CAPÍTULO
V
UMA
VIDA MUITO INSALUBRE
É difícil imaginar como
se vivia nos submarinos alemães da II Guerra. Admito mesmo que de acordo com
certas regras hoje em dia tidas como fundamentais, isso seria talvez impossível.
A vida a bordo foi descrita por alguns que
sobreviveram à Guerra, no mínimo, como insalubre.
Dentro de um casco pressurizado com a forma
aproximada de um charuto um tanto quanto frágil (e de tanques de lastro
responsáveis pela submersão ou emersão), apenas o capitão tinha direito a uma
acomodação individual. O restante pessoal, muito jovem e em muitos casos
voluntários dado o prestígio e a aura romântica da missão, tinha de se mexer
entre tubos, torpedos, aparelhos medidores e equipamentos, para comer, operar
as máquinas e até mesmo fazer suas necessidades fisiológicas. Assim descobriram
rapidamente que a rotina nada era romântica, mas uma mescla de aborrecimento e
claustrofobia, a que se juntavam momentos de enorme terror e depressão.
No meio de tantas privações e disciplina (era
imperioso evitar discussões, p.e.), poderia imaginar-se que os que serviam nos
submarinos, encaravam a missão como um grande sacrifício. Errado!!! como
apurei. Nos primeiros anos da Guerra, criou-se a lenda da eficácia da Kriegsmarine,
graças os inúmeros afundamentos de navios dos Aliados, o que entusiasmava a
população.
O interior era muitíssimo compacto, um pesadelo
para os claustrofóbicos. Os tripulantes compartilhavam beliches desdobáveis,
que eram fechados quando não utilizados, para não ocupar espaço. Comiam em
pequenas mesas, desdobráveis, sentados no beliche de baixo.
O submarino estava tão ocupado pelos
torpedos, que os homens mal podiam andar em pé ou mesmo mexer-se. A rotina da
manutenção dos torpedos era interrompida apenas pela da arrumação das camas, mesas
e pequena toilette. O Comandante possuía uma cama também desdobrável, porém
resguardada por uma cortina fina e que permitia o acesso ao compartimento em
frente, onde se encontrava o rádio, instrumento vital.
Em situação de perigo tinha tudo de funcionar
em sincronia. Na iminência de ataque, preparação ou execução, cada um sabia a
sua missão, eram precisas poucas palavras e as que provinham do comandante eram
cumpridas com rigor.
Como os U-Boat não possuíam ventilação
interna, os tripulantes eram obrigados a andar com passos leves e a não fazer
muito esforço físico, pois, do contrário, corriam o risco de consumir o
limitado oxigénio disponível. As instalações sanitárias eram mais que
precárias, do tamanho de uma pequena cabine telefónica. A viver naquele espaço,
utilizava-se uma boa quantidade da Água de Colónia Kolibri e loções, para dissimular a pesada atmosfera e os odores
(inclusivamente corporais). Estes barcos contavam apenas com uma sanita para
toda a tripulação, pelo que havia um caderno em que era escrito o nome de quem
a usava. Dessa maneira, quando cheia, sabia-se o responsável, que devia
encargar-se de a esvaziar.
Sabendo-se como era a limitação de espaço,
para guardar alimentos (quase todos eram enlatados), este compartimento era também
usado para esse fim. Sendo a água um bem especialmente racionado e controlado, não
era permitido tomar banho, pelo que se encorajava o crescimento da barba, mas
não do cabelo. O cabelo e barba sofriam muito com a mistura de óleo e graxa. O
vaso de guerra exalava em geral um forte cheiro a óleo que se mistura com o da
comida.
A tripulação só dispunha em regra de roupa militar,
que aliás se sujava facilmente.
O tripulante de um submarino tinha de
aprender a dividir os escassos metros quadrados, com muito mais gente do que
quem não vive debaixo de água. Além do aperto de dormir num quase caixão, os tripulantes tinham de se
acostumar à prática do beliche quente,
deitar-se numa cama que acabou de ser usada por outro. Os submarinos eram armas
de guerra e locais de trabalho. Apenas uma cortina fina, quando havia, separava
quem dormia de quem trabalhava. Salvo quando submerso o submarino balouçava e
sacudia fortemente, pelo que era normal os movimentos da tripulação implicarem
apoio.
Adaptar-se à vida em ambiente tão reduzido,
aprender a não adoecer, e ter de dividir tudo com todas as pessoas, requeria
uma personalidade especial. Os naturalmente mais organizados adaptavam-se muito
melhor do que os que são bagunceiros.
O primeiro conselho dado a quem iria integrar a tripulação dos U-Boat e
compartilhar um pequeno espaço, era que organização e limpeza (além do mais por
questão de saúde, pois os medicamentos disponíveis eram os mais básicos) são
fundamentais. Intervenções mais
complexas, nem pensar, pois raramente havia médico.
Mesmo assim, e depois da guerra, alguns
antigos marinheiros, não obstante a derrota e com a passagem à vida civil,
sentiam nostalgia. Sinto saudade.
Um U-Boat era movido por motores Diesel, que
precisavam do ar da superfície e funcionando recarregavam as baterias que
alimentavam os motores elétricos que o movimentavam quando submerso, pelo menos
quatro horas por dia. Nesse meio tempo, era grande o risco de ser atacado por
aviões inimigos, algo comum no final do conflito, quando os Aliados lograram
desenvolver um sistema de radar centimétrico que reduziria drasticamente o
poder dos U-Boat.
Os momentos mais tensos aconteciam quando
todos tinham de permanecer imóveis e em silêncio, no fundo do oceano,
intentando escapar ao sonar dos barcos inimigos, ou quando alguém falecia e era
lançado ao mar, após um breve ofício religioso a cargo do comandante.
Não me foi possível apurar, salvo a
existência de alguns enlatados como leite em pó, queijo e raros frescos abastecidos
na costa, como era a alimentação a bordo dos submarinos como o UB-963. Um
submarino como o UB-534, de maiores dimensões, para uma tripulação de 52
militares, quando saía para o mar, levava cerca de 18 ton. de mantimentos, especialmente
os enlatados, nomeadamente conservas portuguesas, leite em pó e água.
A II Guerra ajudou de forma significativa à
retoma da indústria conserveira. Portugal beneficiou do facto de ser dos poucos
países com a produção a funcionar. A Ramirez
forneceu a Cruz Vermelha e exportava para mercados como a Bélgica, Reino
Unido ou Alemanha.
Em agosto de 2009, o Expresso publicou um artigo
em que se referia que por isso, a Fábrica
(Ramirez) não estranhou um telefonema
do seu agente em Hamburgo, no início dos anos de 1950, dando conta que tinham
na sua posse três latas muito especiais. Eram conservas de sardinha em azeite
que tinham sido recolhidas do bunker de Hitler. Meses depois, a família decidiu
prová-las, verificando que estavam em perfeito estado de conservação.
Em 1938, os maiores compradores das conservas
portuguesas eram as partes em futuro conflito. Entre a década de 1930 e 1940, a
indústria atingiu talvez o seu exponente a nível económico. No final da Guerra
e mesmo na década de 1950, as perspetivas continuavam a ser boas, a pesca era
abundante e a indústria conserveira não tinha dificuldades em vender as suas
conservas. No entanto o consumo interno aumentou muito e a sardinha na lota
passou a ser valorizada, criando isto problemas às fábricas que passaram assim
a ter mais um concorrente. Ao comprarem o peixe caro, o custo da fabricação
tonava-se mais elevado, o que não lhes permita competir com os preços
praticados nos mercados estrangeiros, impedindo-os de vender a produção que
confecionavam. Esta situação teve como consequência o demorado escoamento do
produto, o que criou muitos problemas aos fabricantes, passando estes por
grandes dificuldades económicas.
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