quinta-feira, 6 de outubro de 2011

-O SECA-ADEGAS ESCREVE NAS PAREDES DE ALCOBAÇA MORRA SALAZAR -A OPOSIÇÃO CANTA RIMAS IRREVERENTES (1968)

FLEMING DE OLIVEIRA

Por alturas do verão de 1968, um indivíduo dos arredores de Alcobaça, com fama e proveito de grande bebedor de copos de branco, tinto ou bagaço, conhecido no meio como o Seca-Adegas, mas cujo nome de baptismo não conseguimos apurar, foi segundo Tempero encontrado a escrever numa parede junto à Câmara Municipal a seguinte expressão: Morra Salazar não faz falta à nação. Detido imediatamente pelo pressuroso Agente Antunes, (já falecido, mas de quem muita gente se lembra), foi levado para o Posto da PSP, aliás no último piso do edifício da Câmara, para ser interrogado se necessário maciamente sobre o sentido daquele grafiti.
O Comandante do Posto, deteve-o umas horas e depois interrogou-o, acusando-o de ter escrito umas coisas muito graves, feias e erradas a dizer mal do Senhor Presidente que, lá por estar doente…. (Salazar tinha acabado de cair da cadeira e fora substituido por Marcelo Caetano). O Seca-Adegas que geralmente etilizado, não era todavia tolo de todo, respondeu que quando estava com os copos, escrevia qualquer merda !!!. O Agente Antunes, levou-o então ao local do crime. Aí o Seca-Adegas, percebendo o risco que corria, respondeu que não teve tempo de fazer a pontuação correcta, pois o que ele queria escrever, seria apenas:
Morra Salazar? Não! Faz falta à nação.
Perante isto, o homem foi libertado, mas avisado que tão cedo não se metesse noutra, sobe pena de levar uns safanões.
Salazar já não mandava, iniciava-se um outro ciclo, o que levava também a oposição e ensaiar iniciativas ou comportamentos, doutro modo impensáveis. Segundo recorda um amigo, ligado à oposição demo-republicana, num jantar da oposição de Alcobaça, por alturas de Setembro ou Outubro de 1968, foram cantadas ou declamadas as seguintes rimas, por alguns mais irreverentes:
Um dia em Jerusalém,//Alguém por bem,//Ao mundo veio dar luz,//Foi ela a Virgem Maria,//Que numa gruta paria //O Salvador Bom Jesus.//Também um dia,// Em Tondela, //Outra santa, como ela,//Que foi santa em Comba Dão,// Essa pariu numa gruta,//O maior filho da p…//Que veio lixar a nação.

O telejornal, ou melhor, a informação da RTP passou praticamente ao lado de dois acontecimentos da maior repercussão internacional, em 1968. O Maio de Paris, onde o levantamento estudantil deixou a França quase em estado de sítio, em profunda agitação, o que levou De Gaulle a precaver-se, e que lançou sementes que germinariam por toda a Europa. Em Praga, uma breve esperança de Primavera morreu no mês de Agosto, frente às forças do Pacto de Varsóvia. No pequeno cenário interno, um acontecimento imprevisto viria a influenciar de modo determinante a vida do País. A 7 de Setembro, foi noticiado o acidente de Salazar, depois a operação a que foi sujeito, no Hospital da Cruz Vermelha, bem como o cortejo de personalidades que passavam pelo átrio do hospital e que lá se queriam fazer mostrar, tal como as respectivas declarações. Finalmente, quando já parecia não ser de esperar (de acordo com os optimistas mais duros) a recaídado Chefe, a passagem a um estado muito grave, obrigou ao seu afastamento das responsabilidades governativas. Os portugueses perceberam que se estava perante o fecho de um ciclo. Puderam confirmá-lo ao verem pela RTP, o Alm. Américo Tomás exonerar Oliveira Salazar e nomear para o seu lugar o Prof. Marcelo Caetano. Salazar havia-se deixado aprisionar pela sua rede e sede de poder, que segundo os oftalmologistas (?) é … uma doença que cega as vítimas e deita a perder mesmo os mais fortes. Glosando Montesquieu, o caso de Salazar confirma bem que na política não basta confiar na virtude dos homens, mas deveríamos estar descansados com a bondade das instituições (e solidez?). Ora no Portugal que Salazar construiu, não aconteceu nem uma coisa nem outra.

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