Fleming de OLiveira
Lembramos bem, de ouvir, nos tempos de menino, nos anos ciquenta, os caseiros da Casa de Oliveira de Azeméis, o senhor António e a D. Maria, defender para o filho de vinte e tal anos, com tropa feita, como era eficaz para conquistar o coração de uma mulher rica, escrever o nome dela numa peça de roupa íntima, que o pretendente gostasse muito. Depois, amarrava-se a peça numa garrafa de vidro colorido e a enterrava-se, de forma que ninguém a encontrasse. No dia em que o rapaz perceber que a pequena passou a olhá-lo com outros olhos, iria desenterrar-se a peça e partia-se à conquista direta.
Foi também por essa altura que ocorreu um acontecimento que perturbou a comunidade. Uma galinha morta sobre a fotografia de uma casa de um ricaço, um pano vermelho, garrafas de aguardente meio vazias, cravos vermelhos e pontas de cigarro, tudo disposto em círculo. Os restos destes rituais, ditos de bruxaria, foram encontrados no cemitério de uma povoação vizinha de Oliveira de Azemeis. Num outro local do mesmo cemitério, deparou-se um quadro idêntico, mas em vez da galinha, havia um prato metálico cheio de restos de comida. A população quando soube do achado incomodou-se. O coveiro, que nunca teve receio do convívio com os mortos, e que por vezes ia lá a nossa casa fazer uns biscates, passou a dizer que dava consigo a olhar em volta, com a sensação de estar a ser observado.
Foi de manhã que uma senhora encontrou os vestígios desses estranhos rituais, tendo alertado a Junta de Freguesia que, juntamente com a GNR, fez o levantamento dos objetos. O cemitério fica afastado da aldeia e há mesmo dias em que não vai lá ninguém. O coveiro, que por vezes também fazia serviços de agricultura lá em nossa casa, só comparecia no cemitério quando era necessário abrir algum coval ou proceder a uma exumação.
Recordamo-nos que o caseiro, homem duro, mas um pouco dado a certo tipo de enredos como vimos, comentou que as pessoas que fizeram este serviço não podem ter sido de muito longe, porque sabiam que o portão está apenas no trinco. Na realidade, o portão ficava fechado apenas no trinco. Antigamente, terá havido umas duas ou três chaves que ficavam à guarda de determinadas pessoas, entre as quais o dono da taberna próxima. Quando era necessário, as visitas iam-nas buscar. Só que depois esqueciam-se de as entregar e quando eram necessárias não se encontravam. Numa altura, foi mesmo preciso rebentar o cadeado para se fazer um funeral e daí para cá o portão fica apenas no trinco.
Mas o bruxedo também era bom por vezes para causar prejuízos importantes. Foi o que aconteceu num pinhal da Burinhosa-Pataias, pertencente ao falecido Luís Ribeiro Santos, algum tempo depois da II Guerra, ao assumiram consequências graves, decorrentes de um incêndio.
O caso aconteceu no mês de Julho de 1948, e foi investigado pela polícia florestal, com resultado inconclusivo. Dias antes terá havido uma situação idêntica, mas que não teve consequências tão graves, como recorda o seu neto António Manuel Santos Baptista. No local onde começou o incêndio, foram encontrados objetos usualmente ligados à prática de magia negra e bruxaria. Velas brancas e pretas, bonecas com alfinetes espetados, carne que se julga ser de aves e garrafas. Os vizinhos e o proprietário, suspeitaram que o incêndio tenha sido provocado pelas velas que foram deixadas a arder no pinhal e terão pegado à vegetação.
É o medo do desconhecido aliado à insegurança da vida que geram nos homens crenças e supersticiões. As superstições têm origem no início da civilização e só com ela deverão finar-se. Fazem parte da própria essência intelectual e não há momento na história do mundo em que elas não estejam presentes. Fazem parte de muitos actos da vida do homem, seja do mais rude ao mais instruído, o cientista, o escritor, o artista ou mesmo o padre. São geralmente de carater defensivo, para evitar um mal ou algo não desejado. Os amuletos, transformados em adornos e jóias, são sinais exteriores das superstições. São objectos de defesa, ao qual se atribui a virtude de afastar malefícios e trazer boa sorte, como a figa, um olho, um búzio ou um trevo.
O talismã tem a mesma finalidade do amuleto, mas é feito especialmente para determinada pessoa, e só a ela irá defender.
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