segunda-feira, 17 de outubro de 2011
CULTURA, TURISMO CULTURAL E ECONOMIA. MOZART, LORCA E CHOPIN.
FLEMING DE OLIVEIRA
(II)
Valdemossa, povoação situada em plena serra e a cerca de 20 km da cidade de Palma de Maiorca, tem um clima muito temperado e considerado saudável. A fama da localidade, ultrapassou fronteiras a partir do século XIX, quando acolheu personagens como o Arquiduque Luís Salvador, de Habsburg, e muito especialmente a romântica estadia no Convento da Cartuxa, de Frederico Chopin, e George Sand, no inverno de 1838-1839.
Vamos contar em poucas palavras a história desta estadia em Valdemossa, a qual marcou a localidade para sempre. Após uma curta passagem por Palma, o músico e compositor polaco Frederico Chopin (o Príncipe dos Pianistas) de 28 anos e de frágil saúde, pois viria a falecer prematuramente tísico, e a escritora francesa Aurore Dupin ou Dudevant, de 34, que para a História ficou mais conhecida pelo pseudónimo George Sand, e que era talvez a mulher de maior notoriedade do continente europeu, chegaram ao Convento da Cartuxa, a 15 de Dezembro de 1838, para passarem o Inverno e aquele tentar recuperar da saúde. Na Primavera desse ano, o par havia iniciado um idílio intenso, que iria durar dez anos, sendo a etapa vivida na Cartuxa, até Fevereiro de 1839, um dos episódios mais famosos da sua relação, evocada pela escritora na sua obra Um Inverno em Maiorca. Antes de ir para Valdemossa, o casal residiu numa casa simples, perto de Palma. Rumores que Chopin estava com tuberculose, pois por vezes cuspia sangue, levaram que o senhorio os obrigasse a desocupar a casa. Ajudado pelo cônsul francês, o casal foi procurar refúgio no convento abandonado da Cartuxa, habitado apenas pelo sacristão, um farmacêutico e um operário. Quando se instalaram em Valdemossa, os monges haviam abandonado a Cartuxa há três anos, por força da Lei da Desamortização dos Bens da Igreja, processo com algumas semelhanças com o que ocorreu, pela mesma altura, em Portugal. Na referida obra, George Sand faz muitas alusões a Valdemossa tal como Chopin, na sua correspondência particular. Durante esse Inverno, o par não deixou de trabalhar bastante. Diz a lenda que num dia de mau tempo, Chopin ouviu a chuva gotejar sobre a cama, o que levou a compor a Gota de Água.
Chopin, figura típica do romantismo, compositor e virtuoso do piano, delicado e sonhador, reunia as características que o aliavam à poética melancolia dos noturnos. Evitado pelos habitantes da terra, que não subscreviam algumas atitudes alegadamente licenciosas de Sand, na sua condição de fumadora e fama de rebelde sexual (quando Chopin conheceu George Sand, em 1836 em Paris, referindo-se a ela escreveu para a família que alguma coisa nela me causa repulsa e acrescentou: Como é antipática essa Sand! Será mesmo uma mulher? Estou na dúvida!) o casal passou por tempos difíceis, mesmo longe do ambiente ferino de Paris. George Sand escreveu a novela Spiridon e a segunda versão de Lelia, enquanto Chopin compôs peças de grande força e beleza poética, como a referida Gota de Água (prelúdio em Ré Bemol Maior op. 28, nº 15). Outras peças musicais foram concebidas em Valdemossa, como a Balada op.38 e o Scherzo op. 40. Recordações de ambos, encontram-se distribuídas nas celas da Cartuxa (doravante conhecidos como aposentos Chopin-Sand), que no conjunto contêm a mais completa coleção sobre a vida e obra de F. Chopin (1810-1849) e George Sand (1804-1876). O frio, a humidade e a desconfiança dos camponeses sobre aquela ligação ilícita, e o piorar do estado de saúde de Chopin, fizeram o casal voltar a França.
Valdemossa, hoje em dia aproveita bem a pungente estadia deste famoso par, orgulhando-se e beneficiando da sua relação com a terra. Foi criado, em 1930, o Festival Internacional de Piano, de Valdemossa, o mais antigo do mundo dedicado ao compositor e aonde acorrem intérpretes consagrados, tal como artistas jovens, galardoados com o prémio do Concurso Internacional de Piano F. Chopin. Enfim a terra continua a girar comercial, turística e intensamente à volta desta passagem, muito concretamente nos recuerdos, nomes de ruas, cafés, etc..
O livro Um Inverno em Maiorca é vendido em toda a ilha, embora talvez depois colocado com indiferença numa prateleira.
Gosto de abordar o tema da Cultura, na medida em que o situo no que, na minha perspectiva, é a Alma de um Povo, o nosso Povo, o seu sentir ao longo dos séculos, o que o distingue dos demais pelas suas expressões materiais e espirituais. Os tempos parece que rolam cada vez mais rapidamente, e esta mudança que assume características diferentes, é a que constrói um povo, um País, Portugal. Os Lusíadas mostram-nos o modo de ser português e quinhentista, o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, a nossa gesta marítima, colonizadora e civilizacional que parece estar em descrença, a Baixa Pombalina lisboeta, uma nova face da arquitetura moderna e de um estilo da cidade, a Ordem de Cister, o poder de um Estado/Igreja, dentro de outro Estado. E assim por diante.
Isto é a nossa cultura, isto é ser Portugal. Destruir ou abandonar este nosso património cultural, é destruir aos poucos o sentido de unidade ou os alicerces de um Povo. Atravessa o nosso País, tal como a Europa, uma crise que não é só económico-financeira, mas onde são pedidos sacrifícios e contenção. Lastimo reconhecer, nem que seja como a clamar no deserto, que esses sacrifícios incidem muito especialmente no parente pobre do Orçamento. Esquecer ou desprezar a cultura é o equivalente a menosprezar a nossa identidade individual ou colectiva.
Todos sabemos como o turismo, que é uma das atividades que assume cada vez maior peso económico e social em países como Portugal, tem vindo a alterar a vida e os costumes de certas comunidades. Os agricultores e pescadores portugueses foram das classes sociais que mais alterações sofreram, por força do turismo. A política de betão relativamente à qual se manifesta forte ambiguidade, a dificuldade entre decidir se se deve construir muito ou pouco e aonde, no litoral ou no interior, e a dos campos de golf, eliminou rápida e definitivamente muitas terras agrícolas e comunidades piscatórias, sem que daí se possa concluir definitivamente que foi vantajoso.
As regras das economias de mercado são inexoráveis e não se compadecem com saudosismos, salvo se daí advieram proveitos sustentados.
FLEMING DE OLIVEIRA
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