sexta-feira, 4 de janeiro de 2019




CAPÍTULO V

UMA VIDA MUITO INSALUBRE






É difícil imaginar como se vivia nos submarinos alemães da II Guerra. Admito mesmo que de acordo com certas regras hoje em dia tidas como fundamentais, isso seria talvez impossível.
  A vida a bordo foi descrita por alguns que sobreviveram à Guerra, no mínimo, como insalubre.
  Dentro de um casco pressurizado com a forma aproximada de um charuto um tanto quanto frágil (e de tanques de lastro responsáveis pela submersão ou emersão), apenas o capitão tinha direito a uma acomodação individual. O restante pessoal, muito jovem e em muitos casos voluntários dado o prestígio e a aura romântica da missão, tinha de se mexer entre tubos, torpedos, aparelhos medidores e equipamentos, para comer, operar as máquinas e até mesmo fazer suas necessidades fisiológicas. Assim descobriram rapidamente que a rotina nada era romântica, mas uma mescla de aborrecimento e claustrofobia, a que se juntavam momentos de enorme terror e depressão.
  No meio de tantas privações e disciplina (era imperioso evitar discussões, p.e.), poderia imaginar-se que os que serviam nos submarinos, encaravam a missão como um grande sacrifício. Errado!!! como apurei. Nos primeiros anos da Guerra, criou-se a lenda da eficácia da Kriegsmarine, graças os inúmeros afundamentos de navios dos Aliados, o que entusiasmava a população.
  O interior era muitíssimo compacto, um pesadelo para os claustrofóbicos. Os tripulantes compartilhavam beliches desdobáveis, que eram fechados quando não utilizados, para não ocupar espaço. Comiam em pequenas mesas, desdobráveis, sentados no beliche de baixo.
  O submarino estava tão ocupado pelos torpedos, que os homens mal podiam andar em pé ou mesmo mexer-se. A rotina da manutenção dos torpedos era interrompida apenas pela da arrumação das camas, mesas e pequena toilette. O Comandante possuía uma cama também desdobrável, porém resguardada por uma cortina fina e que permitia o acesso ao compartimento em frente, onde se encontrava o rádio, instrumento vital.
  Em situação de perigo tinha tudo de funcionar em sincronia. Na iminência de ataque, preparação ou execução, cada um sabia a sua missão, eram precisas poucas palavras e as que provinham do comandante eram cumpridas com rigor.
  Como os U-Boat não possuíam ventilação interna, os tripulantes eram obrigados a andar com passos leves e a não fazer muito esforço físico, pois, do contrário, corriam o risco de consumir o limitado oxigénio disponível. As instalações sanitárias eram mais que precárias, do tamanho de uma pequena cabine telefónica. A viver naquele espaço, utilizava-se uma boa quantidade da Água de Colónia Kolibri e loções, para dissimular a pesada atmosfera e os odores (inclusivamente corporais). Estes barcos contavam apenas com uma sanita para toda a tripulação, pelo que havia um caderno em que era escrito o nome de quem a usava. Dessa maneira, quando cheia, sabia-se o responsável, que devia encargar-se de a esvaziar.
  Sabendo-se como era a limitação de espaço, para guardar alimentos (quase todos eram enlatados), este compartimento era também usado para esse fim. Sendo a água um bem especialmente racionado e controlado, não era permitido tomar banho, pelo que se encorajava o crescimento da barba, mas não do cabelo. O cabelo e barba sofriam muito com a mistura de óleo e graxa. O vaso de guerra exalava em geral um forte cheiro a óleo que se mistura com o da comida.
  A tripulação só dispunha em regra de roupa militar, que aliás se sujava facilmente.
  O tripulante de um submarino tinha de aprender a dividir os escassos metros quadrados, com muito mais gente do que quem não vive debaixo de água. Além do aperto de dormir num quase caixão, os tripulantes tinham de se acostumar à prática do beliche quente, deitar-se numa cama que acabou de ser usada por outro. Os submarinos eram armas de guerra e locais de trabalho. Apenas uma cortina fina, quando havia, separava quem dormia de quem trabalhava. Salvo quando submerso o submarino balouçava e sacudia fortemente, pelo que era normal os movimentos da tripulação implicarem apoio.
  Adaptar-se à vida em ambiente tão reduzido, aprender a não adoecer, e ter de dividir tudo com todas as pessoas, requeria uma personalidade especial. Os naturalmente mais organizados adaptavam-se muito melhor do que os que são bagunceiros. O primeiro conselho dado a quem iria integrar a tripulação dos U-Boat e compartilhar um pequeno espaço, era que organização e limpeza (além do mais por questão de saúde, pois os medicamentos disponíveis eram os mais básicos) são fundamentais.  Intervenções mais complexas, nem pensar, pois raramente havia médico.
  Mesmo assim, e depois da guerra, alguns antigos marinheiros, não obstante a derrota e com a passagem à vida civil, sentiam nostalgia. Sinto saudade.
  Um U-Boat era movido por motores Diesel, que precisavam do ar da superfície e funcionando recarregavam as baterias que alimentavam os motores elétricos que o movimentavam quando submerso, pelo menos quatro horas por dia. Nesse meio tempo, era grande o risco de ser atacado por aviões inimigos, algo comum no final do conflito, quando os Aliados lograram desenvolver um sistema de radar centimétrico que reduziria drasticamente o poder dos U-Boat.
  Os momentos mais tensos aconteciam quando todos tinham de permanecer imóveis e em silêncio, no fundo do oceano, intentando escapar ao sonar dos barcos inimigos, ou quando alguém falecia e era lançado ao mar, após um breve ofício religioso a cargo do comandante.
  Não me foi possível apurar, salvo a existência de alguns enlatados como leite em pó, queijo e raros frescos abastecidos na costa, como era a alimentação a bordo dos submarinos como o UB-963. Um submarino como o UB-534, de maiores dimensões, para uma tripulação de 52 militares, quando saía para o mar, levava cerca de 18 ton. de mantimentos, especialmente os enlatados, nomeadamente conservas portuguesas, leite em pó e água.
  A II Guerra ajudou de forma significativa à retoma da indústria conserveira. Portugal beneficiou do facto de ser dos poucos países com a produção a funcionar. A Ramirez forneceu a Cruz Vermelha e exportava para mercados como a Bélgica, Reino Unido ou Alemanha.
  Em agosto de 2009, o Expresso publicou um artigo em que se referia que por isso, a Fábrica (Ramirez) não estranhou um telefonema do seu agente em Hamburgo, no início dos anos de 1950, dando conta que tinham na sua posse três latas muito especiais. Eram conservas de sardinha em azeite que tinham sido recolhidas do bunker de Hitler. Meses depois, a família decidiu prová-las, verificando que estavam em perfeito estado de conservação.
  Em 1938, os maiores compradores das conservas portuguesas eram as partes em futuro conflito. Entre a década de 1930 e 1940, a indústria atingiu talvez o seu exponente a nível económico. No final da Guerra e mesmo na década de 1950, as perspetivas continuavam a ser boas, a pesca era abundante e a indústria conserveira não tinha dificuldades em vender as suas conservas. No entanto o consumo interno aumentou muito e a sardinha na lota passou a ser valorizada, criando isto problemas às fábricas que passaram assim a ter mais um concorrente. Ao comprarem o peixe caro, o custo da fabricação tonava-se mais elevado, o que não lhes permita competir com os preços praticados nos mercados estrangeiros, impedindo-os de vender a produção que confecionavam. Esta situação teve como consequência o demorado escoamento do produto, o que criou muitos problemas aos fabricantes, passando estes por grandes dificuldades económicas.








 
















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