sexta-feira, 21 de outubro de 2011

“Errar é humano, perdoar é divino”



FLEMING DE OLIVEIRA
Errar é humano, perdoar é divino.
Esta é uma velha máxima, utilizada como desculpa por muitos e praticada, verdadeiramente, por poucos.
O facto é que estamos, neste tempo de incerteza que nos consome lentamente, cada vez mais individualistas, direi mesmo mais egoístas, enfim menos solidários. Utilizamos o argumento da azáfama e a defesa dos interesses de sobrevivência, para atropelarmos a boa educação, que tão bem nos foi ensinada em Casa, os sentimentos profundos e os dos nossos semelhantes, para abusar da boa vontade alheia.
Boa vontade esta, que é um produto cada vez mais escasso no mercado das emoções e atitudes neste salve-se quem puder ! E cada vez menos nos detemos para dizer um obrigado, pedir desculpa, ou até mesmo nos interessar verdadeiramente pelo que o outro está a sentir, invocando um abafado olá, como vai isso amigo? ou um bom dia, oco de sentido.

Convenhamos, caro leitor, quando foi a última vez que teve disposição para se interessar realmente pelo que aquele amigo está a passar?
E assim a vida continua, em ritmo frenético (mesmo nesta Alcobaça onde nada acontece, salvo o comércio e indústria a encerrarem…, o centro a desertificar), arredando sentimentos e momentos que poderiam ser vividos, se se tivesse aguardado um nadinha mais.
O mesmo acontece com as mágoas, desamores ou raivas. Os sentimentos ruins ficam escondidos, pesando no estômago aonde criam azia, endurecendo o coração, sem que percebamos bem porquê do que está a acontecer.
Afinal, porque perder tempo com essas coisas tão subjetivas e nada mensuráveis? Acontece que um dia estes conflitos mal resolvidos ressurgem, sem o menor aviso, impondo um desfecho por vezes ácido. Afinal não se podem guardar para sempre, pois não?

É mais ou menos como decidir arrumar aquele monte de papéis amontoados à balda na gaveta, sem coragem de os enfrentar. Mas em certa altura é preciso olhar um por um e decidir os que vão definitivamente e sem piedade para o lixo.

Perdoar requer, de certo modo, um processo parecido.
Perdoar pede tempo, um tempo de esquecimento do sentimento que foi jogado para a gaveta. E quando chega o momento em que se revela, há que o encarar.
Reconheçamos que na maioria das vezes não é nada fácil e há a volúvel tentação de o esconder, ainda mais fundo nessa gaveta, para não o voltar a encontrar. Mas o interessante é a que algumas vezes, o meu caro leitor fica surpreendido pela facilidade, e alivio, com que percebe que chegou a hora de perdoar, jogar fora definitivamente essa mágoa que por tanto tempo lhe fez mal, mesmo que não assumisse ou o reconhecesse. Antes receava encarar tal mágoa, pois seria como atingido por um furacão emocional, que não perdoaria, que faria o responsável sentir o que passou, e agora percebe que não quer nada disso, que com um sorriso e uns momentos de conversa, tudo aquilo já não faz sentido. Perdoa o outro e a si próprio, por se ter feito mal por tanto tempo e até é capaz de desejar, doravante o melhor para essa pessoa, do fundo de seu coração.
A mágoa é substituída por uma sensação de leveza. Sim, a alma fica mais leve e agradecida, por aquele peso morto, finalmente jogado fora, a digestão passa a fazer-se, sem azia.
Enfim é capaz de sorrir, com vontade de chorar.

Claro que na gaveta ainda ficaram papéis que precisarão de ser guardados por mais tempo, até que se vença o prazo de validade e tenha que novamente ver se pode ou não jogá-los fora.
Como escrevi no inicio destes apontamentos, errar é humano, e perdoar é divino.
Mas, perdoem-me a petulância. talvez nos aproximemos um pouquinho mais de Deus, se houver capacidade de perdoar verdadeiramente.
E então, caro leitor, já fez ou quando vai fazer um arrumo naquela gaveta?



FLEMING DE OLIVEIRA

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