segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ALCOBACENSES NA REVOLUÇÃO (PREC)-1975




-LEIRIA
-Zé Póvoa
-Rio Maior (sempre)
-V.N. de Famalicão
-O dinheiro de plástico







Sobre os incidentes de Leiria, Óscar Santos, hoje em dia (2010) Presidente da Junta de Freguesia dos Montes, em segundo bom mandato, grande e interessante contador de histórias, muito respeitador da memória do pai e seus companheiros, recorda que há 35 anos, normalmente, as notícias urgentes e importantes chegavam via telefone para a casa do Firmino Franco ou do Café Catarino.
Dessa vez, elas vinham do PPD, de Leiria, num toca a reunir para o assalto à sede do PC.
José Acácio dos Santos, mais conhecido como Zé Póvoa, homem digno e muito respeitado, desaparecido prematuramente, militante do PPD da primeira hora, que nunca deixava de responder a um bom apelo, reuniu dois ou três fiéis companheiros, desta vez sem o filho que muitas vezes o acompanhava, partiram de imediato rumo a Leiria. Ao chegarem ao largo fronteiro à Rodoviária, encontraram algumas centenas de populares que, sem desfalecer ou perder o ritmo, se animavam e gritavam palavras de ordem. A concentração durava há várias horas, sem indiciar desfecho, já que a sede do PC se encontrava guardada por militares que ripostavam com tiros para o ar, cada vez que alguém tentava atravessar a estreita ponte que ligava as duas margens. As horas iam passando, a noite chegava e tornava-se cada vez mais claro que naquele dia as coisas não teriam qualquer desfecho, pelo que alguns manifestantes começavam a desmotivar e a desmobilizar.
A alguns metros do meu pai, um jovem de 18 ou 20 anos gritou que se não conseguimos atacar o PC vamos ao MDP. A maioria das pessoas, nem sabiam onde se situava a sede do MDP e olhavam uns para os outros, como que a perguntar o que fazemos.
Mas os presentes não queriam, melhor dizendo, não podiam, recusar esta fortíssima sugestão e apelo. Entretanto, o mesmo rapaz voltou a lançar a dita palavra de ordem e, juntamente com outro colega, também bastante jovem começaram a correr, dirigindo-se para a rua lateral à Sé.
José Acácio dos Santos sem saber para onde ia, começou a correr e juntamente, com uma ou duas dezenas de populares, encetaram a corrida atrás dos jovens. Pouco a pouco, todos os manifestantes se aperceberam do que estava a acontecer e seguiram-nos. A sede do MDP situava-se no final da rua, num primeiro andar de varandas baixas. Os dois jovens da frente lançaram-se em voo, e agarrando-se às grades da varanda treparam, arrombando a porta. Zé Acácio apercebeu-se que havia iluminação dentro da sede e passados alguns segundos os dois rapazes saíram em voo da varanda e caíram com aparato no chão. Os que assistiam, julgaram, inicialmente, que eles tinham sido agredidos e mandados pela varanda por elementos que se encontravam dentro do edifício. Mais tarde, perceberam que estavam armados com um enxame de abelhas no interior da casa e que a luz estava acesa para poderem actuar. Entretanto, a tropa destacada para defender a sede do PC, ao constatar o que estava a ocorrer, deu a volta pela rua que dá acesso ao Castelo e desceu pela calçada até ao Largo da Sé, parando expectante ao lado dos manifestantes.
O oficial que comandava o grupo, à medida que vinha a descer disparava rajadas de tiros para o ar, na tentativa de se acalmar a si próprio e amedrontar a multidão, o que de facto conseguiu, pois as balas batiam no telhado e na parede da casa em frente, fazendo cair pedaços de telha em cima das pessoas. Nessa altura, um homem munido de uma máquina fotográfica, talvez jornalista estrangeiro, destacou-se da multidão, posicionou-se junto à dita casa, de frente para as tropas, tentando obter em exclusivo fotografias espectaculares. O oficial continuava a disparar descontroladamente rajadas de tiros que atingiam a parede e o telhado da casa. O fotógrafo foi atingido na cabeça, caindo de imediato morto, enquanto o sangue e os miolos escorriam pela parede.
Terá sido acidente? A José Acácio dos Santos custou a acreditar. Óscar Santos é da mesma opinião. As pessoas que estavam à frente começaram a recuar, forçando o grupo a comprimir e andar para trás. Zé Acácio encontrava-se no grupo da frente e contou que a força era tanta, que as pessoas eram arrastadas quase sem tocar com os pés no chão e nesse movimento alguém lhe pisou o sapato que ele puxou com a ponta do pé, até conseguir atingir o vão duma porta que lhe proporcionou abrigo, permitindo-lhe voltar a calçá-lo e seguir caminho. A rua era pequena para tanta gente e aqueles que tentavam empurrar para trás, eram não obstante forçados a avançar. Decorreu algum tempo, até que alguém conseguiu novamente trepar para a varanda do MDP/CDE, entrar e abrir a porta do rés-do-chão que lhe dava acesso. Deste modo, alguns manifestantes começaram a lançar papéis e pequenos móveis para meio da praça, com grande entusiasmo, vivas e palmas. O fogo foi ateado, o material continuou a voar pela janela. E Zé Acácio concluiu que os militares assistiram, não voltaram a disparar e desmobilizaram. Estes militares não estavam, nem podiam estar, ao mesmo tempo com o MFA e com o Povo. Eram Povo, em primeiro lugar.

Fleming de Oliveira, deslocou-se nesse dia pela primeira e única vez para assistir a uma sessão da tarde da Assembleia Constituinte e reunir com Gonçalves Sapinho e dirigentes do PPD. Chegou antes das três e entrou em direcção às instalações do grupo parlamentar, onde esteve à conversa com Costa Andrade. Acontece, porém, que a sessão foi suspensa por cerca de meia hora, devido a ameaça de um engenho explosivo, que depois de aturadas buscas não se encontrou, mas criou alguma excitação, que persistiu mesmo depois de reiniciado o plenário. Sapinho, pelo menos pareceu, imperturbável.

Em Famalicão, arderam toda a noite fogueiras ateadas para queimar os livros, papéis e móveis do MDP/CDE e PC. Durante a noite automóveis e motorizadas pertencentes a elementos de esquerda, foram vandalizados, bem como assaltados escritórios e estabelecimentos de pessoas ligadas àqueles partidos.

E em Rio Maior onde, Aqui começa Portugal?
Com as barricadas de Rio Maior, tratores, pedras, pneus velhos, tudo o que vinha à mão, pretendeu-se impedir que operários da cintura industrial de Lisboa, o COPCON ou ocupas da Reforma Agrária, avançassem em direcção ao norte do País, como retaliação para os ataques que o PC e agrupamentos satélites ou de esquerda, estavam a sofrer sem piedade. O ambiente que nelas se vivia era de excitação, camaradagem e solidariedade. Nunca faltava o frango assado, as febras, uns pastéis de bacalhau, um casqueiro, uma navalha de bolso e um garrafão de tinto do produtor. E alguma música.
Aí estiveram, os indefectíveis dos Montes, mais Joaquim Evangelista, de Alcobaça e Luís Graça, da Ataíja, que se fez a pulso, ainda salazarista, homem bom, solidário, respeitado e que colaborava com o PPD, que conta que a determinada altura, foi localizado um bem conhecido alentejano, que vinha em apoio da Reforma Agrária, do slogan A Terra Para Quem a Trabalha, Abaixo os Latifundiários e contra os empedernidos reaccionários que defendiam o seu património, como os da Benedita até Ataíja, passando pelo Vimeiro e Alfeizerão, e entendiam que ali começava, ou acabava, Portugal. Este sujeito estava referenciado, pelo facto de antes do 25 de Abril ter vendido uma propriedade e aproveitando-se da maré das ocupações, ter de novo voltado a quere-la, agora pela força. Quando o localizaram, percebeu-se que de imediato iriam surgir problemas, pois os populares ao aproximarem-se começaram a mimoseá-lo com nomes que, não apenas fariam corar, mas ofendiam a mãe o pai ou a mulher e a ameaçá-lo fisicamente. A GNR ainda interveio, para o defender, mas o povo chocado com uma presença que reputava de provocatória, tentava atingi-lo, o que se conseguiu, causando-lhe ferimentos, mais ou menos dolorosos. A agressão só terminou, quando a GNR compadecida do alentejano, pediu para que fosse deixado em paz, o que aconteceu no meio de enorme assuada, sem mais ser visto por ali, ao que se diz até hoje.
Francisco Catarino, que sempre que podia ia às movimentações, conta que quando foi com os companheiros dos Montes apoiar o movimento de Rio Maior, teve de deixar o carro na Ribafria, seguindo o restante percurso a pé. Ao chegarem perto de Rio Maior, encontraram dois soldados, ali destacados, pertencentes ao Quartel de Caldas da Rainha, que lhes disseram para não seguir por determinada rua, pois a sede do PC estava a ser atacada e os comunas já estavam a queimar dinheiro de plástico. Catarino nunca tinha ouvido falar em dinheiro de plástico, não sabia o que era, nem o que aquele conselho significava. Seja como for, sem mesmo perceber nada do assunto, criou a partir daí uma profunda e inexplicada animosidade ao dinheiro de plástico, pelo que quando tempos depois começaram a aparecer os cartões, nunca se serviu deles. O seu estabelecimento passou a ter de usar cartões, mas quem o faz é a filha.
Francisco Catarino nunca utilizou nenhum, os seus negócios são, apenas, com bom dinheiro vivo.


Fleming de Oliveira

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