-Um transmontano seco, áspero e telúrico.
-Um beirão de Terras do Demo, com lugar no Panteão Nacional.
-Ferreira de Castro, Alves Redol, Os homens que nunca foram meninos,
Vitorino Nemésio, Fernando Namora e mais algumas estrelas das letras
nacionais.
-Bento de Jesus Caraça e o ISCEF.
Fleming de OLiveira
(II)
O Estado Novo provocou o surgimento de uma literatura combativa, de intervenção, comprometida com a vida, com a brutalidade, com a censura, que a tentou na medida do possível abafar.
Mas as ideias só podem ser abafadas com outras ideias.
Apesar da censura não se aplicar previamente, aos livros, estes eram apreendidos, retirados do mercado e os seus autores ou editores sujeitos penalizações. Foi o que aconteceu com Aquilino Ribeiro, um beirão de Terras do Demo, tão manso quanto bárbaro, terno quanto feroz, fradesco, libertário e citadino, no dizer de Urbano Rodrigues. Quando os Lobos Uivam é uma obra de ficção, saída a público em fins de 1958, que aborda cruamente alguns aspectos do sistema jurídico-político do Estado Novo, duma forma que este nada apreciou. O Regime considerou o livro injurioso para com as instituições e a autoridade, concretamente a PIDE e os Tribunais, movendo-lhe um processo-crime, enquadrado no D.L. nº 12008, de 29.07.26, que punia os pretensos crimes de abuso de imprensa.
O processo foi distribuído ao 3º Juízo Criminal de Lisboa, após ter vindo da PJ. O M.P. acusou Aquilino Ribeiro, que se auto-considerava um obreiro das letras, de crimes contra o bom nome de Portugal, de fazer a apologia de actos contra a segurança do Estado, de injúrias, de ofensa à honra de agentes de autoridade e de abuso de liberdade de imprensa.
A defesa de Aquilino suscitou, até ao limite, a questão do funcionamento do sistema judicial do Regime, considerando a acusação uma questão meramente política. Em Portugal, correu um abaixo-assinado subscrito por cerca de 300 intelectuais, a reclamar o arquivamento do processo. Em França, onde Aquilino era o escritor português mais referenciado da época, François Mauriac, também escreveu em sua defesa. Em ambos os casos sem sucesso.
Por essa altura, sem se intimidar, Aquilino ainda declarou numa entrevista que eu sou um pouco como os velhos robles de cerne revesso. Não consinto machadada. A machadada salta muitas vezes na mão de quem a maneja contra tais árvores.
Assim, com 74 anos de idade, Aquilino Ribeiro viu-se em 1959 na barra do Tribunal Criminal Plenário de Lisboa, acusado de delito de opinião. O argumento da acusação decorria do argumento que a censura terá somente por fim impedir a subversão da opinião pública e deverá ser exercida por forma a defende-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum!!!
Para o Advogado de Aquilino Ribeiro, Heliodoro Salgado, mais do que provar umas pretensas ofensas a tais e tais pessoas ou denunciar um ataque a certa estrutura política, o que parece procurar-se é coarctar o direito de um escritor fazer qualquer obra de ficção em que por transposição imaginativa tome posição acerca dos problemas que respeitem ao meio em que está integrado. Quer dizer, pretende-se relegar o artista à situação de simples escrevinhador de histórias, que não têm outra função senão a de divertir o bom burguês satisfeito com a vida e com o mundo. Acabar-se-á de uma vez para sempre com a liberdade de pensar, e ninguém pense mais em emitir juízos quanto à sociedade em que vive, passando todas as estruturas a ser inatacavelmente perfeitas, e nelas tudo correndo panglossicamente pelo melhor. Seria o último estádio de um lento processo com fim de esmagar toda e qualquer manifestação de inteligência, de aniquilar o indivíduo como ser pensante e de o acorrentar bovino e passivo ao arado de que o Poder segura a rabiça. A obra literária, tornada meio de embrutecimento e de nirvanação, iria caindo aos poucos num formalismo académico, num anedotário para bacocos, todas as formas destituídas, a preceito, de conteúdo. E adeus literatura, adeus cultura, adeus personalidade nacional!
A advocacia nos Tribunais Criminais Plenários era difícil e perigos, como veremos com este caso exemplar. Poder-se-ia falar de muitos, mas o que implicou o Dr. Manuel João da Palma Carlos, teve especial repercussão, que até hoje não esquecemos. Ouvimos falar dele, pela primeira vez, ainda estudante liceal, através do distinto Advogado portuense, Dr. Eduardo Ralha.
Palma Carlos defendia no Tribunal Criminal Plenário de Lisboa, alguns acusados, que aliás se encontravam em cumprimento de penas, salvo Humberto Lopes, em liberdade sob caução, agora acusados de pertencerem a uma célula comunista, a funcionar dentro do Forte/Prisão de Peniche.
Após a leitura da sentença, Palma Carlos requereu que o seu constituinte Humberto Lopes continuasse em liberdade e, como o tribunal o indeferiu, pretendeu ditar para acta no sentido de ser explicitada a razão do indeferimento e supostamente alicerçada na pretensa perigosidade do réu. A verdade é que, tanto para o M.P., como para os juízes (Desembargadores), nada mais havia a explicar, a acrescentar, o requerimento não tinha pertinência e, em consequência, nem iria ficar registado em acta.
Palma Carlos, além de muitíssimo meritório (veio depois do 25 de Abril a ser Embaixador de Portugal em Cuba e Procurador Geral da República), era também um Advogado corajoso, afirmou em alto e bom som que podem V. Exªs julgar como lhes apetecer, com prova ou sem prova, mas o que não podem é deixar de consignar na acta, o que na audiência se passa.
O juiz-presidente, tal como os demais (asas) do colectivo, considerou gravemente impróprias, ofensivas, essas palavras pelo que logo instaurou ao Advogado um processo sumaríssimo, para ser imediatamente julgado, como aconteceu. No Estado Novo e nos Tribunais Plenários, era admissível (possível) passar, sem transição, de advogado (ou mesmo de testemunha) a réu!!!, assistir a decidir com total arbitrariedade, ver eliminado da acta o que não fosse conveniente, mandar expulsar e recolher aos calabouços os réus que pretendessem exprimir-se com alguma liberdade. O tribunal considerando ofensivas as expressões do Advogado Palma Carlos condenou-o, apenas, a sete meses de prisão, a igual período de multa a 40$00 por dia e… a um ano de proibição do exercício da advocacia, contado este após cumprida a pena de prisão. Em recurso, que subiu directamente ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), veio a decisão a ser parcialmente revogada, no referente à pena de prisão, bem como à proibição do exercício da advocacia. A pena de multa manteve-se, todavia, pelo que Palma Carlos tendo-se recusado a pagá-la, preferindo cumprir a pena de prisão, veio a ser suportada pela Ordem dos Advogados (OA), que lhe manifestou apoio e solidariedade.
No princípio do século XX, Aquilino foi para Lisboa, onde conviveu com os meios revolucionários radicais, violentos e colaborou em publicações. No seu primeiro livro, A Filha do Jardineiro, atacou fortemente o Rei D. Carlos I. Esta obra, que se diz ter sido financiada por Alfredo Costa, um dos regicidas, apareceu sob o pseudónimo de Miriel Mirra. Entrou para a Loja Montanha, do Grande Oriente Lusitano, a convite de Luz de Almeida. Consta também que entrou para Carbonária, para a choça, de que faziam parte os bons primos (Les Bons Cousins Charbonniers) Alfredo Costa e Manuel dos Reis Buíça, ex-sargento de cavalaria, que fora expulso do Exército, por brutalidades sobre alunos do Colégio Nacional, onde foi professor de Almada Negreiros, bem como sobre subordinados e conspirou no Café Gelo, em Lisboa. A título de parêntesis, se dirá que a Carbonária teve origem nas sociedades dos Bons Cousins Charbonniers, lenhadores e carvoeiros franceses, organizados ao jeito de confrarias e guildas de ofícios medievais, cujo patrono era S. Teobaldo, aliás muito anteriores ao fenómeno franco-italiano do carbonarismo de oitocentos. Recorde-se que, no período final da Monarquia, embora muitas vozes se tivessem erguido contra a censura, talvez não tenha havido período semelhante da nossa história, aonda a imprensa publicasse tantos ataques (por vezes totalmente despudorados) ao Rei ou ao Governo, em moldes que hoje se considerariam inaceitáveis, mas que nomeadamente através da caricatura, tiveram forte impacto em certas camadas populacionais.
Ainda nesse mesmo ano, Aquilino foi preso como anarquista na sequência de uma explosão de uma bomba no seu quarto, na Rua do Carrião, a 28 de Novembro, em Lisboa, na qual morreram dois carbonários.
Todavia, em 12 de Janeiro de 1908 conseguiu evadir-se da prisão (com a cumplicidade de um guarda seu conterrâneo?) e durante a clandestinidade em Lisboa, manteve contactos com os regicidas, refugiado numa casa de Meira e Sousa, na Rua Nova do Almada, em frente do Tribunal da Boa Hora.
Foi aí que, segundo alguns biógrafos lhe terá aparecido Alfredo Costa, o principal responsável pela parte operacional do atentado, na manhã de 1 de Fevereiro, a participar que estava decidido a matar o Rei. De facto, ocorreu o atentado nesse dia, tendo Aquilino Ribeiro sido avistado com um revólver no Largo do Corpo Santo, segundo umas testemunhas, no Terreiro do Paço segundo outras, facto que o irá marcar até ao fim. Ao fim de pouco tempo, Aquilino teve de fugir para Paris. Pedida a sua extradição, o Presidente francês Clemenceau não a concedeu. Em Paris, continuou a frequentar os meios radicais conhecendo, entre outros, o exilado Lenine.
Aquilino Ribeiro definiu, todavia, o Manuel Buiça ao arrepio da imagem que lhe era atribuída, como galante, franco, liberal, corajoso, blasonador, incoerente muitas vezes, parlapatão mais de uma, sem equilíbrio na vida, sem disciplina moral.
Não terá sido o regicídio que determinou a queda da Monarquia Portuguesa, mas parece ser consensual que a precipitou. A Monarquia estava condenada, não tinha quem se dispuzesse a lutar por ela (Portugal era uma monarquia sem monárquicos…), o seu fim era uma mera questão de tempo. A crise político-social era mais que evidente e o governo de João Franco, concitava tanto os ódios de partidos monárquicos, como republicanos. A eliminação física de dirigentes políticos tinha assumido contornos de pouca originalidade e pudor.
Aquilino Ribeiro entrou para a Biblioteca Nacional, em Lisboa, em 1919, a convite de Raul Proença, aonde também de acordo com alguns biógrafos, foi procurado para lhe mostrarem uma Acta do Regicídio.
Participou na fracassada revolta de 7 de Fevereiro de 1927, contra a Ditadura, o que o levou de novo a ter de se exilar em Paris, regressando no fim do ano clandestinamente a Portugal, para se envolver noutra intentona fracassada, a Revolta de Pinhel, pela qual acabou por ser preso, embora se tenha evadido de Viseu, para se refugiar de novo em Paris, após ter atravessado a Espanha praticamente a pé, num tipo de aventura muito a seu gosto. Em Lisboa, veio a ser julgado à revelia em Tribunal Militar, e condenado.
No ano seguinte, casou em Paris pela segunda vez, era viúvo, com uma das muitas filhas de Bernardino Machado, o desiludido Presidente, desterrado de uma República, à qual permaneceria todavia fiel, e que vivia na Galiza. Aquilino, fundou em 1956, de que foi Presidente, a Sociedade Portuguesa de Escritores. Data de 1958 Quando os Lobos Uivam, obra de grande impacto no Regime, contemporânea da candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República.
Romancista prestigiado, foi proposto para o Prémio Nobel da Literatura por Francisco Vieira de Almeida, José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Abel Manta, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira, entre muitos outros. Segundo escreveu Sofia Mello Breyner, num apontamento cujo sentido nunca chegamos a compreender devidamente, e tendo em conta que a sua família dispõe de documentação sobre o regicídio, não foi considerado elegível porque a sociedade não dá Prémios Nobel a assassinos.
No início de 1960, foram propostos dois dos mais conhecidos escritores portugueses do seu tempo, para a atribuição do Prémio Nobel da Literatura. Como referimos supra, Aquarone, Professor da Uiversidade de Montpellier adiantava o nome de Miguel Torga, enquanto que Francisco Vieira de Almeida e outros lançavam a candidatura de Aquilino Ribeiro. Embora não fosse nenhum destes autores, representante das mais modernas tendências das letras nacionais, eram todavia figuras bastante respeitadas e conhecidas em sectores literários nacionais e internacionais. Há quarenta e muitos anos, havia a esperança de, finalmente, poder ser reparada uma antiga injustiça, pois a literatura de língua portuguesa, nunca vira consagrada tão importante distinção. Estas duas candidaturas, vindas de setores (políticos) diferentes, acarretaram algum confronto entre os respetivos apoiantes. À candidatura de Aquilino Ribeiro foi atribuída uma conotação política, este que acabara de publicar o polémico romance Quando os Lobos Uivam, recebido com desagrado pela Magistratura e pelo Regime, dado pretender transmitir a ideia que espoliação dos baldios comunitários, em prol dos grandes interesses económicos, tinha sido feita tanto com o acordo dos juízes, como do poder politico.
O Governo e a Pide tentaram aproveitar a agitação que surgiu em torno das duas candidaturas, até finalmente se sanar o conflito.
Até lá, os apoiantes de ambas as partes chegaram a utilizar argumentos, que o próprio Regime, não apreciou, muito concretamente um violento artigo de Montezuma de Carvalho, que a propósito de Torga escreveu que, fica-lhe bem o Prémio de uma Associação Comercial do Porto ou de uma Casa de Trás-os-Montes ou da Academia das Ciências. Mas o Nobel que, apesar de todos os erros, é o prémio que aspira galardoar o melhor, de forma alguma o merece e, muito menos merece ser candidato. Em apoio de Torga que, com este e outros ataques ficou incomodado, saíram à liça a Sociedade Portuguesa de Escritores (que apesar disso se quis manter equidistante), a Associação Académica de Coimbra, bem como escritores e homens de cultura nacionais e estrangeiros.
Aquilino Ribeiro morreu no dia 27 de Maio de 1963. Nessa mesma hora, a Censura apressou-se a comunicar aos jornais que não seria permitido falar das homenagens que lhe estavam a ser prestadas.
A linguagem de Aquilino Ribeiro, caracteriza-se por uma excepcional riqueza lexicológica e pelo uso de uma linguagem de matriz popular, plena de provincianismos, o que nem sempre a torna acessível. Óscar Lopes escreveu que Aquilino só pode ser lido com um dicionário na mão, pois há fuga ao termo e ao giro frásico, que não evita que se não estivermos divorciados do povo rural, meçamos o alcance do vocabulário. Aquilino foi um estilista e, por isso, a linguagem vernácula, sem estrangeirismos, e arejada, é frequentemente condimentada com expressões que oscilam entre o grotesco e a sátira. Apesar de ter optado por uma literatura de tradição, Aquilino Ribeiro procurou ao longo da sua vida uma renovação contínua de temas e processos, tornando-se difícil sistematizar a temática da sua vasta obra, desde a biografia à polémica, das memórias ao jornalismo, da crónica à literatura infantil. Num número considerável de obras, Aquilino reflecte cenas da sua vida, como o convívio com as pessoas do campo, especialmente das Beiras de onde era natural, a educação ministrada pelos padres, as múltiplas conspirações políticas, as prisões, as fugas rocambolescas ou os exílios. De facto, ver-nos-emos, com facilidade e gosto, envolvidos com as suas personagens beirãs, os seus costumes, tradições e modo de falar. Admitimos que este caminho tem as suas vantagens e interesse, mas salvo melhor opinião, reduz o horizonte, enquanto escritor. Aquilino Ribeiro, não obstante o seu fundo regionalista, não era todavia um provinciano. Segundo José Augusto França, in, Os Anos Vinte em Portugal, era um serrano, com a sua pátria própria, nas terras de Sernancelhe, tanto como em Paris com uma prática sem deslumbramento, assumindo-se mesmo pitorescamente no sorver ruidoso da sopa, como amigos de então o recordavam, ao mesmo tempo que lia entusiasmadamente Anatole France…
Em 1963, a Sociedade Portuguesa de Escritores, presidida por Ferreira de Castro, tomou a iniciativa de comemorar o cinquentenário da carreira de escritor de Aquilino, mas este faleceu subitamente pouco antes. Ferreira de Castro antecipava, uma homenagem nacional que em 2007 se traduziu na transferência dos seus restos mortais para o Panteão Nacional. Os restos mortais de Aquilino Ribeiro foram transladados no dia 19 de Setembro de 2007 do Cemitério dos Prazeres, para o Panteão Nacional, na Igreja de Santa Engrácia. A data foi escolhida porque, em 2007, se comemorou os 50 anos da publicação do romance A Casa Grande de Romarigães. A honra foi-lhe concedida pela Assembleia da República, sendo este o quarto português a ser transladado para o Panteão Nacional, depois de Humberto Delgado (1990), Amália Rodrigues (2001) e Manuel de Arriaga (2004). Hoje, talvez não haja muita gente a ler Aquilino Ribeiro, mas como diz Gonçalo M. Tavares, a literatura não existe sem o que está para trás, sendo a relação entre Aquilino e as gerações mais novas, uma das ideias base do discurso de Cavaco Silva na cerimónia solene. Cavaco Silva, qualificou-o como um escritor do mundo, um dos grandes prosadores da literatura portuguesa do século XX e apelou para que a sua obra continue a ser lida e acarinhada. Note-se que, ao invés de outros escritores, como por exemplo Garrett, que está no Panteão Nacional, nenhum texto de Aquilino é de leitura obrigatória nos manuais de português. Recordamos, salvo erro, que a nossa primeira leitura de Aquilino, ocorreu no antigo quarto ano do liceu, numa Selecta Literária. Aquilino desapareceu dos manuais escolares do regime democrático.
Mas nem tudo foram elogios a Aquilino Ribeiro, tendo havido alguma polémica e contestação, embora localizada. Mendo Castro Henriques, Professor Catedrático de Filosofia, aponta o nome do escritor como um dos envolvidos no regicídio, e defendeu que colocar um regicida no Panteão Nacional é um mau exemplo de cidadania para o povo português e gerações vindouras e um problema não dos monárquicos, mas de um Estado de Direito, ao mesmo tempo que questionou a razão porque não foi dada honra semelhante a autores, tão insignes, como Sofia de Mello Breyner ou Torga. Dificilmente haverá uma resposta, não política. A Aliança Internacional Monárquica não se coibiu de condenar a homenagem do Estado Português, a um criminoso terrorista, referindo ainda actividades que considera como subversivas contra o Estado Português. Se é certo que Aquilino Ribeiro esteve ligado aos meios antimonárquicos, nunca se fez a cabal prova da sua participação no regicídio. Terá Aquilino tido alguma coisa a ver com o regicídio? Terá tido o papel da terceira carabina desnecessária, pelo facto de Costa e Buiça terem cumprido o seu papel? O seu fervor militante antimonárquico, jacobino, antifascista e carbonário, só por si, não pode ser razão para lhe negar o Panteão Nacional, sabendo-se que lá se encontram outras personalidades, de convições tão díspares, como Garrett, Delgado, Carmona ou Sidónio Pais.
Baptista Bastos contou, em 1984, um comentário que uma vez terá sido feito por Aquilino sobre o tema do regicídio: Há acontecimentos que pertencem ao domínio dos deuses e aos quais os homens não devem ter alcance. É pois, no dizer de Mendo Castro Henriques um Segredo de Polichinelo, que ainda permanece, ao fim de cem anos. Alguma vez será desvendado? Há ainda muitas zonas por esclarecer. Costa e Buiça ficaram logo no Terreiro do Paço. Outros, morreram sem legar depoimentos, mesmo já depois da República. O próprio processo judicial desapareceu, ao que consta com cerca de 5.000 páginas. Prontamente instruído, ao contrário do que seria de esperar, o processo do atentado nunca chegou à barra de um Tribunal, apesar de concluido antes do 5 de Outubro. Desapareceram o original e as poucas cópias extraídas. Uma delas pertencia a D. Manuel II, que o levara para o exílio em Inglaterra. Pouco antes de falecer, a sua casa em Londres foi assaltada, tendo desaparecido apenas a cópia do processo, o que é confirmado pelo actual pretendente, D. Duarte Pio. Mais tarde veio-se a apurar que Egas Moniz o nosso Nobel da Medicina-1949, por defender o valor terapêutico da leucotomia, em certas psicoses, se encontrava entre financiadores da conjura.
D. Duarte de Bragança, aproveitou também para criticar a homenagem a Aquilino, embora sem o/a classificar, directamente. Mas adianta que aquele participou numa conspiração terrorista. O próprio o confessou. Esta homenagem, não é um bom exemplo para o País e pode encorajar futuros actos de terrorismo. D. Duarte de Bragança, esclareceu que remeteu uma nota à Assembleia da República sobre a decisão. Não condenei nem protestei, limitei-me a manifestar a minha estranheza, de forma discreta. Outros mereceriam homenagem idêntica. Entretanto, espero que isso não venha a acontecer com Saramago !!!
Recentemente (2007) saiu um livro da autoria de Jorge Morais, aliás monárquico, que foi conselheiro do Duque de Bragança, O Regicídio. A Contagem Decrescente. Morais afirma que não há provas que Aquilino tenha estado nos locais do regicídio. Encontrava-se refugiado nas águas-furtadas de um prédio da Rua Nova do Almada e terá tentado convencer um dos regicidas, Alfredo Costa, de que o assasssínio do rei seria contraproducente para a causa republicana… Os trabalhos revolucionários em que Aquilino se envolveu são mais típicos de um compagnon de route. Escreveu panfletos, foi a reuniões carbonárias, aceitou guardar bombas no quarto onde residia, o que lhe custou a liberdade e quase a vida. Mas é um intelectual da revolução. Interessante é o facto de as armas utilizadas pelos regicidas terem, segundo uma versão, sido adquiridas e guardadas por Francisco Correia de Herédia, Visconde da Ribeira Brava, trisavô pelo lado paterno de Isabel Herédia, mulher do Duque de Bragança.
Sobre o regicídio ainda haverá., portanto, coisas por esclarecer. Não foi conveniente, nem à Monarquia continuar a agitar o assunto e a ajudar a destruir de vez o Regime, nem à República recordar que o seu advento estava alicerçado num crime de morte ou acto de terrorismo. O Estado Novo também não fomentou investigações sobre o tema, dado persistir entre seus apoiantes durante algumas décadas, o dilema Monarquia/República. Os historiadores deste sangrento incidente foram em geral personalidades de formação republicana e como tal se dispuzeram a minimizá-lo. Os críticos do demoliberalismo, por sua vez, encontravam no regicídio mais um argumento de que aos portuguesses faltavam condições para viver em liberdade política, ao contrário do que defendiam os republicanos.
CONTINUA
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