segunda-feira, 3 de outubro de 2011
MÚSICA NOS TEMPOS DA REVOLUÇÃO (1974 e ss.), SEGUNDO A. PAULO SOUSA
Numa análise diferente, não só nos princípios, mas na amplitude, tem interesse ter em conta a do portuense A. Paulo Sousa sobre a música no antes e depois de Abril, pois que não sendo, nem músico, nem crítico profissional, é pessoa de esclarecida sensibilidade e conhecimentos, aliás meu cunhado.
A música foi um dos aliados do PREC, nomeadamente nos seus momentos de exaltação, bem como uma pretendida e grande arma de dinamização cultural.
Esta música, que então se manifestou, Canto de Intervenção, absorveu todos numa unidade, em crescendo até à Revolução.
Vale a pena fazer uma análise, ainda que ligeira, ao panorama que enquadrou os anos do início da década de 1970.
O Regime reprimia e censurava os assomos progressistas, a que o canto não escapava. Alguns cantores e autores exilaram-se, enquanto outros eram vigiados de perto. Nas noites longas e misteriosas de então, uma brisa parecia soprar de longe a voz de Luísa Basto a cantar o Avante Camarada de Luís Cília.
-Socialmente, a nostalgia e o desencanto cresciam num povo cansado com a Guerra de África, apetecendo-lhe erguer a voz e cantar com António Macedo.
Economicamente, a inflação apertava o cinto, e o sonho desenvolvia-se com a Pedra Filosofal, qual Trova do Vento Que Passa.
Olhando pelo buraco da fechadura, o povo aguardava uma revolução que não sabia como seria, mas que entrasse sem bater, nem pedir licença.
Pedia-se agitação pública, sindical, política e estudantil e quando se falava ou pensava na economia, vinha à lembrança o Zeca Afonso que cantava às escondidas num gira discos qualquer, Eles Comem Tudo, e Não Deixam Nada (Vampiros).
-Na música clássica, os tempos anunciavam o fim da era dos grandes compositores neo-românticos e impressionistas, qual passarinho recém-plume, à procura de ninho, a mãe-natureza da música, também queria a liberdade de modos e da tirania tonal, num rumo que a levasse ao expressionismo.
-Por sua vez, o Jazz, americano e europeu, abria brechas na escuridão e aderindo à fusão soltava-se dos espirituais, minstreles, blues e ragtimes.
Relembramos o grande concerto de Keith Jarrett em 1975, em Colónia.
Foi notícia ouvir Carlos Paredes, na guitarra portuguesa, improvisando com Charlie Haden. Por curiosidade, este músico foi vedeta no I Cascais Jazz 71, ao interpretar Song for Che, um momento de intervenção/provocação que lhe valeu a imediata expulsão de Portugal, posto na fronteira.
-O Rock/Pop, anglo-americano, disseminado pelo mundo, após década de ouro de 1960, graças aos Beatles e Rolling Stones, teve o seu momento alto em Portugal no Festival de Vilar de Mouros 1970, para onde o jovem Paulo Sousa foi de mochila e viola às costas. Cá dentro, sabia bem ouvir Missing You e Tell me Bird, dos Sheikes. Este Rock/Pop que estava a seguir o seu caminho, foi abafado nos inícios atabalhoados do PREC, mas veio a progredir ao longo da década, altura em que chegavam novidades do estrangeiro, falando-se de excessos e patamares anti-sociais (Punk). Era mais um sobressalto!
Em Portugal, era delicioso pelo ineditismo ouvir, embora mais tarde, o Chico Fininho, de Rui Veloso. É de notar que no início do PREC, este tipo de canção teve a força dos media e aceitação generalizada dos ouvintes.
-Em Coimbra, cidade universitária que Paulo Sousa não frequentou, mas cujo ambiente conhecia, iniciara-se um movimento de sonho, esperança e determinação, a partir do tradicional e imutável Fado de Coimbra, rumo à intervenção. Fora o tempo de ouvir José Afonso cantar os Amores de Estudante, agora transformado em Zeca Afonso que se libertou da guitarra e, de viola ao colo, abraçou a balada, que se chegou a apresentar nos convívios na AAC. Neste abraço, pediu-se ao poeta que desse mais brilho às estrelas e renovação à poesia, sem esquecer a contestação, a resistência, a repressão e a denúncia das injustiças sociais e da Guerra de África, mas também se lhe pediu para não esquecer as raízes, o Povo. Agregador, este movimento definiu de imediato o campo do nós e o do eles, pelo que neste contexto não se pode deixar de mencionar artistas como Luís Cilia, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, Daniel Filipe, Manuel Freire, Francisco Fanhais.
Deste modo, foi encontrada a flor, o génio e a aventura da razão que a politização implicava, nomeadamente no seio dos poderosos e das sérias e convencionais Forças Armadas.
O canto de intervenção, incluindo cada vez mais o nós e a acentuar-se agressivo e incisivo o contra eles, descobriu o segredo da vitória e revelou-o publicamente um mês antes do 25 de Abril. No Coliseu de Lisboa, cheio como um ovo, aconteceu o I Encontro da Canção Portuguesa, com um apoteótico final de heróis cercados pela vigilância da polícia política, cantando-se Grândola, Vila Morena. Estava encontrada a senha, sem se saber, para a flor que o génio consumaria na próxima grande aventura. Um mês depois, João Paulo Dinis anunciava que são dez horas, e 55 minutos. Na voz de Paulo de Carvalho, a canção do Euro Festival de 74, e Depois do Adeus, dando o tiro de partida para que, País fora, fossem sendo ocupadas algumas posições importantes. Minuto a minuto, o tempo passava, ansioso e devagar, até que chegou a meia-noite. Na Rádio Renascença, a emissão transmitiu umas inauditas passadas ritmadas, cadenciadas, seguras e decididas. Sobre este caminhar, o inconfundível timbre de Zeca Afonso tornava-se impressionante, e o que todos conheciam, pelo menos do gira-discos, dava início à Revolução. A partir daqui, o MFA iniciou um período de alegada reorganização nacional, com impreparadas campanhas de esclarecimento e dinamização cultural, nalguns casos mal terminadas. O canto de intervenção, tornado agora elitista canto progressista, quis partir com elas, e pleno de generosidade, mas pouco mais, respondeu sim, presente às iniciativas populares, sindicais, partidárias de vanguarda, etc. Todavia, mais de um ano de actividade intensa da canção progressista e seus artistas, aquela começava a deixar marcas indeléveis. Os espectáculos tinham frequentemente má qualidade de som ou luz, a organização acentuava a boa vontade, até ao ponto de os artistas se sentirem desconfortáveis na hora das contas. Para obstar a este mal, foram testadas iniciativas como o CAC-Colectivo de Acção Cultural, e depois o GAC-Vozes na Luta, o Canto Livre. Zeca Afonso e outros deixaram-se de fora, e a unidade não foi conseguida. Surgiu o manifesto FAPIR-Frente de Artistas Populares e Intelectuais Revolucionários, que defendia a unidade contra a burguesia, e Fernando Tordo para não descurar a divulgação, constituiu a Toma Lá Disco. As dificuldades financeiras impuseram a sua lei inexorável, numa sociedade que não era socialista, e além da falta de unidade, outros problemas importantes surgiram, como a profissionalização. Cabe aqui lançar um olhar estatístico aos media no 25 de Novembro de 1975, e ficar, eventualmente, surpreso com os 8%, dedicado pelas emissoras à música portuguesa, contra os 70%, da anglo-americana. A realidade torna-se mais crua, se se atentar que o canto progressista fazia parte desses tais 8% e passava nos horários que lhe restavam, ou seja, nos menos nobres. Procuraram-se soluções numa espécie de regresso às origens, ou seja, à música popular portuguesa. A referência cultural, seria pegar nessa música e canções, trabalhá-las e devolve-las ao Povo, melhoradas, no respeito pelas tradições, saberes e sonoridade ancestrais da guitarra, cavaquinho, flauta, acordeão, gaita de foles, violas, rabecas, braguesas, adufes, tambores e castanholas. Entre todos, cumpre menção de destaque ao trabalho de Almanaque e Brigada Victor Jara. Novos rumos continuavam a procurar-se, pelo que surgiu mais uma tentativa, através da criação da cooperativa Era Nova que, todavia, se mostrou ainda incapaz e viu em breve nascer uma concorrente, Cantar Abril. Cheias de nomes pesados do canto progressista, estas não abriam hipóteses aos chamados oportunistas e cantores de palavras-chave, como jocosamente Paulo Sousa apelidava os artistas do nacional-cançonetismo. Foi preciso esperar pela UPAV-União Portuguesa de Artistas de Variedades. Sem surpresa, lá apareceram envolvidos José Mário Branco, Paco Bandeira, Rui Veloso e Carlos do Carmo, entre outros.
Também em 1981, chegou a lei 12/81 de protecção da música portuguesa, na sua difusão pela rádio e televisão, de que Fleming de Oliveira, foi co-autor na Assembleia da República.
FLEMING DE OLIVEIRA COM
A. PAULO SOUSA
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