FLEMING DE OLIVEIRA
Após a Restauração, 1640, D. João IV, tentou através do Pe. António Vieira, entre outros, repor Portugal na sua antiga grandeza, nomeando-o Procurador Régio e aceitando-o como homem de confiança.
Não vai demorar muito tempo que o Pe. António Vieira gize um plano de recuperação económica do País, através do incremento do comércio, que passava pela abolição das distinções entre cristãos novos e cristãos velhos, com o objetivo de se atraírem capitais de judeus expulsos no século XVI e refugiados na Europa. Esta política foi prontamente combatida pela nobreza, ciosa dos privilégios, e por ordens religiosas, como os Dominicanos, que não aceitavam a aproximação aos judeus. Os próprios jesuítas, nesta fase, também não se identificaram com Vieira, que obtivera o valimento real à margem da respectiva Ordem e as suas teorias eram aptas a concitar rancores contra ela. D. João IV, impediu o seu regresso compulsivo ao Brasil a pedido dos jesuítas, e o Pe. Vieira perante a expulsão, não concretizada, arriscava-se a ficar sujeito ao Santo Ofício. Mas a Inquisição não desistiu, continuou a persegui-lo obstinadamente, pois Vieira não abdicou de defender os cristãos novos, seja no púlpito ou em petições. Enviado pelo Rei secretamente a França e Holanda, em 1646, Vieira contactou com descendentes de comerciantes judeus, expulsos no tempo de D. Manuel, que se revelaram interessados em investir em Portugal.
Mas a Inquisição estava vigilante. Há muito, que o Pe. António Vieira escrevia em segredo sobre o V Império, inspirado por antigas profecias bíblicas, com as quais o nosso Bandarra se vai identificar e divulgar na literatura de cordel e contadores de histórias. Era, ainda e sempre, o velho sonho de devolver a Portugal à grandeza perdida. Estudando as Escrituras, os textos de Santos e Doutores da Igreja, o Pe. António Vieira convenceu-se (?) que o Imperador que Jesus havia prometido, só poderia ser português. Perdida a esperança no regresso do Encoberto, Vieira na linha da linguagem esotérica e vaga das profecias bíblicas, virou-se para D. João IV, Imperador de um V Império, temporal e espiritual, tendo Portugal como guia para se acabarem as seitas de infiéis, se reformular a cristandade e estabelecer a Paz. As teses de Vieira foram evoluindo, mas o V Império necessitaria para vingar de dispor de real poderio, só potenciado, eventualmente, por uma aliança de casamento entre o príncipe herdeiro português e a herdeira do trono de Castela. Mas Castela descrê da ideia, não esquecendo ainda o tempo em que o Pe. Vieira andara pela Europa a intrigar contra Castela, a mando de D. João IV. Perante o malogro do projeto, os inimigos do jesuíta começaram a conspirar contra ele junto de D. João IV, que acabou por não se opôr a sua partida para o Maranhão, no complemento de insistências da Companhia de Jesus. No Maranhão, o Pe. Vieira deparou com um cenário de caos moral, por parte dos colonos brancos, dissolutos e impiedosos, apenas preocupados com o enriquecimento rápido e sem regras. Os índios escravizados, viviam na maior das opressões e terror, morrendo às catadupas de doenças e maus tratos. Mas a sua intervenção viria a suscitar ódios, tanto por parte das autoridades, como dos colonos, de nada adiantando as exposições e relatórios dos abusos que presenciava e ia elaborando para Lisboa. Embora a Companhia de Jesus, no Brasil, lhe tivesse mesmo assim dado algum apoio, nada pode fazer, de prático, contra os interesses instalados. Os índios fugiam para o sertão, enquanto que de África chegavam navios carregados de negros, em quantidades inenarráveis. Assim, decidiu vir a Portugal convencer o Rei a por termo ao descalabro moral e social em que o Brasil vivia, não sem antes proferir na Catedral de S. Luís do Maranhão, o célebre Sermão de Santo António aos Peixes.
D. João IV, já doente, reconhecendo o seu sentido de justiça e carácter, decretou no qual sentido de os jesuítas passarem a ter a inteira e exclusiva jurisdição sobre os índios do Brasil. A partir daqui, as autoridades locais não tiveram mais direito de intervir na missionarização, jamais poderiam submeter os índios à escravatura. Mas os rancores dos colonos e roceiros acentuaram-se contra a Companhia de Jesus e muito especialmente contra o Pe. Vieira. Ao continuar aassistir ao desembarque em massa de escravos, na Baía, Vieira não calou o seu protesto, passando os Jesuítas a ser acusados de impedir o desenvolvimento económico do Brasil. Em meados de 1661, os colonos do Maranhão e de Belém, assaltaram instalações da Companhia de Jesus e decidiram expulsar os jesuítas para Lisboa. Quando Vieira desembarcou em Lisboa, descalço e esfarrapado, D. João IV havia falecido, sendo regente D. Luísa de Gusmão, e soube que na Inquisição dera entrada mais uma denúncia contra si. Vieira defendeu-se vigorosamente das acusações que os emissários, vindos ad-hoc do Brasil, formulavam contra os Jesuítas. D. Luísa de Gusmão ainda apoiou o Padre, e substituiu o Governador do Pará e Maranhão. As notícias que chegavam, davam conta de verdadeiras caçadas aos índios para os transformar em escravos. O Pe. Vieira, a contragosto, foi reentrando na política, conseguindo a expulsão do país do grupo que envolvia o Príncipe D. Afonso, herdeiro do trono.
Objeto de retaliação, foi desterrado para o Porto, após D. Luísa de Gusmão passar a governação do Reino ao príncipe herdeiro. Nas malhas da Inquisição, o Pe. António Vieira foi pronunciado, enviado para as instalações da Companhia de Jesus em Coimbra e negada a possibilidade de regressar ao Brasil. Novas denúncias, deram entrada na Inquisição, que o mandou recolher ao cárcere. O Pe. António Vieira continuava acusado da defesa dos Cristãos Novos e de promover teorias heréticas sobre o V Império. D. Afonso VI foi destituído, encarcerado em Sintra, no Palácio da Vila, o seu casamento anulado e substituído no trono pelo irmão D. Pedro, que casou com a cunhada. A 23 de Dezembro de 1667, o Tribunal do Santo Ofício condenou o Pe. António Vieira a ser privado para sempre de voz activa e passiva e do poder de pregar, e recluso no Colégio ou Casa de sua religião, que o Santo Ofício lhe ordenar e de onde, sem ordem sua, não sairá. Não foi mais autorizado a sair para o estrangeiro, para que não pudesse atacar a Inquisição. Anos antes, Frei Nuno Vieira, como que antecipara esta sentença ao afirmar que é preciso mandá-lo recolher e sepultá-lo para sempre. Permitiram-lhe apenas a instalação no Noviciado da Ordem, em Lisboa.
A 12 de Junho de 1668, foi libertado, mas proibido de abordar assuntos tidos por heréticos, como os relacionados com cristãos-novos, profecias bandarristas, V Império ou a Inquisição. Já não era tão bem recebido na Corte, pois D. Pedro III, agora Rei, pendia para os Dominicanos. A Companhia de Jesus enviou-o a Roma para obter a anulação da sentença do Santo Ofício. O Papa mostrou-se interessado, receptivo, pelo que o seu processo foi reanalisado. Os revisores admiraram-se sobre como foi possível condenar quem outrossim merecia ser louvado. O Papa, num Breve, isentou o Pe. António Vieira, perpetuamente, da jurisdição inquisitorial, podendo pregar sobre o que quisesse, ficando apenas sujeito às regras da Ordem. O Papa ordenou a suspensão dos Autos-de-Fé em Portugal, suspensão aliás de curta duração. Ao sair de Roma, a caminho de Portugal, sentia que vencera a contenda com o Santo Ofício. A partir do Breve, a Inquisição, a censura, não poderão Omais atingi-lo.
FLEMING DE OLIVEIRA
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