quarta-feira, 16 de abril de 2014

A GNR DE ALCOBAÇA E OS MÉTODOS MUSCULADOS. O SARG. BARBOSA, OS SOLDADOS HERRMÍNIO OLIVEIRA E JOAQUIM MENESES. A DEEFESA DO REGIME. O RESPEITO PELOS SUPERIORES AINDA QUE DA OPOSIÇÃO (GEN. H. DELGADO)

 A GNR DE ALCOBAÇA E OS MÉTODOS MUSCULADOS.
O SARG. BARBOSA, OS SOLDADOS HERRMÍNIO OLIVEIRA E JOAQUIM MENESES.
A DEEFESA DO REGIME.
O RESPEITO PELOS SUPERIORES AINDA QUE DA OPOSIÇÃO (GEN. H. DELGADO)


O antigo GNR, Hermínio de Oliveira, industrial de recauchutagem e venda de pneus, é uma personalidade estruturalmente diferente de Joaquim Meneses, de quem já falei.
Tem saudades do exercício da autoridade à moda antiga, ao invés de Meneses que era pessoa de bom trato, alegadamente incapaz de lidar com a rudeza da profissão, de tratar uma pessoa a bofetão ou pontapé.
Quando Oliveira constituiu em Alcobaça, já lá vão bastantes anos, uma Sociedade de Recauchutagem e Venda de Pneus (inicialmente teve o nome de Recauchutagem 31), foi, segundo me contou, buscar o nome ao facto de ficar sediada numa zona conhecida pelos alcobacenses, como o 31. Este nome segundo me disse, vem do tempo em que, em Alcobaça, existiu um quartel instalado no Mosteiro. Ora, onde havia magalas, havia meninas que faziam a vida. Uma ocasião, uma dessas meninas, fez constar garbosamente que, na noite anterior ali tinha despachado, nada menos, que 31 magalas. A expressão correu célere e o lugar que era um olival nada frequentado, passou a ser conhecido pelo 31 pelo que doravante em Alcobaça se se perguntasse  onde se poderia arranjar uma menina, era-lhe dito que fosse ao 31. História?

A GNR de Alcobaça, nos anos sessenta, como me recordou Hermínio Oliveira, chegou a receber mandados para prender o Gen. Delgado, quando viesse à sua casa na Cela Velha. Com esse objetivo chegaram a sair algumas patrulhas, integrando-se nelas o sold. Hermínio. O Gen. Delgado foi por elas visto a entrar ou sair de casa, mas, respeitando-o (nunca perdeu de vista o sentido hierárquico e da autoridade), a patrulha da GNR não tomou qualquer iniciativa e ao regressar ao Posto, e tendo de apresentar o respetivo relatório escrito, fazia consignar que a pessoa em causa, não fora vista  nem encontrada.
Estes mandatos, expedidos do Tribunal de Alcobaça, repetiam-se ciclicamente, mas Oliveira reclama-se de nunca ele ou o Posto terem tomado atitude, relativamente ao Gen. Delgado, que independentemente de se saber ser um político da oposição (isto é contra a situação, que a GNR defendia), era considerado, antes do mais, uma pessoa de bem, de respeito, um oficial, uma autoridade  importante e respeitável.

A GNR não procedia desta maneira (respeitosa), para com toda a gente.
Embora não fosse prática publicamente assumida  pelos comandos ou subalternos, a corporação utilizava com frequência meios musculados.
Há mais de 50 anos, era conhecido na GNR da vila, um indivíduo, que embriagado (mas nem sempre nesse estado), seviciava a mulher. Esta ia queixar-se ao Posto e exibir as marcas negras no rosto, cabeça, tórax ou peito. A GNR, lavrava o auto e mandava-o para o Tribunal. A mulher entretanto perdoava-lhe até à próxima, que não demorava a acontecer. Um dia, a mulher apareceu no Posto a contar, que o marido tentara mete-la dentro do forno aceso, quando estava a cozer o pão. A mulher salvou-se, mas, ficou com os cabelos, rosto e roupa bastante chamuscados e em pânico. Trazido o marido ao Posto, foi mais uma vez enviado ao Tribunal, escoltado pelo sold. Hermínio. O juiz após o ouvir, chamou o agente de parte, a quem disse para levarem o homem de volta para o Posto, façam-lhe justiça, depois o mandem-no embora, pois que, quaisquer novas condenações, já não produzem efeito. A prisão, em vez de o endireitar, ainda o faz mais malandro.
Hermínio Oliveira levou o homem para o Posto, e apresentou o caso ao Sarg. Barbosa. Este começou por po-lo de joelhos e dar-lhe alguns safanões e tabefes bem aviados. Em seguida, disse-lhe de dedo em riste que tomasse bem nota, pois queria que nunca mais a mulher apresentasse queixa no Posto e que para que isso não voltasse a acontecer, por via de dúvidas, que mudasse de Concelho, não mais chateasse a GNR de Alcobaça, nunca mais lhe batesse, pois que se ela fosse lá, não havia quem lhe valesse, ele ficava definitivamente estendido no chão.
Ao ouvir isto, o homem tomou finalmente consciência da situação, saiu do Posto com um valente pontapé no traseiro, perante a galhofa e uma assuada dos guardas, a correr em direção ao consultório do Dr. João d’ Oliva Monteiro (ao fundo da rua e na esquina), tanto que até as abas do casaco se abriam como as asas de um pombo. Remédio santo, nunca mais a mulher apareceu no Posto. Para Oliveira, esses tratamentos eram eficazes, davam resultado, mas reconhece que hoje não podiam ser aceites, o que é uma pena….
As denúncias de espancamentos em esquadras tem vindo a diminuir em Portugal, de acordo com dados da Amnistia Internacional.
A cultura da bofetada tem vindo a cair em desuso, sem prejuízo de muito investigador considerar que a ameaça (eventualmente com arma) é ainda um excelente instrumento para arrancar uma confissão (a rainha das provas).
Voltando a Hermínio Oliveira, contou-me o caso de um agricultor de Turquel que apresentou queixa na GNR que numa noite lhe tinham roubado duas vacas. O Posto, transmitiu de imediato a informação, por telégrafo, ao Comando Geral, em Lisboa, o qual, por sua vez, a difundiu pelos demais Postos do País, dando instruções para que, nas feiras de gado e matadouros fosse averiguado, se eram encontradas algumas vacas, com as características que o queixoso tinha indicado.
Na Feira da Malveira, cerca de uma semana depois, foram encontrados dois animais, com características muito semelhantes aos que tinham sido furtados em Turquel. Quando a GNR local se aproximou dos dois indivíduos que estavam com os animais e se preparavam para os vender, um deles conseguiu fugir, enquanto que o outro, foi segurado por populares que, tendo percebido o que se passava, quiseram ajudar a autoridade. A GNR da Malveira,  transmitiu a Alcobaça o que tinha ocorrido, que se encontrava detido um indivíduo, pelo que seria conveniente, que o queixoso se deslocasse até lá, para confirmar a situação e reconhecer o gado.
O turquelense reconheceu de imediato o gado e a chorar de alegria, alugou uma camioneta para o trazer de volta. O detido veio com a GNR para Alcobaça, mas de jeep.
Chegado, iniciou-se o seu interrogatório pelo Sarg. Barbosa, que fungou e arregaçou as mangas. O homem começou por defender-se, dizendo que os animais tinham sido comprados por ele e um amigo, a um cigano que não conheciam. Como o Sarg. Barbosa não ficasse nada convencido, o homem continuou detido no Posto, onde durante o dia ia sendo interrogado mais ou menos musculadamente, às refeições comia o que vinha do Asilo em marmitas de alumínio, à noite era mandado para o calabouço, onde apenas havia um estrado em madeira sem colchão ou lençóis e com um simples cobertor. Barba não podia fazer e, para o resto, havia apenas um balde, que exalava um odor nauseabundo. Ao fim de três dias e duas noites, cerca das 2 da manhã, o homem cedeu, dizendo ao guarda de plantão para chamar o Comandante, pois que a manter-se mais tempo naquela situação, não aguentaria, acabaria por morrer, pelo que se dispunha a confessar tudo o que se tinha passado. E confessou.

Para Salazar, a violência deveria ser racional e metodicamente praticada, com serenidade e a prudência capazes de assegurar a continuação da obra e de desviar as complicações a que a prejudiquem ou tornem impossível.
Em Alcobaça, como em muitos outros pontos do País, os sargentos barbosas, tinham um desmedido zelo, não dispensando uns safanões a tempo quando, no seu discricionário entendimento, supunham necessário.
A vida de um GNR não era fácil segundo Oliveira, graças ao pequeno ordenado, que não permitia romantismos. As patrulhas faziam-se a pé, normalmente, uma média de 20km por dia ou noite, independentemente do bom ou mau tempo ao longo da estrada. O combustível para o único jeep faltava com frequência, por ausência de verba e os vendedores de combustível da vila, não fiavam. Nessas circunstâncias, tinham que ser os queixosos a pagar a despesa das deslocações.

Hermínio Oliveira reconhece que o comportamento das polícias (PSP e GNR) no interior do Posto, era muitas vezes arbitrário.
Havia que cumprir, sem discutir, ordens incutidas alegadamente em defesa do Regime, da moral ou dos bons costumes.
Oliveira recordou-me incidentes que a GNR teve nos anos sessenta com os pastores que tinham rebanhos de cabras e abundavam na zona de Pisões, Martingança e Pataias e que entravam sem respeito nas propriedades privadas, onde destruíam culturas, pomares e vinha. As cabras devoravam avidamente cachos ou parras, mesmo verdes. Assim, perante inúmeras queixas, a GNR passou a ter instruções para pôr cobro a esses abusos, usando da competência para levantar autos da infração. De acordo com a Postura Municipal de Alcobaça, a infração era punida com uma multa de 160$00, o que era bem o valor de um ou dois cabritos. A partir de então e no exercício da função, Hermínio Oliveira e demais colegas, passaram a autuar com alguma impunidade os cabreiros, de quem não recusavam receber ofertas como cabritos, vinho, azeite ou até bacalhau.

O Sarg. Barbosa, deixou recordações, nem sempre pelos melhores ou mais honrosos motivos, que Meneses não gostava de invocar.
Era pessoa controversa, com amigos e muitos inimigos, e fama de durão, inclusivé com os subordinados, a quem agredia em assomos de mau génio e cólera. Obrigava os homens a marchas e patrulhas pesadas, a pequenos serviços (particulares e em seu proveito), à continência sempre se cruzava com qualquer um. Com os detidos ou nas averiguações, não recusava utilizar os meios mais suasórios, como dizia doutamente e que julgava adequados aos importantes fins a que se propunha.

A GNR, de Alcobaça, além do policiamento e da manutenção da ordem nas zonas rurais, tinha instruções para fiscalizar a atividade da oposição.
Os agentes chegavam a usar roupas civis como disfarce, para entrar em tabernas e outros locais de convívio, controlar os elementos tidos por afetos à oposição, saber quem ouvia a Rádio Moscovo ou a Rádio Argel, lia material proibido ou dizia mal do regime.
Entre os que a GNR controlava, Oliveira lembra-se de um pobre diabo, um tal Eurico Carnada, indigente que vivia junto ao Posto, aonde tinha de se apresentar mensalmente, nunca soube porquê, talvez por falar imprevidentemente com os copos. Mas este, quando calhava ou estava embriagado, esquecia-se de o fazer. Mas o soldado Hermínio Oliveira, que simpatizava com ele, assumia a responsabilidade de registar a apresentação, como se tivesse sido feita.
Além deste, outros havia em Alcobaça, políticos  conhecidos e respeitados que, também, se tinham de apresentar com regularidade no Posto.

Voltando a Hermínio Oliveira e tendo em conta algumas entrevistas que tive com ele, contou-me que enquanto prestou serviço na GNR, sempre manteve boas relações com os funcionários do Tribunal, Magistrados e Advogados, que em geral não interferiam, nem punham em questão (parecia acharem admissível…) a forma de trabalhar do Posto. Raro era um advogado estar presente no Posto aquando de um interrogatório. Poucas pessoas se preocupavam ou mesmo alarmavam com essa modernice de direitos fundamentais.
Destaca entre os 3 ou 4 advogados que então trabalhavam na comarca, o Dr. Amílcar P. Magalhães, com quem se deu sempre muito bem, pois era pessoa que respeitava, se dava ao respeito e até mandava uns presentezinhos ao Posto, por alturas do Natal. Por várias vezes, em serviço de patrulha encontrou-se com o Dr. Magalhães, nos Montes, que o convidava para visitar a adega e servir-se do tinto, o que não recusava.

NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS



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