DEZ REIS DE MEL COADO
FLeming de OLiveira
Como já tenho referido
aos meus estimados leitores, não sou adepto incondicional das novas tecnologias,
nem alinho muito com as chamadas redes sociais, embora reconheça que a internet
é uma fonte de informação de partilha e de espaço incomparável e imprescindível.
Nela corre a graça que transforma em humor alguns comportamentos ainda que de
resistência, tomamos contato com condições de vida que desconhecíamos ou julgávamos
ultrapassadas por uma democracia intitulada de sucesso e de modo a que não
fossem possíveis mais histórias de carência e humilhação como a que era contada
por um primo do meu Pai, dono de um pequeno bazar em Matosinhos que vendia brinquedos
para crianças e outras bugigangas.
Uma
tarde, por meados do século passado e próximo do Natal, entrou-lhe na loja um
garoto, que perguntou timidamente o preço de um reluzente automóvel vermelho que
se encontrava exposto na montra. O lojista, percebendo a “pobreza” do catraio respondeu, de pronto entre o sério e a brincar:
“Por ser para ti, e porque estou bem-disposto
custa dez reis de mel coado”. O rapaz agradeceu, voltou a colocar o boné, saiu
e dias depois regressou e disse: “Gostava
de comprar aquele carro, mas a minha mãe disse que não tem mel coado em casa
para lhe pagar, pois já o gastou todo com a tosse do meu pai”. Recordo aos
mais novos que “dez reis de mel coado”
é uma expressão antiga, que significa uma coisa de pequeno ou nenhum valor. Como
o lojista percebeu o logro em que tinha induzido o rapaz, mas tinha um coração
ainda não dominado pelas tecnologias, rendeu-se e mesmo sem invocar espírito de
Natal, entregou o carro ao “cliente”,
em troco de uma mão cheia de nada. Espero que um dia destes em substituição da
moeda palpável que cada vez mais vai ocorrendo, as pessoas tenham de pagar com
mel coado que escorre entre os dedos, mas nessa altura desconhecerão de todo,
tão tecnocráticas que serão, o que isso significa.
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