quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A CENSURA ANTES DO 25 de ABRIL

Uma rolha na boca.
Mário Neves, faz crónicas dramáticas a partir de Badajoz.
As entrevistas a Salazar.
Os fatos de banho, vigiados pelos zelosos cabos-do mar.
O Catitinha.
O homem da língua da sogra e os barquilhos.
Como é bom namorar.
A Ala Liberal e a Lei da Imprensa.
Portugal combate os mendigos e miséria, por via administrativa e judicial.
O ortodoxo Lopes-Graça e o russo liberal Rostropovich.
Portugal derrota em futebol a Home Fleet por um rotundo 11-1.



FLEMING DE OLIVEIRA


(IV)
A política, dita, humanista do Regime e a Censura, eram todavia compagináveis com o comentário do Diário Popular, em Nota da Redacção, onde se narrava o caso de uma velhinha apanhada por um fiscal da Câmara de Lisboa, quando no lixo, procurava afanosamente algo que comer. O virtuoso redactor daquele vespertino lisboeta, defendia que o fiscal que multou a velhinha faminta cumpriu bem o seu dever, tal como mais tarde o Senhor Juiz condenando-a pois, assim, se extinguirá a mendicidade e a miséria no Portugal de 1958.

Apesar do aparente abrandamento da Censura, durante a campanha eleitoral para a Presidência da República de 1958, muitos são os cortes nas notícias sobre a campanha do Gen. Humberto Delgado. Note-se que em Alcobaça, O Alcoa não dava qualquer espaço noticioso à oposição.

O Dec.Lei nº44278, de Abril de 1962, estabeleceu que os crimes de imprensa, passavam a ser julgados nos Tribunais Plenários.
Num Despacho de 20 de Outubro, Salazar determinou que os Serviços de Censura ficariam a depender exclusivamente da Presidência do Conselho e não recebiam ordens de qualquer outro departamento de Estado. Os Serviços de Censura zelosamente tanto cortavam textos políticos, como simples convocatórias para Assembleias Gerais de Cine-Clubes, então muito activos, em expansão e contestários (verdade seja dita nalguns casos de orientação marxista), ou sindicatos corporativos.
Em Abril de 1965, o director do Diário de Lisboa, Norberto Lopes, num artigo alusivo aos 43 anos do jornal, intitulado A Favor e Contra, e enviou-o à Censura, quatro dias antes da data prevista para a sua publicação. Passou sem cortes. No dia seguinte, foi alertado que há cortes! Esta alteração levou-o a dirigir-se directamente a Salazar. No dia seguinte recebeu uma resposta redigida pela sua própria mão, mandei dizer aos serviços que não via razão para não manter a primeira decisão e que era essa atitude que deviam tomar. Para evitar mal-entendidos parece-me, porém, que no 2º granel, linha 12, devia ser eliminada a palavra pretendida e mais adiante, linha 35, a palavra orquestradas.
Uma informação saída em Setembro, na primeira página do Diário de Notícias, sobre a ida do Benfica a Moscovo, levou à PIDE, o director da empresa turística que esteve na origem da notícia.

Com a chegada de Caetano à chefia do Governo, em Setembro de 1968, pareceu atenuar-se a malha, mas a Censura cortou, a 6 de Setembro de 1969, um telex da France Presse sobre a entrevista dada por Salazar ao parisiense L’Auror, na qual ele falava como se ainda fosse Presidente do Conselho de Ministros. Segundo o jornalista Roland Faure, que entrevistou Salazar, os que o rodeiam velam para que seja mantida a ilusão, ou melhor, uma verdadeira cumplicidade feita de respeito, de gratidão, de fidelidade estabeleceu-se entre as mais altas figuras do Estado. Para Salazar, Marcelo Caetano continuava a ensinar Direito na Universidade de Lisboa e não faz parte do Governo.
A propósito de entrevistas, parece interessante lembrar uma que Salazar em Junho de 1937 concedeu ao jornal alemão Frankfurter Zeitung, não censurada em Portugal, antes pelo contrário, pois foi-lhe dada ampla e pronta divulgação. O Chefe da Revolução Nacional, abordava a situação político-financeira do País, considerando que expressões como ditadura e democracia, andavam prevertidas e confusas, não sabendo se poderia aceitar a primeira para definir o actual regime português. Aludindo aos antigos partidos da República, disse que não foram substituídos por nada, pelo que a única organização política reconhecida e de facto existente é a União Nacional, organismo aberto a todos os portugueses que dêem garantias de adesão sincera aos pontos do seu programa. Apontou a M.P. e a L.P. como organizações voltadas, respectivamente, para a formação de jovens nacionalistas e para os voluntários da ordem. Como se estava em plena Guerra Civil de Espanha, era de opinião que esta era o primeiro ensaio de conflitos internacionais por motivos ideológicos e frisou que, entrando há muito no plano russo da revolução mundial como o país mais preparado revolucionária e socialmente para afectar o bolchevismo, é para nós muito duvidoso se a Espanha não faria a experiência comunista, mesmo que a revolta nacionalista não fornecesse a ocasião e pretexto para se juntarem todos os extremismos peninsulares, socialistas, anarquistas, comunistas. Ainda anotou que havia um certo número de países europeus aparentados com o autoritarismo de Hitler e esclareceu que, entre eles, estava o regime português.

No mês de Fevereiro de 1970, surgiu em Braga uma declaração sobre a apreensão de livros nas livrarias e casas editoras. Em Braga e noutras cidades, saiu um manifesto clandestino, Movimento da Oposição Democrática-Nova Vaga de Repressão, com notícias de repressão da PIDE.

Os deputados da Ala Liberal, Sá Carneiro e Pinto Balsemão, embora eleitos em listas da U.N., apresentaram a 22 de Abril, na Assembleia Nacional, um projeto de Lei de Imprensa que reduzia significativamente o âmbito de actuação da Censura, em consonância com o Sindicato Nacional dos Jornalistas. Em Maio, a Comissão de Defesa da Liberdade de Expressão emitiu um documento apelando ao direito do seu exercício.
A 20 de Dezembro, foi publicada a Lei, onde se determinava que a imprensa periódica ficaria sujeita ao Exame Prévio, se ocorrerem actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional. Como a Assembleia Nacional entendia que se verificavam actos subversivos graves, o exame continuou, como anteriormente.
Prestes a fechar o ano de 1972, iriam ouvir-se, na Assembleia Nacional, palavras muito críticas e duras sobre sobre o estado da Comunicação Social e a problemática da Informação. Francisco Pinto Balsemão, jovem Advogado e Jornalista, abriu as hostilidades: A concepção que defendo de uma sociedade portuguesa democrática e participada implica a utilização pluralista da Rádio e da Televisão. (...) Enquanto durarem as dificuldades de concessão de emissoras de rádio e continuar o monopólio da RTP, enquanto não houver permanente acesso à Televisão e à Rádio tanto para informar como para ser informado, enquanto os programas forem escolhidos de acordo com critérios puramente comerciais ou defensores apenas do modo de ver de uma corrente política, enquanto os bons profissionais tiverem de trabalhar lado a lado com os oportunistas, enquanto persistirem as várias censuras internas e externas, não poderemos esperar que a Rádio e a Televisão desempenhem a missão que lhes compete perante a comunidade. A esta voz juntou-se a de Joaquim Magalhães Mota, para uma análise, não menos contundente: Temos uma informação sistematicamente calada perante a vida, entendida não como meio de transformação mas como causadora de aborrecimentos e fonte de indiscrições. Tudo fazemos para que ela fique à margem dos problemas reais tendo como única gesta a do passado, como únicas lutas as desportivas ou das canções dos festivais, se reduza àquilo que pautado e, por tudo isto, perca a audibilidade. Quem hoje, em Portugal, não é informado sobretudo pelos seus conhecimentos ou por outra língua ou outros países.

Em resumo, a mudança mais significativa a registar foi a do nome, a Comissão de Censura passou a chamar-se, pudicamente, Comissão de Exame Prévio. A expectativa de abrandamento da Censura, prometida pela primavera marcelista gorou-se. Como escreveu Norberto Lopes, a Censura passou até a exercer-se de forma mais severa e atrabiliária do que no tempo de Salazar.
A 5 de Maio, o governo de Caetano publicou o Dec.Lei nº 150/72, sobre o Estatuto da Imprensa. Surgiu uma nova tipologia de decisões censórias, com o visto e autorizado, autorizado com cortes, suspenso, demorado e proibido. A lei proibia (má consciência?), referência ao facto de as publicações serem sujeitas ao Exame Prévio. Ou seja, a Censura continuava, mas não se queria assumir, e os jornais ficavam proibidos de escrever Visado pela Censura.
A 31 de Maio saiu pela última vez na imprensa portuguesa a indicação Visado pela Censura na primeira página, por imposição da nova Lei de Imprensa.
Com base na nova legislação são dimanadas, a 1 de Junho, as Instruções sobre o Exame Prévio das quais se destaca a definição dos limites à Liberdade de Imprensa, as publicações sujeitas a Exame Prévio, a constituição das Comissões de Exame Prévio.
Na actualidade informativa, alguns assuntos eram mais aptos que outros a receber o carimbo de cortado ou censurado. Recorda-se, a mero título de exemplo, o caso de um inquérito sobre namoro, casamento, relações pré-conjugais e controle de natalidade, destinado a ser publicado na imprensa Para o efeito, solicitou-se a opinião de alguns jovens. O depoimento de uma estudante universitária, de 18 anos, que se confessava católica, mas a favor do controle de natalidade, implicou que o artigo fosse censurado.
A Guerra de África era objecto, de cuidados muito especiais. Um artigo dos anos setenta sobre o envio de tropas para Angola, recebeu a atenção do censor que impôs o corte na referência ao número de homens, ao destino e à quantidade de armas transportadas.
Não raras vezes, a sanção pela publicação de notícias (censuráveis) que escapavam mesmo assim ao controle do censor, era a suspensão das publicações, por tempo mais ou menos prolongado.

CONTINUA


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