segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ALCOBACENSES NA REVOLUÇÃO (PREC)-1975




-ARMAS (G3) DISTRIBUIDAS NOS MONTES
-AINDA RIO MAIOR
-ASSALTO E DESTRUIÇÃO DA SEDE DO PC (Alcobaça)
-DE QUE É QUE ESTÃO À ESPERA?
-DEPOIMENTOS DE COMUNISTAS E NÂO SÓ

Em pleno movimento contestatário de Rio Maior, soube-se que estava previsto que, dos lados do Bombarral, viesse um grupo de populares armados com caçadeiras e outras armas de origem desconhecida para apoiar os camaradas de Leiria, que estavam em apuros, cercados por populares. Quando o grupo chegou a Rio Maior, foi detido nas barricadas, cujos elementos apreenderam cerca de 18 armas que, tal como os portadores foram entregues, no posto local da GNR, não sem antes terem levado um bom par de democráticos tabefes e açoites no lombo.
Perante este incidente, os manifestantes excitaram-se ainda mais, pelo que teve de ser solicitada a intervenção do Quartel de Caldas, na perspectiva de repor alguma ordem, que fez deslocar ao local o próprio comandante o Ten. Cor. Viegas Vaz, na companhia de mais dois militares, conduzidos num Land Rover, pelo fiel 70 que sempre que tinha oportunidade, gostava de estar presente nos momentos quentes. O comandante, quando chegou a Rio Maior, encontrou militares de outras unidades, que desmotivados e sem comando, tentavam controlar as entradas na vila, de modo a impedir mais conflitos. Subiu para cima de uma carrinha de caixa aberta e ordenou aos manifestantes que debandassem, pois se não o fizessem, ainda teria de mandar activar uma morteirada.

O PC assegura que nunca distribuiu armas aos seus militantes. Alguns factos ocorridos durante o PREC, desmentem esta afirmação, que não é apenas fruto de vox populi. Vejamos um curioso acontecimento ocorrido nos Montes, onde os nomes dos intervenientes, não serão referidos, mas para bom entendedor…, bem os de Alcobaça, aquando dos incidentes com a sede do PC e outros, como vimos.
Numa daquelas noites quentes do verão de 1975, cerca das três horas da manhã, M (…), residente nos Montes, ao chegar próximo de casa do pai, ouviu vozes vindas do interior duma adega próxima. Aproximou-se e escondeu-se numa travessa lateral, ficando à escuta. Apercebeu-se que dentro estavam umas quatro pessoas, reconhecendo pela voz, dois de Montes, L (…) e R (…), conhecidos activistas muito ligados ao PC e apenas um de Alcobaça, o controleiro C (…). No desenrolar da conversa, num tom de sussurro, constatou que se tratava duma entrega de armas por parte dos indivíduos de Alcobaça aos de Montes, ao que estes diziam que (…) cinco chegam, não são necessárias mais, com cinco tomamos conta da situação, dá para controlar isto. Eles não valem nada.
M (…) que estava à escuta do lado de fora, esperou que o grupo se se separasse e fosse embora e pensou para si que, tenho que ver que armas são essas, que estão em tão boas mãos.
Por acaso, como conhecia bem os cantos à casa, neste caso à adega, por se dar bem com o dono L (…), resolveu entrar. Acontece que apesar de existir uma pequena porta lateral, com truque, mas o qual o próprio dono lhe tinha ensinado, o principal problema era o cão, que se encontrava ali preso e que não parava de ladrar. M (…) abriu a porta, entrou sorrateiramente e como reconhecia o interior, mesmo às escuras, julgou saber que as armas estariam escondidas debaixo de uns tonéis. Pé ante pé, para não acordar ninguém, nem excitar o cão, que aliás o conhecia, apalpou e não se enganou, lá se encontrava um embrulho de pano com as armas de guerra. Como tinha sido militar, percebeu que se tratavam de espingardas G3, de facto as cinco. O seu primeiro pensamento foi de levar as armas, mas pensou melhor e refletindo achou que isso seria imprudente. Conhecendo as armas como a palma da mão, decidiu, desmontar uma a uma e mesmo às escuras, retirou-lhes o percutor. Voltou a montar as armas, colocou-as no embrulho, meteu os percutores no bolso e saiu sem fazer barulho, apenas o cão deu por ele com um ou dois latidos de despedida. Estas armas nunca foram utilizadas, e os percutores ainda hoje, trinta e cinco anos passados, se encontram na posse de M (…), que se ri do golpe de mestre que executou e que as vítimas possivelmente nunca perceberam.
E que conta aqui pela primeira vez!

Eu próprio testemunhei, diz o vendedor de uma casa comercial de Coimbra, Aniceto Barbosa, que num café de estrada, ao lado da EN 1, depois da Batalha e antes de chegar a S. Jorge, um cliente assomou ao balcão, pediu uma cerveja e uma sande mista e meteu conversa com o empregado, perguntando se a sede do PC, em Alcobaça, ainda estava inteira. Como o empregado respondesse que supunha que sim, o cliente disse que vivia em Lisboa, mas era natural de Aljubarrota, pelo que achava que era uma vergonha ainda nada ter sido feito, pelo que o empregado lá teve que retorquir que supunha que em Alcobaça já estavam a pensar no assunto. E estavam.
A cronologia dos acontecimentos da segunda-feira, dia 21 de Julho de 1975, em Alcobaça, tem sido descrita por vários intervenientes de ambos os lados da barricada, aliás de maneira diversa e por Mário Vazão, numa reportagem que O Alcoa publicou e que ainda serve de modelo. Vazão sobre este assunto disse que esse dia longínquo marcou qualquer um e no caso do jornalista, mesmo amador, são coisas que não se esquecem. Sentimos que estávamos a presenciar a História e a escreve-la para as gerações vindouras.
A sirene dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça tocou numa espécie de senha às 11h40m. Isto tinha sido debatido em várias reuniões, nomeadamente no Casal Velho, e noutra realizada na sede de Alcobaça do PPD. Estiveram presentes nesta, entre outros, Firmino Franco, Lino Catarino, Miguel Damásio, Casimiro Guerra, Fleming de Oliveira, Carvalho Lino, este que fazia parte da CA da Câmara. A iniciativa não foi do PPD, mas algumas pessoas do partido estavam ao corrente do que se passava. Silva Carvalho, membro da Comissão Política, sobre este assunto não tinha informação, ao contrário de Sapinho que estava ao corrente, mas que como Constituinte, salvaguardou-se, não participou em reuniões e no dia ausentou-se, prudentemente (segundo alguns), ao que se disse, para o Sabugal. Depois do almoço, no centro da Vila, na Praça D. Afonso Henriques e arredores, estava uma multidão contida de mais de duas mil pessoas, que só ainda não tomara de assalto a sede do PC, por estar guardada por militares, que foram chamados de Leiria para a defender. Alguns populares de Montes e Alfeizerão subiram para cima de alguns carros militares. Havia receio das consequências de uma acção pois, no rés-do-chão, encontrava-se instalada a Farmácia Campeão, aonde havia produtos inflamáveis ou até explosivos. Houve pessoas que garantiram, como Piedade Neto, que foram vistas armas a entrar no prédio, passando por cima do telhado, embrulhadas em panos, apesar de as coronhas terem ficado à mostra. Esta afirmação veio mais tarde a ser expressamente e publicamente desmentida por Rui Baltasar, num programa da Rádio Cister.
O propósito de assaltar a sede do PC não era especialmente novo, original nem resultou de um impulso de momento. Na opinião de Vazão, pouco coincidente com outras, apenas ocorreu no Salão Nobre da Câmara já depois de eu lá estar e com o José Pinto junto a mim como se eu fosse um super-homem. Um elemento do PS disse mais ou menos isto: consta que na sede do PC têm armas. Vamos assaltá-la para se saber se é verdade.
Dois rapazotes conseguiram, a meio da tarde e socorrendo-se de uma corda, trepar pelas traseiras do prédio, a partir da Praça da República e retiraram a bandeira da foice e do martelo, perante aplausos vibrantes. Um militar que entretanto entrou na sede do PC, veio à janela mostrar duas armas e dizer que, com esta, são cinco as já apreendidas.
José Póvoa, Firmino Franco e António Malhó, deslocaram-se dos Montes para Alcobaça, onde já tinham estado de manhã frente à Câmara, quando souberam que estava eminente o ataque à sede do PC. Ao chegarem, encontraram muitos manifestantes a ladear a sede, pelo que foram abrindo caminho com dificuldade, até chegaram perto da porta. Entre eles encontrava-se Armindo de Sousa, que trabalhava numa fábrica de rações, com os seus trinta anos, e viera de Leiria com dois amigos, à procura de emoção mas que, por via de dúvidas, não esquecera uma pistola que pertencia ao pai. O local estava a ser guardado por militares, não permitindo a entrada a ninguém. O cerco à sede do PC manteve-se persistente e sem desarmar, até que uns amedrontados comunistas, que se encontravam dentro do edifício, cerca das 19h30m, saíram escoltados por militares, entraram para uma Berliet descapotável. Muitas pessoas que assistiam aos acontecimentos, comentavam à boca cheia que, eles estão mesmo a pedi-las, e esses malandros, esses filhos da p… ou eu muito me engano ainda vão te-las hoje forte e feio. Aqueles que saíram já se safaram. Vê como vão aliviados. E se lá ainda ficou alguém, não queria estar na sua pele.
José Vinagre conta que estes militares eram desajeitados, mesmo mal preparados, pois que até dispararam sob as arcadas da Praça D. Afonso Henriques, o que se revelou perigosíssimo pois, as balas, faziam ricochete e uma delas atingiu um assistente num braço que de imediato começou a sangrar. Cerca das 22h decidiu-se finalmente iniciar, o assalto à sede do PC. Desde há algum tempo, os populares vinham ganhando terreno, avançando, tendo conseguido forçar a porta que dava acesso ao primeiro andar. O primeiro, irrompeu pela escada de madeira de pinho encerado e gasto pelos anos, composta por um só lance e que dava acesso ao piso superior. Neste, existia uma porta em frente e uma outra para a direita que dava acesso à sala principal. Quando estava sensivelmente a meio da subida, a porta em frente abriu-se e daí vieram um ou dois tiros, o que o obrigou a recuar, tropeçando nos degraus. Os que se encontravam na rua, junto à entrada, foram surpreendidos pelo tiroteio, pois supunham que lá já não se encontrava ninguém. De facto, dois militantes comunistas Rui Baltazar e Américo Areias não saíram com os restantes na primeira oportunidade, ficando com dignidade a guardar a sede. Entre os sitiantes, os ânimos exaltaram-se mais, pelo que voltaram a fazer uma investida, desta vez, com vários voluntários, que foram de igual modo recebidos a tiro. Na sequência desta segunda investida, um individuo de grande estatura, residente na zona de São Jorge, encetou uma corrida pelas escadas acima, mandou um pontapé à porta em frente, onde se encontrava o atirador, e avançou dentro. José Acácio dos Santos, contou que o atirador, talvez por já não ter mais balas tentou apunhalar o intruso, com uma facada. Um outro que o precedia, ao perceber o que estava para acontecer alertou: cuidado com o filho da p…, o gajo tem uma faca. O aviso foi mesmo a tempo de se virar, agarrar o braço e desarmar o agressor. Não contendo a sua raiva, agarrou nele e atirou-o pelas escadas, entretanto já ocupadas por populares, que entre socos e pontapés, o enxotaram até à rua, onde ainda foi agredido a pontapé e arrastado até perto da montra da antiga TeleRio. Afinal, na sede do PC havia armas, ainda que só caçadeiras, pois os atacantes foram recebidos a tiro, sofrendo cinco feridos, um dos quais foi levado para o hospital. Como os militares tinham ido embora, a partir daí deixou de haver controlo da situação, pois que os gases lacrimogéneos não foram dissuasores e o recheio, começou a vir rapidamente para a rua. Duas equipas estrangeiras de televisão, uma americana e outra inglesa, filmaram os acontecimentos, cujas imagens os portugueses nunca viram. Américo Areias e Rui Baltazar que tinham ficado na sede enquanto os outros fugiram mal puderam, tiveram de ser assistidos no Hospital, pois ficaram feridos, o que justificou o seu agradecimento público no Voz de Alcobaça, aos camaradas e verdadeiros democratas, esperando voltarem breve ao seu convívio. Américo Malhó, conta que havendo um militante do PC no solo, que parecia morto, alguém saiu do meio da multidão, ajoelhou-se ao seu lado e pediu com veemência ele é meu, deixem-me acabar com ele à dentada...

Na tarde desse dia, José Vinagre, encontrava-se na Benedita a trabalhar no seu estabelecimento comercial, mas ouvindo na rádio, que estavam a ocorrer graves incidentes em Alcobaça, ali se deslocou, cheio de curiosidade. Tendo familiares e amigos nos Estados Unidos, recebeu alguns preocupados telefonemas a inquirir o que se passava. Mais vez, os emigrantes e estrangeiros sabiam o que se passava em Portugal, primeiro que os portugueses, como no tempo da outra senhora.
De madrugada, o povo alcobacense que ocupava o edifício da sua CMA, já sem a presença de José Pinto, cuja romântica intenção, no seu dizer linear, era ver todos os alcobacenses unidos, em prol do progresso da nossa terra, distribuiu um comunicado em que se destacava o propósito de destituir imediatamente a CA da Câmara maioritariamente, realizar plenários com a presença de um representante do MFA e das freguesias, para eleger um presidente e um vice-presidente, até se realizarem eleições para as autarquias locais. Este propósito, apesar de alguns desenvolvimentos a curto prazo, não teve efeitos, porque a demissão de Pinto não foi aceite e este aceitou, muito gostosamente, voltar ao lugar, de onde fora expulso pelos seus conterrâneos, como se nada de especial tivesse ocorrido…
Ele gostava muito do lugar.
No dia seguinte, de manhã, apesar da insistência do encarregado Henrique Pimenta, o pessoal da Câmara sob as suas ordens, responsável pela limpeza das ruas, não queria proceder à remoção do recheio da sede do PC, deitado à rua. De facto, na véspera tinham sido atiradas granadas de gás lacrimogéneo para dispersar a multidão, cujos efeitos ainda se faziam sentir, na medida em que ficara retido nos destroços húmidos pela água utilizada para apagar os pequenos focos de incêndio.
Sabia-se junto dos manifestantes, numa versão diferente da que parece resultar do que conta Vazão, que a senha para a ocupação da Câmara Municipal, era o toque da sirene dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, pelas 11h40. Assim aconteceu.
Estes, pressionados pelos acontecimentos, vieram a emitir um comunicado em que se refere que (…) no dia 21 de Julho, cerca das 11h40 da manhã, foi recebido no quartel um telefonema avisando que havia um incêndio numa casa, perto da Escola do Vimeiro. Como é hábito, a pessoa que atendeu (o motorista) pediu o número do telefone donde provinha o aviso, ligando para lá de seguida, a fim de obter a confirmação. Deste número ninguém atendeu. Perante a dúvida, o motorista contactou telefonicamente o Comandante (Carlos Leão da Silva, vulgo Caranquejo) para expor o caso e saber se devia ou não tocar a sirene e este, após ligação ao Vimeiro, donde lhe foi comunicado que não sabiam se efectivamente havia incêndio, mas que os sinos tinham tocado a rebate. Viria a saber-se, mais tarde que, à mesma hora, na Gafa, um grupo de pessoas começava a avançar para a Câmara (…).

Basílio Martins, que fazia já parte do Corpo dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, desconhecia obviamente a existência de qualquer senha, tomou como bom o toque da sirene e conta que depois, em Alcobaça, dizia-se que já não percebo nada disto. Quando toca a sirene, costumamos ver pessoas a caminho do quartel, para saberem o que se passa; agora, vai gente a correr para a Câmara.
Efetivamente, no tristemente célebre dia 21 de Julho de 1975, um dos sinais para o começo da invasão da Câmara Municipal foi dado, pelas 11 horas e 40 minutos, através do toque da sirene dos bombeiros. Segundo a chamada telefónica recebida no quartel, tratar-se-ia dum incêndio numa casa, perto da escola do Vimeiro. Como elemento do Corpo Activo, fiz parte da guarnição da viatura para o local, onde verificámos ter sido falso alarme.
Após o regresso do Vimeiro a Alcobaça, tomando conhecimento do que na realidade, se estava a passar, dirigiu-se aos Paços do Concelho, para observar os acontecimentos.
Mal cheguei ao primeiro andar do edifício, fui reconhecido como activista do Movimento Democrático e logo hostilizado por vários manifestantes.
Apercebendo-se do facto, e no intuito de evitar novos pretextos de conflito, alguns agentes da PSP insistiram para que subisse ao Posto, que então funcionava no terceiro andar.
Lá permaneci até a situação acalmar. Retido, não detido, num ambiente de estima e cordialidade que não esqueço e que até chegou ao ponto de o chefe fazer o favor de partilhar comigo o seu almoço.

Sobre estes acontecimentos, Artur Faria Borda escreveu, com a sua veemência habitual, no Voz de Alcobaça, de 1 de Agosto que (…), actos repulsivos, perpetrados por pessoas ignorantes ou mal intencionadas, instigadas por outras de espírito sectário e reaccionário, todas, no conjunto, dementadas pela paixão, perante a ineficiência das forças militares encarregadas de manter a ordem. (…) Não tenhamos ilusões. Dias difíceis nos esperam, pelo que se impõe a unidade de todos os portugueses, verdadeiramente interessados no progresso da nossa querida Pátria. Não é com um clima de guerra civil, que se podem superar as dificuldades. (…) Mostremos ao mundo que somos dignos de nós próprios e que saberemos construir um Portugal renovado e radioso.

Rogério Raimundo, tem uma opinião, não coincidente com a dos reaccionários.
A versão em que acredita, vem dos seus camaradas Américo Areias e Rui Baltazar que resistiram e sofreram a pancadaria dos assaltantes arruaceiros e dos agitadores contra-revolucionários que percorreram o país, bem pagos, para fomentar esta desordem, numa onda anti-comunista e para instalarem o medo juntos dos que lutavam pelos ideais da Revolução de Abril.
Já há alguns dias, havia permanência de comunistas na sede, dia e noite, para a defenderem. De acordo com Rogério Raimundo, perto da hora de almoço, o militar que comandava a defesa do Centro de Trabalho, conseguiu convencer 28 dos 30 que lá estavam, a serem evacuados numa chaimite, apesar de afirmar que nunca permitiria que alguém invadisse a sede do PCP, só por cima do meu cadáver. Afinal não houve cadáver nenhum.
O pior só se passou quando este grupo de militares foi substituído, pois o novo comandante das tropas destacado chegou, abandonou a zona de protecção e foi o descalabro.
Rui Baltazar, assume que houve alcobacenses que ocupavam lugares em instituições de Alcobaça, que foram com os agitadores até ao 2º andar e se comportaram como energúmenos.
Quer Américo Areias, quer Rui Baltazar, dizem que naqueles momentos ouviram gritar, deixem-nos morrer para aí. É o que merecem.
Américo Areias ficou ferido e teve de ser transportado ao Hospital por Carlos Carmo, actual membro da PJ. Rui Baltazar, que chegou a ser considerado como morto, mas felizmente recuperou, trabalha como empresário de panificação em Valado de Frades.
Só quando acabou o treino no CCC, é que Rogério Raimundo se deslocou a Alcobaça e viu a fogueira com os móveis e papéis da sede do PC na rua.
No dia seguinte, militantes da UDP e outros marxistas como por exemplo o MRPP, entendiam que o PC era o único culpado de ter sido atacado. Américo Areias esteve três semanas hospitalizado, tendo alta no dia do comício no Gimnodesportivo, com a presença de Álvaro Cunhal e que adiante abordaremos.
Em ar de brincadeira, Rui Baltazar dizia que feitas bem as contas tínhamos ganho 3-2, pois houve 3 feridos do lado dos arruaceiros e 2 do PCP.
Mas as contas, talvez, não estejam certas.

E o que pensa sobre estes incidentes, Timóteo de Matos, que hoje em dia pouco ou nada tem de comum, com o seu irrequieto tempo juvenil de 1974/1975, em que ainda não usava gravata?
Desde o 1º de Maio de 1975, tanto em Alcobaça como a nível nacional, extremaram-se, cada vez mais, as posições e iniciaram-se provocações verbais ou escritas e nalguns casos seguidas de agressões. É então que, no Norte se iniciou a moda os assaltos aos Centros de Trabalho do PC e quando chegou a vez de Alcobaça, já não foram necessárias lições, nem mão-de-obra alheias.
Aqui damos-lhe razão. Reuniões muitíssimo discretas prepararam, minuciosamente, o ataque que foi marcado para uma segunda-feira, dia 21 de Julho. Embora fosse de esperar, a verdade é que o à-vontade era tanto, que só faltou ter sido publicada uma convocatória nos jornais, pois não havia pessoa que desconhecesse a data e os pormenores. Também tem novamente razão.
Nesse dia, quando cheguei a Alcobaça, foi já depois do almoço. Um razoável grupo de pessoas amontoava-se em frente à sede do PCP. Por ali andei durante toda a tarde, apesar de alguns amigos, temendo o pior, me terem tentado afastar do local. Queridos e grandes amigos! Enquanto isso, lá dentro da sede, um numeroso grupo de militantes recusava-se a sair. Mas já chegava a tropa, vinda não me recordo de onde. Onde chegava a tropa, a sede ardia. E claro, os “briosos” militares conseguiram retirar da sede os seus defensores, juntamente com uma ou outra caçadeira e, de seguida só faltou abrirem a porta aos arruaceiros. Terá sido assim?
Dois militantes recusaram-se a abandonar, a sede do Partido. Dois heróis, como os classifica a história do PC, o Américo Areias e o Rui Baltazar que ainda conseguiu esconder uma velha arma dos olhos dos “aplicados e cuidadosos” militares que vasculharam toda a sede!
Retiradas as defesas, os militares lançaram uma ou duas granadas de gás lacrimogéneo e fizeram meia dúzia de disparos para o ar, para justificar a presença.
Deram, então, os militares a guerra por ganha e ala para o quartel que se faz tarde e quem cá ficar que se avenha, pelo que os arruaceiros viram o campo livre e toca de avançar. Daí a arrombarem a porta e subirem a escadaria foi um passo. Tentou travá-los o digno Baltazar, mas a arma encravou. Depois, a turba multa deu asas à sua ira. O Américo e o Rui foram descidos a murro, a pontapé e à cacetada e desta maneira “passeados” pela Rua Alexandre Herculano e abandonados quase mortos. Foram depois levados ao hospital por almas caridosas. O Américo ainda hoje sofre de mazelas desse tempo, o que lastimamos sincera e democraticamente. Recentemente Américo Areias publicou um livro de histórias para crianças, que foi apreciado em Alcobaça.
Fartos de “molhar a sopa” nos dois desgraçados, os heróicos assaltantes voltaram a subir as escadas e, metodicamente, peça a peça, fizeram descer mobiliário e restante recheio, pelas janelas, até ao solo. Cá em baixo, outros não menos “heróicos energúmenos” fizeram a fogueira e dançaram em volta. Não sei quem foram os verdadeiros e maiores heróis desta história: se os bravos militares, se os corajosos salteadores.
Manuel Campos, que estava na rua a assistir aos acontecimentos, notou que o automóvel de Bertilde (…), um Peugeot quase novo, encontrava-se estacionado ao lado do Café Portugal, isto é, muito próximo da sede do PC. Esta era uma conhecida activista do PC, ao qual se dedicava com alma e coração, pelo que tendo receado que o veículo viesse a ser vandalizado, foi à procura do cunhado João Fragata, e ambos o retiraram, colocando-o a recato.
Na Vestiaria, perto da residência de Campo, vivia uma família, cujo filho era conhecido pela sua intensa militância no PC, enquanto que os pais não revelavam a inclinação. Como nesse dia o rapaz estivesse bastante atrasado em termos de hora de entrada em casa, a mãe sabendo da existência de problemas em Alcobaça e receando por ele, muniu-se de uma grande faca de cozinha e saiu à sua procura, disposta a fazer justiça pelas suas mãos, caso lhe tivesse acontecido algum coisa de mal.
Alcobaça, na sua quase totalidade, consentiu tacitamente na operação e em grande parte ainda se congratulo, aplaudiu-a.
Após o assalto, alguns militantes do PC saíram das suas terras e mantiveram-se noutras localidades, para evitarem vinganças e perseguições. A Comissão Concelhia passou a reunir em Valado de Frades, até à reabertura da sede, vários meses depois. Por mim, conclui Timóteo de Matos, achei que tinha o dever de continuar, dadas as circunstâncias, e assim o fiz.
Mas sempre reservando se ao direito de criticar e discordar. Afinal, estamos num País livre…

António Maduro, cristão e militante do PS, proferiu um depoimento de solidariedade em O Alcoa, eivado dos melhores e mais nobres princípios, salientando que foi com profunda tristeza que vivi os últimos acontecimentos de Alcobaça. Sim, com muita tristeza pois vi no rosto de irmãos o ódio, o desejo de destruir, de matar. Como é possível, Deus meu, a nossa boa gente cristã deixar-se conduzir por processos tão violentos? (…).

FLEMING DE OLIVEIRA


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