quinta-feira, 8 de setembro de 2011

(I) NO TEMPO DE D.PEDRO, D. INÊS E OUTROS Histórias e Lendas que o tempo não apagou (COMEMORAÇÕES INESIANAS)


Todos os Portugueses conhecem melhor ou pior, a história dos amores da bela D. Inês e D. Pedro, que ficou na História com os cognomes de Cruel e, ao mesmo tempo, de Justo/Justiceiro.
É sabido que D. Afonso IV, estando em Montemor-o-Velho, após algumas hesitações e a instâncias de conselheiros, deu autorização para a morte de Inês de Castro, que ocorreu em Coimbra, no Paço de Stª Clara/Paço da Rainha, mandado construir pela Rainha Stª Isabel, perto do Mosteiro de Stª Clara (a-Velha), embora uma lenda diga que ela estava à beira da Fonte dos Amores, corria o dia 7 de Janeiro de 1355, O caso triste e dino da memória/ Que do sepulcro os homens desenterra/ Aconteceu da mísera e mesquinha/ Que despois de ser morta foi Rainha (in, Os Lusíadas). Seguramente, mais do que a outro autor, deve-se ao tratamento de Camões, a recordação, a identificação individual ou coletiva com os protagonistas de um episódio que sobreviveu a todas as gerações. Há ainda quem refira que a morte se deu por apunhalamento e foi assim que, durante muito tempo foi descrita. Todavia, estudando com cuidado e pormenor o túmulo de D Pedro, Manuel Vieira Natividade, considerado e bem como o primeiro historiador moderno de Alcobaça, (in, Pedro e Ignes perante a Iconografia dos seus Túmulos) defendeu, definitivamente, a tese da degolação. O Livro das Eras, de Stª Cruz de Coimbra, aliás, já referia que Decolata fuit Dona Ines. Não é, todavia, nossa intenção fazer, aqui, uma grande abordagem deste controverso e dramático episódio e dos seus contornos reais ou lendários, um dos grandes temas da nossa lírica, matéria de que se ocuparam com muito mais interesse e proveito, historiadores, poetas, dramaturgos, pintores, cineastas e até músicos, mas referir alguns factos com ele relacionados e com Alcobaça, eventualmente menos conhecidos, mas, nem por isso, desprovidos de interesse e que a História e Lenda não apagaram.
Efetivamente, muito do que se escreveu sobre este tema, faz parte de um universo, que transformou, com mestria a lenda em realidade, bem como a realidade em lenda, numa amálgama difícil de destrinçar, consoante a perspetiva cultural, que lhe quiseram atribuir, ou temporal em se enquadrou.
A História, como a vida das pessoas, não é feita apenas de grandes acontecimentos e o pitoresco conjuga-se, frequentemente, com situações bem corriqueiras ou mesmo míticas. Esta, uma história real, ao invés de muitas outras (veja-se o caso de Romeu e Julieta que só existiu na pena de W. Shakespeare) e, por isso, teve sucesso mesmo no público mais exigente.
Inês Pires de Castro (nasc. 1320 ou 1325), era filha bastarda, como se usava dizer, de D. Pedro Fernandez de Castro, poderoso e ambicioso fidalgo castelhano, e irmã de D. Fernando e de D. Álvaro Pires de Castro, também senhores de grande poder político e senhorial. Era ainda neta do Rei Sancho IV, de Castela. A jovem veio para Portugal em 1340, como dama de companhia/aia/camareira, integrada no séquito da princesa D. Constança, filha de D. João Manuel, reconhecido opositor do Rei de Castela, Afonso XI, para celebração do seu casamento com D. Pedro. Este casamento, de conveniência, como na maioria dos casos, visava acalmar os ânimos dos monarcas, D. Afonso IV (de Portugal) e Afonso XI (de Castela), em reiterada guerrilha. D. Pedro, homem impetuoso, em breve se apaixonou perdidamente pela bela e perturbante Inês, aliás como dizem todas a fontes, e como tal isso não seria de espantar…, o que o levou a desprezar, a desafiar as convenções cortesãs e o politicamente correto. Após a morte de D. Constança, por ocasião do parto de D. Fernando (futuro rei), D. Pedro assumiu a ligação com Inês, indo ambos viver para Coimbra. A tentativa de D. Afonso IV em abortar a ligação, exilando-a no Castelo de Albuquerque, na Estremadura Espanhola, na província de Badajoz, perto da fronteira portuguesa (onde esta aliás tinha vivido, até vir para Portugal), não produziu o efeito desejado. Foi, aliás, neste castelo que D. Afonso Sanches, meio irmão (bastardo) de D. Afonso IV e seu feroz inimigo, se havia já refugiado para salvar a vida. E ali terá privado de perto (influenciado?) com Inês. D. Dinis, a partir de 1350 aproximadamente, teve vários filhos, mas apenas um do matrimónio, e uma afeição especial por D. Afonso Sanches, inteligente e hábil, que nomeou Mordomo-Mor do reino, o que criou enormes ciúmes ao herdeiro, pois o cargo seria o equivalente a um atual Primeiro Ministro. Essa rivalidade entre os irmãos (Afonso IV, chegou a acusar o irmão de o querer envenenar), veio a acarretar uma guerra civil cruenta que só acabou com a derrota de D. Afonso Sanches e a sua fuga para Albuquerque para salvar a vida, onde passou os últimos anos, então com Inês por lá.
A Corte Portuguesa não via com agrado as relações entre os dois amorosos. Entendia-se que a ligação era má ou perigosa, não tanto pelos problemas morais e religiosos (pecado, pecado seria, porém não mortal, pecadilho daqueles que se purgam com uma confissão e uma penitência de meia dúzia de padre-nossos…), mas pelo perigo que acarretava para o reino, graças à influência dos Castros, via Inês, que se insinuavam junto do Infante (neto também de Sancho IV, de Castela), induzindo-o eventualmente na alcova, a tomar o prestigioso e importante trono de Castela, pelo menos na cristandade (o que este terá chegado mesmo a considerar), depois de variados encontros com castelhanos que se deslocaram a Portugal para esse efeito. As intrigas levaram o monarca a agir. D. Afonso IV, que pretendia afastar-se desse problema (aliás sabia bem o valor do apoio popular, como aconteceu aquando da disputa com seu pai, apoiado por D. Afonso Sanches), não lhe interessava conflito insensato com Castela. Ponderava as razões, mas hesitava, pois as guerras dos outros não nos trazem, normalmente, vantagens. Bom, chegou a hora do veredito, que passaria também por uma decisão brutal, que já não passava pela expulsão de Inês. Após a morte de D. Constança, Inês regressou a Portugal pela mão de D. Pedro, D. Afonso IV reuniu o seu Conselho, em Montemor-o-Velho, do qual faziam parte, entre outros, Diogo Lopes Pacheco, Álvaro Gonçalves e Pero Coelho. A reunião constituiu num julgamento, em que o acusado in absentia (Inês) não se pode defender. Não obstante, o Rei decidiu-se pela morte de Inês e, segundo alguns, isso aconteceu numa fria manhã de 7 de Janeiro de 1355, quando a neblina do Mondego ainda não se havia dissipado, os executores, aproveitando a ausência do Infante, penetraram no Paço Real (do qual hoje não existem vestígios) e, ali, degolaram aquela que mísera e mesquinha depois de morta foi rainha. Não, não foi na Fonte das Lágrimas que tal aconteceu, segundo também uma lenda, embora aqui o Gen. Wellington, que combateu contra os franceses na 3ª Invasão, tenha mandado colocar uma lápide de comovida homenagem e memória da Castro.
Estavas, linda Inês, posta em sossego/De teus anos colhendo o doce fruto/Naquele engano da alma, ledo e cego,/Que a Fortuna não deixa durar muito;/Nos saudosos campos do Mondego,/De teus fermosos olhos nunca enxuto,/Aos montes ensinando e às ervinhas/O nome que no peito escrito tinhas.
No reinado de D. Pedro, prevaleceu a paz, não houve batalhas entre portugueses. No dizer de Fernão de Lopes (in Crónica de D. Pedro I), E diziam as gentes que taes dez anos numca houve em Portugal como estes que reinara el Rei Dom Pedro. O comentário não tem um conteúdo pacífico. Aquilino Ribeiro partiu do princípio que esta frase deverá ser entendida de maneira otimista, pois sabe-se que houve confrontações, violentas, mesmo sangrentas, travadas pelo rei, consigo e com algumas recordações, corporizadas em Inês, que lhe acarretaram uma vida problemática, um comportamento incompreendido e um romance com desfecho trágico, que fez despertar a sensibilidade dos que acederam, até hoje, à história.
E há cinco ou seis anos que Pedro (nasc. 8 de Abril de 1320), o que estava para ser rei, se criava já gago, com grandes estremeções de pernas nas saias das aias aflitas, torcendo na brincadeira os gorgomilos dos passarinhos.
D. Pedro, quando ascendeu ao trono, com a idade de 37 anos (o seu reinado foi apenas de 10 anos, Maio de 1357/Janeiro de 1367, mas marcado por vicissitudes), passados dois sobre a trágica morte decidiu, ávido de vingança, um ódio verde, escuro, tão entranhado que apesar de velho não ainda não cansara, que chegara o momento do ajuste de contas. Esta recordação irá acompanhar todo o tempo da governação. Reinava, então, em Castela, D. Pedro, O Cruel, que tinha muitos inimigos na nobreza, mas contava com apoio popular. Espalhava a violência e perseguia os opositores com os meios mais sangrentos. Para os capturar, celebrou um tratado com D. Pedro, de Portugal, pelo qual os dois monarcas se comprometeram a prender os respetivos exilados e proceder à entrega recíproca. Os portugueses especialmente visados eram os matadores de Inês. Efetuou-se a troca de prisioneiros com os efeitos que, ainda hoje, ocasionam incómodos. Os castelhanos foram supliciados em Sevilha e os portugueses, Álvaro Gonçalves e Pero Coelho, em Março de 1360 em Santarém. D. Pedro, mandou amarrá-los cada um a seu poste, enquanto os cozinheiros preparavam um banquete. Conta-se que o rei não se furtou a requintes de horror. Mandou o carrasco tirar a um o coração pelas costas (Álvaro Gonçalves) e ao outro o coração pelo peito, condimentando-o com çebola e vinagre (Pero Coelho). Por fim, como sentisse não ser suficiente a tortura, ousou trincar aqueles corações malditos para sempre. Isto, pelo menos, de acordo com a lenda….
Diogo Pacheco salvou-se, ainda segundo a lenda ou tradição, porque foi avisado por um mendigo a quem dava esmola. Trocou a roupa com o pobre, escapou-se para Aragão e daí para França e, ao que se diz, também ainda chegou a voltar a Portugal.
Sobre D. Pedro durante séculos já se escreveu (e divagou) o que seria possível, um rei que amava loucamente Inês, que mandou degolar dois escudeiros por roubarem e matarem um judeu que vendia especiarias, tal como aconteceu com o seu escudeiro Afonso Madeira,que amava mais do que se deve aqui dizer (suspeita lançada por Fernão Lopes, sobre a real virilidade), a quem mandou cortar aquelles membros que os homens em moor preço tem, por manter romance com mulher casada, cujo marido o rei tinha em grande consideração, que açoitou, pessoalmente, o Bispo do Porto, que dormia com humma molher dhuum çidadãa dos bons que havia na dicta cidade a quem mandou despir para o castigar, que gostava de dançar e dar grandes banquetes. Noutra ocasião, terá mandado para a fogueira a mulher de um mercador lisboeta, alegadamente por ser aleivosa e poinha as cornas ao marido.
Saciada a sede de vingança, D. Pedro ordenou a transladação do corpo de Inês da modesta campa em Santa Clara (a-Velha), e da qual não há quaisquer vestígios, para um túmulo lavrado em calcário branco de Ançã, que mandou colocar no Mosteiro de Alcobaça. O caixão saído de Santa Clara, trazido por cavaleiros, foi acompanhado por fidalgos, clero e donzelas em traje de pesar doloroso e muita populaça vinda de toda a parte do Reino alinhada à beira do caminho. Ao longo deste, havia círios acesos dispostos de maneira que o corpo de Inês caminhasse sempre entre eles, enquanto era pranteada por carpideiras de gritos lancinantes e que entoavam melodias plangentes, homens com cinza na cabeça, cabelos rapados e sem barba, em expressão pública de luto, conforme os moldes da época. Escudeiros vestidos de estamenha crua transportavam a urna com o ataúde, carregando aos ombros os varais escuros, precedidos de alferes, com pendões abatidos. Na frente do cortejo, um franciscano segurava uma enorme cruz de pinho. Em Alcobaça, celebraram-se missas e outras pesadas cerimónias religiosas, sendo o caixão depositado na arca tumular, em cuja tampa se encontra a imagem de Inês, de coroa real como se tivesse casado com D. Pedro (assunto nunca tirado a limpo e que adiante abordaremos).
Posteriormente, D. Pedro mandou executar a sua arca tumular, semelhante em arte à de Inês, para nela ser sepultado. Em 1367, adoeceu gravemente e morreu em Estremós a 18 de Janeiro, com 46 anos, idade que o colocava nos parâmetros médios de vida para os homens de seu tempo. Conforme sua vontade, o filho D. Fernando, levou-lhe o corpo para a sepultura que o esperava no Mosteiro de Alcobaça, junto de Inês. Frente a frente, pés contra pés, para se olharem olhos nos olhos, quando se levantarem para ouvir a decisão no Dia da Ressurreição dos Mortos, o Dia do Juízo Final, e por/para toda a Eternidade.
O lugar escolhido por D. Pedro mereceu, de Fernão Lopes, a seguinte referência:
… e este muimento mandou poer no moesteiro Dalcobaça, nom na entrada hu jazem os Reis, mas dentro da egreja há maao direita, acerca da capella moor.
Relativamente ao de D. Inês, segundo também Fernão Lopes, mandou fazer um monumento muito subtilmente trabalhado, colocando a sua imagem com a coroa na cabeça, como se fosse rainha, semelhavelmente mandou fazer el Rei outro tal moimento e tam bem obrado pera si, e fezeo poer acerca de seu della, pera quando se aquecesse de morrer o deitarem em elle.
Os jacentes foram, inicialmente, colocados lado a lado com os pés virados para a capela de S. Bento, santo que os abençoava e com a preocupação de que o de Inês ficasse à direita, como devia acontecer entre marido e mulher. Para o rei, a memória de Inês ficava imortal e dignamente salvaguardada, aguardando a chegada de D. Pedro. Aquela observação de Fernão Lopes, afigura-se interessante, pois chama a atenção para a circunstância de os túmulos não terem sido colocados na galilé (entrada onde era uso jazerem os reis) do templo, mas dentro da igreja à direita, perto da capela mor. Terá sido a primeira vez que tal aconteceu em Alcobaça. Desde D. Dinis, os reis de Portugal haviam deixado de usar a galilé como local de implantação tumular, para o colocar no interior do templo, no desenvolvimento de um processo de apropriação do espaço sagrado pelos leigos, que caracteriza o período final da idade medieval. Ao contrário de D. Dinis (em Odivelas) e de D. Afonso IV (na Sé de Lisboa), túmulo desaparecido em consequência do terramoto de 1755, D. Pedro não terá ousado colocar-se frente à capela-mor, nem no seu interior.
Tratou-se talvez, de respeito para com o mais importante mosteiro cisterciense de Portugal, de uma congregação especialmente protegida.
Originalmente, os túmulos estavam colocados de maneira a terem os pés virados para a Capela de S. Bento, conforme as prescrições eclesiásticas, o de D. Inês à direita do de D. Pedro, neste caso conforme a tradição conjugal e medieval cavalheiresca.
Apenas podiam ser vistos pelos monges, uma vez que o local era vedado aos próprios conversos e, por maioria de razão, aos estranhos do Mosteiro.
E, até aos dias de hoje, embora mudando de local, os dois continuam a repousar juntos, separados pela pedra, mas unidos pelo amor Até ao Fim do Mundo !!!
Para dignificar/legitimar Inês, perante várias testemunhas D.Pedro declarou a 12 de Junho de 1360, em Cantanhede, que sete anos antes, numa fria manhã de inverno, haviam casado em Bragança (parece não haver duvidas que o Infante D. Pedro esteve em Bragança, no ano de 1353, para tratar de assuntos de venda de vinho). A 18 desse mês, em Coimbra, fez nova declaração e o respeitável Bispo da Guarda D. Gil e Estevão Lobato, criado do Rei, juraram que sim, que sim, ser isso verdade, que tinham casado. Ainda leu uma bula do Papa João XXII que dispensou a sanguinidade (como se referiu eram primos, netos de Sancho IV, de Castela). 25 anos depois, um habilidoso advogado, João das Regras, jurou que não, que não, que o Bispo e todos os outros mentiram. Afinal quem disse a verdade? A História está repleta desse tipo de interrogações…
Inês de Castro imortalizada em poemas de beleza e sensualidade (Camões consagra-lhe nada menos que 18 estrofes no Canto III, afinal mais que à Batalha de Aljubarrota, como se aquele evento inesiano dominasse qualquer outro), revivida por escritores de diversas línguas e tempos, enaltecida em composições musicais, recriada por pintores e escultores, continua a alimentar as letras e artes, ultrapassou as fronteiras físicas e culturais, dimensionando o mito, um dos maiores da nossa História, envolvendo Coimbra, Montemor-o-Velho, Alcobaça e mesmo até, Atoguia da Baleia (como a corte de D. Afonso IV, residia normalmente em Coimbra, ao Infante convinha afastar-se para as suas terras de Atouguia da Baleia, de modo a ficar longe das intrigas palacianas e amar sossegadamente no seu solar do Moledo, mandado construir às escondidas do pai), pelo que permanece com uma aura lendária, transportada a outras idades e lugares.
(CONTINUA)

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