quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A CENSURA

-A Censura é antiga como o Mundo.
-O assassinato de Theo van Gogh.
-As caricaturas de Maomé.
-O Papa Bento XVI.
-O caso da Ópera de Berlim.
-Os nús femininos.
-Sir Salman Rushdie.
-O Grande Oriente Lusitano.
-A memória não pode ser alienada.
-Mário Soares e o exílio.
-O Cardeal-Rei e o Santo Ofício.
-Damião de Góis, Gil Vicente, Camões, Fernão Mendes Pinto, Pe. António
Vieira e outros, até perto de nós, sem esquecer Gonçalves Rapazote.
-Luandino Vieira e a extinção da Sociedade Portuguesa de Autores.


Fleming de Oliveira

(I)
A censura é tão antiga quanto a sociedade organizada, poder-se-ia mesmo dizer que lhe é inata.
Para uns, representa a violação do direito de livre expressão. Para outros, representa um instrumento necessário à defesa dos princípios, sejam eles de classe, políticos, morais ou sociais. A censura existe de alguma forma, em todas as comunidades humanas, passadas ou presentes e em qualquer parte do mundo.
De forma política, moral, social ou religiosa, a censura baseia-se em princípios reunidos numa ideologia pré-definida, que orienta sua atividade fiscalizadora e/ou repressora. No entanto, vulgarmente, tem servido para encobrir interesses particulares de pessoas ou de grupos.
Exerce-se, a censura, por meio do exame e da classificação do que se considera imoral, crime, pecado, heresia, subversão ou qualquer outro ato merecedor de supressão e/ou punição exemplar.
Do ponto de vista da forma como é exercida, a censura pode ser preventiva, repressiva e indirecta, embora esta seja a mais difícil de contrariar, dada a sua forma normalmente subliminar.

Censura prévia ou preventiva, é o direito a que se arroga um governo de exercer vigilância fora da ação dos tribunais sobre a publicação de livros ou periódicos, a encenação de peças teatrais ou outras manifestações de inteligência.

Em muitos países, a censura ao texto impresso, no referente aos livros, mesmo antes da implantação do Estado Novo, era feita após a publicação, de acordo com o princípio segundo o qual o cidadão deve assumir a responsabilidade dos seus atos. Nesses casos, a censura chama-se punitiva ou repressiva.
Estudos sociológicos, já tentaram demonstrar que o maior rigor da censura, do ponto de vista da moral sexual, coincide com a ascensão política da classe média, no pressuposto que essa supremacia só se consegue e mantém pelo trabalho e hábitos morigerados, virtudes que seriam abaladas pelo relaxamento sexual. Já a alta burguesia e a aristocracia parecem não dar a mesma importância a esse aspeto.
Veja-se o caso paradigmático do Reino Unido.
A Grécia Antiga, foi a primeira sociedade a elaborar uma ética de justificação para a censura, com base no princípio de que o governo da polis, Cidade-Estado, constituía a boa expressão dos desejos dos cidadãos e que, portanto, podia reprimir todo aquele que os tentasse contestar. Na sociedade ateniense, alguns delitos de opinião podiam ser punidos com a pena de morte, como aconteceu com Sócrates, obrigado a beber cicuta, após ser condenado por irreligiosidade e corrupção de jovens.
O respeito a alguns princípios de ordem, parecia todavia tão arreigado na sociedade de Atenas, que até mesmo Platão, discípulo de Sócrates, defendia a censura, como um dos requisitos essenciais ao governo.
Durante o período medieval, as autoridades eclesiásticas impuseram uma rígida conceção do mundo secular e do Além, com base em princípios que se queriam eternos e imutáveis. O Tribunal do Santo Ofício, exerceu uma censura de caráter moral, político e religioso, sendo os acusados sujeitos a torturas, tão violentas como os ordálios, longos períodos de prisão, morte na forca ou fogueira.
Depois da Reforma Protestante, o clima geral de intransigência religiosa, tanto nos países católicos, como nos protestantes, deu ensejo a mais práticas repressivas.
A Igreja Católica Romana publicou, durante o Concílio de Trento, uma relação de obras cuja leitura era proibida aos fiéis, salvo alguns velhos e de alta confiança. Era o Index Librorum Prohibitorum.
Nos países protestantes, as proibições não se limitavam aos livros católico-romanos, mas também aos de outras igrejas reformadas.
No mundo moderno, alguns fatores acarretaram modificações no conceito de censura. Tal processo foi fruto de um longo trabalho de educação, de evolução, que permitiu atingir um espírito crítico mais refinado.
A disseminação de obras, desde as artísticas, às de informação, como as enciclopédias e jornais, diminuiu o grau de desinformação, tanto minimizou superstições como preconceitos ancestrais e acríticos. Mesmo assim, o século XX assistiu ao nascimento e derrota de regimes autoritários, de direita ou de esquerda, em que a censura teve uma atuação doentia, dado rigor, ou falta com que foi exercida ou pela virulência de seus princípios. Ocorreu com o governo nazi na Alemanha, na Itália fascista, na Espanha franquista, no Portugal salazarista, bem como na URSS e satélites.
Em nome do socialismo, a URSS, os países do bloco socialista, como ainda hoje Cuba, China, Coreia do Norte ou Birmânia e outros países (Irão), adotaram e adotam uma censura tão rigorosa, intolerante e obscurantista, quanto a do Fascismo, Nazismo ou Santo Ofício.
O movimento pelos direitos civis, nascido nos Estados Unidos e disseminado aos poucos pelo mundo nomeadamente com Martin Lutter King, trouxe uma mudança radical de padrões e valores, que muito contribuiu para o desfavor da censura e o fortalecimento da democracia liberal.
(CONTINUA)


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