CAPÍTULO
VI
O FASCÍNIO PELO HORROR E PELO
MAL
Como é que se explica que a II Guerra continue a exercer um enorme fascínio,
mais de 70 anos decorridos sobre o seu termo?
Como pode isso acontecer com uma tragédia que
matou mais de 50 milhões de pessoas e deixou o mundo em ruínas?
Como é que os alemães, cultos e evoluídos,
permitiram as atrocidades nazis?
O mesmo não ocorre com outros conflitos na
História, concretamente a I Guerra, A
Guerra que Poria Fim a Todas as Guerras.
Um texto com a palavra nazi no título, provavelmente, estará entre os mais lidos. Não foi
obviamente com esse objetivo que aqui o utilizei.
Parece-me inegável que, aquando da II Guerra,
nos Aliados havia a noção de que era uma guerra justa, o bem a combater o mal.
Alguns cínicos
defendem que o motivo do fascínio foi a presença de tantos líderes nacionais
tresloucados, como Hitler, Mussolini, Estaline e o nipónico Tojo.
Serão as batalhas da II Guerra a razão deste
fascínio?
Sabemos
que a guerra é estúpida, violenta e mortal, mas ainda assim não nos conseguimos
afastar dela.
Mas talvez o principal motivo que leva ao
interesse pelo nazismo, é o fascínio pelo mal, que encarnou como nunca antes.
Há uns anos, dizia-se que os heróis da II
Guerra estavam a morrer e que seria bom que os filhos e netos pudessem compreender
melhor o que se passou. O povo alemão passou décadas do pós-guerra a
ignorar o tema, um grande tabu.
A propaganda nazi idolatrava Hitler como se fosse um estadista
talentoso que houvesse trazido estabilidade económica e gerado empregos,
restaurando a grandeza da Alemanha, vexada pela Conferência de Versalhes.
Sob o
regime nazi, os alemães deveriam mostrar publicamente a lealdade ao líder,
através de formas quase que religiosas como a saudação nazi e cumprimentando-se
entre si, com as palavras Heil Hitler [1].
Como forma de incutir nas crianças uma educação
fiel ao regime, foram criadas as Juventudes Hitlerianas, organização de
carácter militarista onde dominava a ordem e disciplina e lhes era
incutido um espírito selvagem de adoração
ao chefe e à Nação. O regime alemão, distinguiu-se pela eugenia, pelo antissemitismo e
pelo militarismo. Um dos seus objetivos, era a purificação da raça ariana, eliminando os impuros.
Foram desenvolvidos estudos de forma a determinar características
da raça ariana e, encontrados os indivíduos perfeitos,
acasalavam de modo a obter cidadãos dotados com qualidades superiores. Ao mesmo
tempo que se pretendia preservar a raça,
eliminavam-se as raças inferiores
como eslavos, ciganos, negros,
homossexuais, epiléticos, esquizofrénicos e retardados. Porém, a raça a abater e considerada a mais
inferior, era a dos judeus, acusados de causarem todos os males da
sociedade. Inicialmente os judeus foram boicotados, segregados
e excluídos. Mais tarde viram destruídos os locais de culto e de
trabalho, foram encerrados em guetos e obrigados a usar no braço a estrela
amarela de David. À medida que os judeus iam deixando de poder trabalhar no
funcionalismo público ou em profissões dependentes do governo/partido ou por
estes reguladas, como medicina ou educação, muitos proprietários de negócios da
classe média e outros profissionais, foram forçados a aceitar empregos
subalternos e mal pagos. A emigração era difícil, pois os judeus tinham de
pagar até 90% dos seus bens para deixar o país. Em 1938, já era difícil, os judeus
alemães encontrarem na Europa país que os aceitasse. Os livros considerados não/antialemães,
incluindo os de autores judeus, foram destruídos em autos de fé durante uma queima à escala nacional, a 10 de maio e 21
de junho de 1933, poucos meses depois da chegada ao poder de Adolf Hitler. Em
várias cidades alemãs, foram organizadas, queimas de livros em praças públicas,
com a presença da polícia, bombeiros e outras autoridades.
Os cidadãos judeus foram, em suma, submetidos
a humilhantes condições de trabalho e depois à solução final.
E, e… entretanto… [2].
A Folha Católica de Passau, emitiu e publicou
a seguinte nota, pelos 50 anos de Hitler (1939):
Cumprimentamos o nosso
Führer pelo seu aniversário. Ao mesmo tempo expressamos os nossos
agradecimentos pelos mais de 6 anos de comando de nossa Pátria. Nesse curto
período ele conseguiu reconduzir ao trabalho seis milhões de desempregados
libertando as famílias da ansiedade, da insegurança, da miséria e do
sofrimento. Com altiva sabedoria e fervor nacionalista ele quebrou as amarras que
a conferência de ódio de Versalhes havia destinado a Alemanha, devolvendo a
honra e o nosso nome.
A Igreja Evangélica Alemã enviou a Hitler, no
dia 30 de junho de 1941, o telegrama, a que foi dada grande publicidade, que
segue:
O Conselho da Igreja
Evangélica Alemã, pela primeira vez reunida após o início da luta decisiva na
frente oriental, deseja garantir-lhe nessas tempestuosas horas renovar a total
fidelidade de toda cristandade do Reich. O nosso Führer, afastou o perigo
Bolchevista-Judaico da Pátria e chama agora o povo e os povos da Europa para o
encontro decisivo contra o inimigo mortal de toda Ordem e da Cultura Cristã. O povo alemão e todas as facões religiosas cristãs
agradecem esse acontecimento.
No dia 30 de julho de 1941, o Cardeal Arcebispo
de Paris, Alfred-Henri-Marie Baudrillart (fez campanha para despertar o apoio
internacional à França durante a I Guerra, enquanto na II Guerra apoiou o
regime de Vichy e os alemães por liderarem a luta internacional contra o
bolchevismo) afirmou que A guerra de
Hitler é uma nobre empresa em defesa da cultura europeia.
Baudrillart apoiou o governo do marechal
Philippe Pétain, emitindo uma declaração intitulada Choisir, Vouloir, Obéir em 20 de novembro de 1940, que muito
incomodou os colegas e veteranos da I Guerra. Em agosto de 1941, como fervoroso
anticomunista, endossou a formação da criação de uma Legião de Voluntários
franceses contra o bolchevismo para lutar ao lado dos alemães. Era membro do Comité Honorário de
Patrocinadores da Legião, e os seus pontos de vista, foram influenciados por
reuniões com Kurt Reichl oficial austríaco, católico, alemão e agente de
contraespionagem nazi. Por sua vez o seu endosso da Legião dizia:
Sacerdote e francês,
como posso, em um momento tão decisivo, recusar-me a aprovar o nobre
empreendimento comum dirigido pela Alemanha, dedicado a libertar a Rússia dos
laços que a mantiveram nos últimos vinte e cinco anos, sufocando seu lado
antigo humano e cristão, tradições, a libertar a França, a Europa e o Mundo do
monstro mais pernicioso e sanguinário que a humanidade já conheceu, para elevar
os povos acima de seus estreitos interesses e estabelecer entre eles uma
fraternidade sagrada reavivada desde a Idade Média cristã?.
O Conselho da Igreja Evangélica da Turíngia,
também publicou a 6 de agosto de 1941, o seguinte e muito encomiástico
comunicado:
O nosso povo está a
participar numa exemplar luta pela Ordem Europeia e Mundial.
A luta que hoje
desenvolvemos é no mais profundo sentido uma luta
Entre Cristo e o
Anticristo
Entre a Luz e as
Trevas
Entre o Amor e o Ódio
Entre a Ordem e o Caos
Entre o Eterno Alemão
E o Eterno Judeu.
A austríaca Gitta Sereny escreveu depois da II Guerra O trauma alemão [3], obra interessante que procura entender o
caráter de uma geração de alemães do pós-nazismo. A obra é, pois, uma
tentativa de explicar a reação dos jovens frente ao comportamento da geração
que viveu o drama da guerra e da derrota.
Mais de setenta anos
após o fim do nazismo, a Alemanha continua estigmatizada pelo acontecimento.
Quando da última vez em que estive em Bonn, falei com um Colega que me disse
que, embora as pessoas de hoje não tenham culpa pelos crimes nazis, elas se
sentem responsáveis.
Museus e monumentos históricos têm como
função contribuir para que a memória do nazismo e da II Guerra continuem vivos,
e para que o que ocorreu não se repita.
Além dos memoriais, é possível encontrar,
como aliás me mostrou, placas douradas colocadas no chão em frente a casas onde
viveram famílias de judeus. Nelas, além dos nomes e sobrenomes, há menção à data
da deportação e em que campo de concentração foram mortas.
A perceção sobre o mal causado pelo nazismo
só veio muito depois, explicou-me o Colega que ouvia histórias dos pais,
crianças na época, sobre a receção a Hitler quando ele visitava a cidade. Havia uma atmosfera de euforia sempre que
Hitler aparecia. Foi um fenómeno de massas.
Apesar de parecer paradoxal, a paixão ou o fascínio
que a Guerra causa, pode ter relação com o desejo de que algo assim nunca mais se
repita.
Da minha parte e como antigo militar na Guiné
existe devoção, enormíssimo respeito por todos (todos mesmo…), mas
especialmente os jovens que perderam a vida no maior conflito humano da
História. Espero poder sempre reverenciar esses heróis. Por isso, milhões de
pessoas ainda visitam, com muito respeito e interesse, os locais das batalhas,
cemitérios militares, antigos campos de concentração e de extermínio, como
aliás também fiz em Dachau e Omaha Beach (Omaha a Sangrenta), no ano de 2003.
[1] A.
Oliveira Marques in História de Portugal e Cabo Verde na Grande Guerra
(Momentos da História).
[2] Gitta
Sereny, nasceu a 13 de março de 1921 e faleceu a 14 de junho de 2012 foi uma
biógrafa austríaca-britânica, historiadora e jornalista de investigação. A
autora apresenta na sua obra reflexões e experiências vividas por si durante a
II Guerra. Ela resistiu ativamente ao nazismo, exercendo funções importantes
durante e após a guerra, realizando uma reflexão sobre os efeitos da violência
que traumatizou milhões de pessoas.
[3] Desde
menino consigo perceber um pouco o alemão, que melhorei após dois anos nos
antigos sexto e sétimo anos, cinco deslocações à Alemanha em turismo (1987,
1994 e 2003) e cursos de natureza político-jurídica (1997 e 1999).
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