NO
TEMPO DE
SUBMARINOS
NAZIS
NA
COSTA PORTUGUESA
NAZARÉ,
CABO DO MUNDO, AÇORES
CAPÍTULO
I
UM
TIRO NA CABEÇA
E
UMA
CÁPSULA DE CIANETO
Houve
festa popular em Lisboa e um pouco por todo o país, a 8 de maio de1945,
aquando a rendição da Alemanha nazi.
A Guerra tinha acabado na Europa.
Hitler havia passado a residir no
Führerbunker/Berlim a partir de 16 de janeiro de 1945, onde assistiu a rápida
desintegração do III Reich, perante o avanço dos Aliados, tanto na frente leste
como na frente oeste. No final de abril, as forças soviéticas tinham entrado em
Berlim e foram rumando para o centro da cidade, onde a Chancelaria estava
localizada.
Em 22 de Abril, Hitler admitiu finalmente que
a derrota era iminente e a Alemanha perdera a guerra.
Hitler possuía cápsulas de cianeto, obtidas
através da SS. Quando soube da
execução de Benito Mussolini e sua amante, em Milão, decidiu não ter destino
semelhante.
Após a meia-noite de 29 de abril Hitler,
recém-casado com Eva Braun em cerimónia civil numa pequena sala do bunker,
chamou a secretária e ditou-lhe o testamento.
Hitler, dois secretários e seu cozinheiro
fizeram um almoço composto de espaguete com um molho leve, após o que Hitler e
Eva Braun se despediram do pessoal que ocupava o Führerbunker. Por volta
14h:30m Adolf Hitler e Eva entraram nos seus aposentos privados. Testemunhas relataram
que ouviram um tiro por volta das 15h:30m. Após esperar algum tempo, o criado
pessoal de Hitler, e Bormann a seu lado, abriram as portas desses aposentos.
Aquele declarou que notou um inconfundível cheiro de amêndoas queimadas, um
aroma comum devido ao ácido prússico, a forma gasosa de cianeto. O guarda-costas
de Hitler, de seguida entrou para inspecionar os corpos de Hitler e Eva que se
encontravam sentados num pequeno sofá.
Hitler tinha dado um tiro na têmpora direita
com uma pistola que estava caída a seus pés. Eva Braun não tinha ferimentos
físicos visíveis, tanto mais havia anunciado que desejava ser envenenada
Em 22 de Abril, durante uma de suas
conferências no Führerbunker sobre a situação militar, Hitler ao admitir finalmente
que a derrota era inevitável, o seu médico privativo, sugeriu-lhe combinar uma
dose de cianeto com um tiro na cabeça.
Dançava-se e
bebia-se muito no bunker numa euforia insana e incontrolável, onde um pequeno
grupo de criados e seguidores cegamente leais viveram os últimos dias antes da
queda de Berlim.
Magda, a mulher do Ministro da Propaganda
Joseph Goebbels, entrou no quarto dos seis filhos e explicou-lhes que tinha um
remédio para lhes dar. À exceção da mais velha, que achou aquilo esquisito, as
crianças tomam a droga que as poria a dormir. Pouco depois, a mãe regressou e
matou os seis filhos com veneno, Hela, 12 anos, Hilda, 11, Helmut, 9, Holde, 7,
Hedda, 5, e Heide, 3. A devoção dos Goebbels a Hitler ia além dos nomes
escolhidos para os filhos. Os Goebbels, que se instalaram no bunker, com
Hitler, nos últimos dias antes da queda de Berlim e do regime nazi entendiam
que sem o III Reich não fazia sentido eles e os filhos viverem.
Depois do suicídio de Hitler, Bormann e outros
tentaram fugir de Berlim no dia 2 de maio para evitarem ser apanhados pelos
soviéticos. Bormann ter-se-á suicidado (versão nunca confirmada) numa ponte
perto de da estação de Lehrter.
Foi o fim de um ato de uma enorme tragédia
O conflito prosseguiu mais três meses na
Ásia, até à derrota japonesa, mas para o Portugal neutral era o momento de
alinhar com os vencedores e esperar o melhor do período de reconstrução que se
aproximava [1].
O Diário de Notícias, de 9 de maio, na sua capa
assinalava Bendigamos a Paz! Bendigamos a
Vitória! citando a intervenção de Salazar na histórica sessão de ontem na Assembleia Nacional, o qual, apesar da
opção pela neutralidade, não escondia afinidades ideológicas com as potências
do Eixo. Soube, porém, interpretar os ventos da história e em 1943 aceitou
ceder (embora com muitas reservas pessoais) a base das Lajes aos britânicos e a
partir de 1944 aos americanos. E, como se, anos antes, não tivesse na sua secretária o
retrato de Mussolini, Salazar vangloriava-se: Atravessámos incólumes a guerra sem sacrificar nem a dignidade da nação
nem os seus interesses e amizades.
E numa decisão que gerou protestos
internacionais, o governo português decretou luto oficial de três dias pela
morte de Adolf Hitler, com bandeira a meia haste, tal como havia feito, dias
antes, quando Roosevelt faleceu.
Durante a manhã desse dia 8 de maio, à tarde
e noite, os lisboetas prosseguiram nas suas manifestações de júbilo,
organizando grandes e pequenas manifestações junto às embaixadas e legações dos
Aliados/Nações Unidas, nomeadamente às Embaixadas da Inglaterra, do Brasil e
dos E.U.A e à Legação da França.
À meia-noite, os cafés da Baixa lisboeta
encontravam-se repletos e ostentavam mesas com pequenas bandeiras das nações
aliadas. Num ponto ou noutro irrompiam palmas e viva ao mais ligeiro pretexto.
Segundo os jornais, houve satisfação em
Elvas, grande entusiasmo em Viseu, festejos na Covilhã, queimados muitos
morteiros em Vila Nova da Barquinha, em Ansião o povo lançou girândolas de
foguetes e em Vila Franca de Xira desde a
noite de ontem e até à hora a que estamos a telefonar, ainda a população não
parou de deitar foguetes e mostrar o seu grande entusiasmo. Em Santarém houve festa rija[2]
por parte dos apoiantes dos Aliados, muitos saíram para as ruas empunhando
imagens e cartazes dos monarcas do Reino Unido, do primeiro-ministro britânico,
William Churchill, ou do Gen. Bernard Montgomery. Para além da presença da
banda de música dos bombeiros locais, deu também nas vistas uma jovem que
começava então a ser conhecida em todo o país como eximia instrumentista de
acordeão. Chamava-se Eugénia Lima que animou com o som do seu acordeão a
multidão que encheu as apinhadas ruas do centro histórico.
Os anos de 1936-1945 foram vividos pelos
portugueses, em sobressalto. Tanto a Guerra Civil de Espanha como a II Guerra
transformaram a vida nacional.
Os portuenses dividiram-se entre os aliadófilos (entre os quais predominavam
os anglófilos tendo em conta o peso
da colónia britânica) e os germanófilos.
Os primeiros ouviam a BBC em onda curta e
Fernando Pessa[3], seguiam a propaganda
britânica e usavam publicamente, desafiando as autoridades, crachás da Royal
Air Force/RAF, que zelosos agentes de PSP estavam encarregados de mandar
retirar, se encontrados na lapela de uma pessoa. A censura e a restrição das
liberdades civis por parte de Salazar acabaram por contribuir para o crescendo
de popularidade das transmissões em português da BBC e de Fernando Pessa.
No Porto, a censura e a restrição das
liberdades civis por parte de Salazar acabaram por contribuir para o crescendo
de popularidade das transmissões em português da BBC. O Instituto Britânico do
Porto foi inaugurado em dezembro de 1943.
Os segundos, entre os quais se encontrava a
maioria dos salazaristas, deixaram-se de seduzir, pelo menos até 1944, pelos
projetos e triunfos da Alemanha nazi e assistiam as seções de propaganda no
Cinema Júlio Dinis, adquirido pela colónia alemã. Durante o regime nazi, o
Colégio Alemão transformara-se num centro de convívio, mas também num centro de
reforço da coesão politica dos alemães que viviam na cidade do Porto.
A guerra acabara e a vitória foi festejada
durante dois ou três dias no Porto. A populaça, entre a qual se encontrava o
meu Pai e irmão mais velho (que não tinham cumprido serviço militar, nem grande
motivação ou intervenção políticas), veio para a Praça na noite de 8 de maio e
a partir das 20h começou a crescer o maior S. João visto na cidade. O meu Pai
contava que a multidão, que considerou também como sua a vitória sobre os
alemães, dançou, cantou, abraçou, beijou, riu, gritou, agitou bandeiras dos
Aliados (Rússia não…) e chorou de alegria. No dia seguinte as fábricas, os
estabelecimentos comerciais, os escritórios, as escolas, as salas de espetáculo
e cafés encerraram para a multidão festejar e organizar um cortejo cívico.
O regime não apreciou esta euforia e mandou,
na dúvida, sair os cavalos da GNR, que o meu Tio como frequentador habitual do
picadeiro do Quartel do Carmo bem conhecia, que tentaram, inicialmente de forma
moderada dispersar os manifestantes, até que a populaça começou com gritos de Vitoria, Viva os Aliados, Fora com os
Fascistas.
E em Alcobaça?
Segundo conta JERO/José Eduardo Reis Oliveira
no seu estilo pitoresco e coloquial em
Alcobaça repicaram os sinos do Mosteiro, houve abundante foguetório e o Rossio
encheu-se de uma multidão exultante. Hastearam-se as bandeiras da América (USA)
e da Inglaterra nos para-raios das torres e a de Portugal na cruz mais alta.
Para gáudio da multidão, que cá em baixo aplaudia, os mais afoitos dos
“bandeirantes” (os que içaram as bandeiras, está bem de ver) saltavam de torre
para torre a mais de 30 metros de altura do solo. Havia quem o fizesse com as
mãos atrás das costas. O badalo de um sino cai da torre e “aterra” junto da
multidão que… aplaude. Ninguém se aleija por milagre. Um dos sinos “dá a volta”
com o Manel do Ti Augusto agarrado à corda e, por segundos este improvisado
“sineiro” fica fora da torre sujeito a uma queda que o mataria, mas… não larga
a corda e volta para dentro…da torre. A multidão grita de horror e… no momento
seguinte ri loucamente. Nada de mau tinha acontecido ao Manel do Ti Augusto. As
horas passam, os “vivas” esmorecem e a noite cai. Muita boa gente adormeceu
nessa noite de um dia histórico debaixo da mesa da casa de jantar, pois com
muito vinho e petiscos se festejou a vitória dos Aliados. Juntou-se à fome a
vontade de comer e… de beber! Passada a euforia e os efeitos do vinho quem é
que vai tirar as bandeiras aos para-raios?! Ninguém, pois está claro.
Maluqueiras só em dias especiais!
Quem colocou as bandeiras nas “alturas”, quem
repicou os sinos, quem deu saltos a 34 metros da altura!! O “cruzamento “de
opiniões colhidas junto de diversos “rapazes” à beira dos 80, ou mesmo já no
restrito “Clube dos 80 anos”, dá para garantir que os “destemidos” desse dia
histórico foram o Zé Russo, o Júlio da Sofia, o Albano Bisóia, o Manel do Ti
Augusto, o Manel Rosa e o Gloriarte. O Zé Russo terá posto a bandeira de
Portugal na cruz, que tem 4 metros de altura, o Júlio da Sofia pôs a bandeira
dos Estados Unidos da América num para-raios e a bandeira de Inglaterra foi
colocada pelo Manel do Ti Augusto no outro para-raios. A base dos para-raios
fica a 42 metros de altura e a base da cruz está a 34 metros de altura em
relação à entrada da nave principal do Mosteiro. O Albano Bisoia levou uma
pomba branca até junto da cruz e soltou-a para os céus para gáudio da multidão.
O Manel Rosa saltou vezes se conta das torres para junto dos anjos, que
sustentam a cruz, a 34 metros do solo. Fez numerosos saltos e ainda mais
difícil …alguns com as mãos atrás das costas. O Gloriarte acompanhou de perto
na festa o Manel Rosa, e esteve à altura dos outros, ou seja, a mais de 30
metros! Os tais saltos são, como a foto que reproduzimos demonstra de,
aproximadamente, 1 metro e vinte, mas… o que atrapalha é a altura! Um pequeno
erro e seria um salto dos anjos para os anjinhos! Teria havido muitos mais a
subir a torre, a tocar os sinos e a fazer maluqueiras, mas estes nomes é que
ficaram para a história desse dia de… euforia, de loucura e de “abundantes
vapores alcoólicos”. Não há certezas, mas
parece que as bandeiras apodreceram meses mais tarde onde tinham sido colocadas
no dia 8 de maio de 1945.
O referido Manuel Augusto Coelho, primo de
JERO, nasceu em Alcobaça em 1920 e seguiu as pisadas do pai como serralheiro. O
Manel do Ti Augusto, como era geralmente
conhecido, era tido como pessoa algo excêntrica, mas estimada na terra.
Tem duas histórias que são recordadas por alcobacenses
do seu tempo.
A referida cena do sino, em que conseguiu uma
coisa impossível, virar um dos sinos e, momentaneamente vir agarrado à corda
fora das torres, a cerca de 30 metros do solo.
Continuando a acompanhar JERO. E a da noite do terramoto de 28 de fevereiro de
1969 (grau 6.2 da Escala de Richter), quando (o Manel do Ti Augusto) veio para a rua completamente nu, mas com o
seu boné na cabeça na posição habitual. Como imagem da marca usava um boné de
um dos lados da cabeça, em posição oblíqua, cobrindo uma das orelhas.
Inicialmente ambígua, a
neutralidade que Portugal desenvolvera, colocara o País numa posição algo
fragilizada no concerto internacional, mas, num segundo momento, a neutralidade
colaborante com os Aliados, acabou por jogar a favor. O apoio Aliado foi
fundamental para a sobrevivência do regime político português, pois a vitória
das democracias (ocidentais) dava novo alento às oposições que fortalecidas, se
movimentavam contra o Estado Novo.
Assim, regime e população celebraram com
entusiasmo o triunfo dos Aliados e, apesar de o país permanecer politicamente
igual, as democracias ocidentais incluíram em 1949 Portugal entre os fundadores
da NATO, quando a União Soviética, era o novo inimigo.
Pode dizer-se que a economia portuguesa
colheu benefícios da II Guerra. Pela primeira vez desde o século XVIII, a nossa
balança comercial teve um saldo positivo, graças ao incremento das exportações
de matérias-primas, produtos alimentares e manufaturados para os países
intervenientes no conflito e à redução das importações causada pelas dificuldades
atravessadas pelos países em guerra. Contudo, no pós-guerra, enquanto as
economias de outros países europeus recuperavam da crise, o investimento e a
indústria portuguesa estavam bloqueados devido à excessiva preocupação de
Salazar com o equilíbrio financeiro.
Mas não só. A predominância rural e a falta
de confiança no progresso industrial encarado como um setor de perturbação
ideológica, afastaram o país dos mais desenvolvidos da Europa.
[1] Bormann criou uma
lenda à sua volta, dado nunca se ter confirmado definitivamente se ou onde
faleceu em Berlim.
[2] Carlos Quintino, in
jornal O RIBATEJO.
[3] Após quatro anos na
Emissora Nacional, Fernando Pessa foi convidado para trabalhar na BBC/Londres.
Começou na secção brasileira e só quando um colega português adoeceu, foi
chamado para ler o noticiário. Neste ambiente e tempo, sofreu os
bombardeamentos alemães sobre Londres, profissionalizou-se e notabilizou-se
como correspondente.
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