dos portugueses não estava na rua, que a maioria dos portugueses era contra as ocupações selvagens, as expropriações, uma reforma agrária que, em determinados aspetos, parecia mais, passe a vulgaridade da expressão, uma reforma agarra.

  Fala-se, ainda hoje, de Henry Kissinger encarar a possibilidade de o comunismo triunfar em Portugal em 1974-1975 e funcionar como vacina contra a força de outros partidos comunistas, nomeadamente em França e em Itália. Esta tese existiu. Kissinger dizia que Portugal, no contexto da Guerra Fria e da situação particular que se vivia na Europa do Sul, era importante por ser membro da NATO, ter uma base americana nas Lajes e o primeiro membro da NATO a ter comunistas no governo. Portugal importava por si, mas ainda mais dado o contexto internacional, nomeadamente o que parecia ser o avanço do comunismo um pouco por toda a Europa do Sul, com o perigo de os comunistas chegarem ao poder em França com o programa comum com os socialistas de Mitterrand, na Itália com o compromisso entre os democratas-cristãos e o PCI. Na Grécia havia um processo de transição de poder, na sequência da queda do governo dos coronéis, e sabia-se que historicamente os comunistas tinham tido bastante influência neste país e em Espanha Franco estava doente e podia haver muito previsivelmente um processo de transição.

  A par de Frank Carlucci, Kissinger foi um dos alvos da esquerda em Portugal, pelo seu apoio a Salazar, as suas ligações ao Chile de Pinochet ou pela guerra no Vietname, e Zeca Afonso lhe dedicou Os Fantoches de Kissinger[4], no disco Com as minhas tamanquinhas[5].

  Em 25 de Abril de 1974, os Estados Unidos foram apanhados de surpresa e em 1975 e receavam o que poderia acontecer num país que tinha comunistas no Governo, especialmente quando Vasco Gonçalves se tornou primeiro-ministro, e não acreditavam que o PS de Mário Soares e seus aliados conseguissem derrotar os bolcheviques. Em 1974 ainda, comparou Soares a Kerenksy, o socialista russo derrotado por Lenine na revolução de 1917.

  Em Abril de 1975, numa reunião na Casa Branca, até arriscou que Em 1980, podemos ter comunistas a governar Portugal, a Grécia e talvez Itália. E chegou a prever, errando mais uma vez, que os comunistas em 1975 iriam matar Mário Soares. Os comunistas vão arrastar Soares para a esquerda até ele perder apoio e depois vão matá-lo. As forças armadas vão fazer um golpe de Estado sob liderança dos comunistas, afirmou a 4fev1975. E em março seguinte, numa conversa com Willy Brand, tanto fez as perguntas como deu as respostas: O que vamos fazer se este tipo de Governo (com comunistas) quiser manter o país (Portugal) na NATO? Quais os efeitos disso em Itália? E em França? Provavelmentetemos que atacar Portugal, qualquer que seja o resultado, e expulsá-lo da NATO. Um golpe de Estado da direita em Portugal, em pleno verão de 1975, foi cenário que admitiu numa reunião em agosto desse ano: Não sou assim tão contra um golpe desse tipo (de direita), por muito chocante que seja para os meus colegas.

  Henry Kissinger esteve várias vezes em Portugal, a primeira em 1973 para “agradecer” o apoio do Governo de Marcelo Caetano à ponte aérea para Israel, via Açores, durante a guerra de Yom Kippur. Depois, voltou em 2006, para uma conferência, encontrando-se com o Presidente, Cavaco Silva.

  Kissinger, demorou 25 anos a reconhecer o erro de análise relativamente a Angola. A assunção do erro consta do livro Anos de Renovação, 2011, onde dedica um capítulo à crise ocorrida em 1976. Nela, os EUA tentaram impedir que o Movimento Popular de Libertação de Angola, assumisse o governo de uma Angola independente, palco dos primeiros sinais de guerra civil que opunha às duas outras organizações nacionalistas, a Frente Nacional de Libertação de Angola, e a União Nacional para a Independência Total de Angola. Kissinger conta como foi enganado pelo então Presidente de Zâmbia, Kenneth Kaunda, como acreditou em quem não devia, a CIA e duvidou de quem sabia, os africanistas do Departamento de Estado.

  Em 2001, o Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington publicou documentos que confirmaram que o Governo indonésio em dezembro de 1975 procedeu à invasão de Timor-Leste com a concordância do Presidente Gerald Ford e do secretário de Estado Henry Kissinger. Cerca de 200.000 timorenses morreram durante os 25 anos de ocupação indonésiaNaquele mês de 1975, Ford e Kissinger reuniram-se com o então Presidente Indonésio Suharto durante uma escala em Jacarta, enquanto voltavam de Pequim.

 

 


[1] Henry Kissinger, nasceu a27mai1923 na Alemanha, e faleceu em 30nov2023 em casa, nos EUA. Serviu como Secretário de Estado e Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos nos governos dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford.

- Kissinger, não excluía a hipótese de uma intervenção norte-americana, de que foi dado sinal pelo envio do porta-aviões “Saratoga, que fundeou no Tejo.

- Em 1976, José Afonso dedicou-lhe uns versos em “Os Fantoches de Kissinger

[2] ditadura dos coronéis ou  regime dos coronéis  refere-se ao período compreendido entre 1967 e 1974, quando a Grécia foi submetida a uma ditadura militar de direita. Nesse período, o poder político foi exercido por juntas militares, que se sucederam. O governo militar começou na manhã de 21abr1967, com um golpe de Estado liderado por um grupo de coronéis do exército grego. O poder passou a ser exercido por uma junta de oficiais. O rei Constantino II, que ascendera ao trono em 1964 e inicialmente apoiou o golpe, foi obrigado a fugir em 13dez1967, após uma fracassada tentativa de contragolpe, embora tivesse permanecido como chefe de Estado de jure até 1jun1973, quando a junta aboliu a monarquia e proclamou a república. O regime dos coronéis terminou em julho de 1974. Em 8 de dezembro do mesmo ano, foi instituída a Terceira República Helénica.

-Uma das primeiras medidas da Junta foi proibir o uso da minissaia.

 

[3] 24jan 1975 assinala a sua entrada (oficial) ao serviço em Lisboa, com a apresentação das credenciais, apesar da nomeação datar de Dezembro do ano anterior. Em pleno período revolucionário, Frank Carlucci seguiu de perto o Verão Quente , acompanhando o percurso de políticos como Mário Soares, com quem estabelece uma relação de amizade. Abandonou as funções a 5fev1978, mas manteve ligações a Portugal, nomeadamente de carácter económico. A 24nov2003 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Faleceu em 3 jun2018.

-Em princípios de novembro de 1975 passou por Alcobaça. Tinha ido à Base Aérea de Monte Real e no regresso a Lisboa, quis fazer uma visita, ao que supunha, ser um antigo Convento Templário. Nem a CMA, nem a PSP foram avisadas da passagem. Possivelmente, também nem o Governo Civil de Leiria soube. Carlucci, acompanhado por dois homens, entrou no estabelecimento de Firmo Lisboa, aonde adquiriu uma peça de louça,  e se deteve por breve espaço a conversar.

 

 

 

[4]

Em toda parte baqueia

A muralha imperialista

Na ponta duma espingarda

Os povos da Indochina

Varrem da terra sangrenta

Os fantoches de Kissinger.


Mas aqui também semeias

No pátio da tua fábrica

No largo da tua aldeia

A fome, a prostituição

São filhas da mesma besta

Que Kissinger tem na mão.


Valor à Mulher Primeira

Na luta que nos espera

Só não há vida possível

Na liberdade comprada

Na liberdade vendida

A morte é mais desejada.

 

A NATO não chega a netos

Abaixo o hidroavião

Na ponta duma espingarda

O Povo da Palestina

Mandou a Golda Meir

Uma mensagem divina.


Da CIA não tenhas pena

Tem carne viva nas garras

É a pomba de Kissinger

Toda a América Latina

Se lembra das suas farras

A mesma tropa domina.


A mesma tropa domina

Só um é embaixador

Mas nada nos abalança

A dormir sobre a calçada

Faz como o trabalhador

Dorme sobre a tua enxada.


Faz como o atirador

Dorme sobre a espingarda.

 

[5] Com “As Minhas Tamanquinhas” Zeca Afonso  trocou a poesia cuidada dos discos anteriores por um estilo panfletário . uma crónica vivida da revolução de Abril.

 

Sem comentários: