A GNR DE ALCOBAÇA E OS MÉTODOS MUSCULADOS.
O SARG. BARBOSA, OS SOLDADOS HERRMÍNIO OLIVEIRA E JOAQUIM MENESES.
A DEEFESA DO REGIME.
O RESPEITO PELOS SUPERIORES AINDA QUE DA OPOSIÇÃO (GEN. H. DELGADO)
O
antigo GNR, Hermínio de Oliveira, industrial de recauchutagem e venda de pneus,
é uma personalidade estruturalmente diferente de Joaquim Meneses, de quem já
falei.
Tem
saudades do exercício da autoridade à moda antiga, ao invés de Meneses que era
pessoa de bom trato, alegadamente incapaz de lidar com a rudeza da profissão,
de tratar uma pessoa a bofetão ou pontapé.
Quando
Oliveira constituiu em Alcobaça, já lá vão bastantes anos, uma Sociedade de
Recauchutagem e Venda de Pneus (inicialmente teve o nome de Recauchutagem 31),
foi, segundo me contou, buscar o nome ao facto de ficar sediada numa zona
conhecida pelos alcobacenses, como o 31. Este nome segundo me disse, vem do
tempo em que, em Alcobaça, existiu um quartel instalado no Mosteiro. Ora, onde
havia magalas, havia meninas que faziam a
vida. Uma ocasião, uma dessas meninas,
fez constar garbosamente que, na
noite anterior ali tinha despachado,
nada menos, que 31 magalas. A expressão correu célere e o lugar que era um
olival nada frequentado, passou a ser conhecido pelo 31 pelo que doravante em
Alcobaça se se perguntasse onde se
poderia arranjar uma menina, era-lhe
dito que fosse ao 31. História?
A GNR
de Alcobaça, nos anos sessenta, como me recordou Hermínio Oliveira, chegou a
receber mandados para prender o Gen. Delgado, quando viesse à sua casa na Cela
Velha. Com esse objetivo chegaram a sair algumas patrulhas, integrando-se nelas
o sold. Hermínio. O Gen. Delgado foi por elas visto a entrar ou sair de casa,
mas, respeitando-o (nunca perdeu de vista o sentido hierárquico e da
autoridade), a patrulha da GNR não tomou qualquer iniciativa e ao regressar ao
Posto, e tendo de apresentar o respetivo relatório escrito, fazia consignar que
a pessoa em causa, não fora vista nem encontrada.
Estes
mandatos, expedidos do Tribunal de Alcobaça, repetiam-se ciclicamente, mas
Oliveira reclama-se de nunca ele ou o Posto terem tomado atitude, relativamente
ao Gen. Delgado, que independentemente de se saber ser um político da oposição
(isto é contra a situação, que a GNR defendia), era considerado, antes do mais,
uma pessoa de bem, de respeito, um oficial, uma autoridade importante e respeitável.
A GNR
não procedia desta maneira (respeitosa), para com toda a gente.
Embora
não fosse prática publicamente assumida pelos comandos ou subalternos, a corporação utilizava
com frequência meios musculados.
Há
mais de 50 anos, era conhecido na GNR da vila, um indivíduo, que embriagado (mas
nem sempre nesse estado), seviciava a mulher. Esta ia queixar-se ao Posto e
exibir as marcas negras no rosto, cabeça, tórax ou peito. A GNR, lavrava o auto
e mandava-o para o Tribunal. A mulher entretanto perdoava-lhe até à próxima,
que não demorava a acontecer. Um dia, a mulher apareceu no Posto a contar, que
o marido tentara mete-la dentro do forno aceso, quando estava a cozer o pão. A
mulher salvou-se, mas, ficou com os cabelos, rosto e roupa bastante chamuscados
e em pânico. Trazido o marido ao Posto, foi mais uma vez enviado ao Tribunal,
escoltado pelo sold. Hermínio. O juiz após o ouvir, chamou o agente de parte, a
quem disse para levarem o homem de volta para o Posto, façam-lhe justiça, depois o
mandem-no embora, pois que, quaisquer novas condenações, já não produzem
efeito. A prisão, em vez de o endireitar, ainda o faz mais malandro.
Hermínio
Oliveira levou o homem para o Posto, e apresentou o caso ao Sarg. Barbosa. Este
começou por po-lo de joelhos e dar-lhe alguns safanões e tabefes bem aviados. Em seguida, disse-lhe de
dedo em riste que tomasse bem nota, pois queria que nunca mais a mulher apresentasse queixa no Posto e que para que
isso não voltasse a acontecer, por via de dúvidas, que mudasse de Concelho, não
mais chateasse a GNR de Alcobaça, nunca mais lhe batesse, pois que se ela fosse
lá, não havia quem lhe valesse, ele ficava definitivamente estendido no chão.
Ao ouvir
isto, o homem tomou finalmente consciência da situação, saiu do Posto com um
valente pontapé no traseiro, perante a galhofa e uma assuada dos guardas, a
correr em direção ao consultório do Dr. João d’ Oliva Monteiro (ao fundo da rua
e na esquina), tanto que até as abas do
casaco se abriam como as asas de um pombo. Remédio santo, nunca mais a
mulher apareceu no Posto. Para Oliveira, esses tratamentos eram eficazes, davam
resultado, mas reconhece que hoje não podiam ser aceites, o que é uma pena….
As
denúncias de espancamentos em esquadras tem vindo a diminuir em Portugal, de
acordo com dados da Amnistia Internacional.
A cultura
da bofetada tem vindo a cair em desuso, sem prejuízo de muito investigador
considerar que a ameaça (eventualmente com arma) é ainda um excelente
instrumento para arrancar uma confissão (a rainha das provas).
Voltando
a Hermínio Oliveira, contou-me o caso de um agricultor de Turquel que
apresentou queixa na GNR que numa noite lhe tinham roubado duas vacas. O Posto,
transmitiu de imediato a informação, por telégrafo, ao Comando Geral, em
Lisboa, o qual, por sua vez, a difundiu pelos demais Postos do País, dando
instruções para que, nas feiras de gado e matadouros fosse averiguado, se eram
encontradas algumas vacas, com as características que o queixoso tinha
indicado.
Na
Feira da Malveira, cerca de uma semana depois, foram encontrados dois animais,
com características muito semelhantes aos que tinham sido furtados em Turquel.
Quando a GNR local se aproximou dos dois indivíduos que estavam com os animais
e se preparavam para os vender, um deles conseguiu fugir, enquanto que o outro,
foi segurado por populares que, tendo percebido o que se passava, quiseram
ajudar a autoridade. A GNR da Malveira,
transmitiu a Alcobaça o que tinha ocorrido, que se encontrava detido um
indivíduo, pelo que seria conveniente, que o queixoso se deslocasse até lá,
para confirmar a situação e reconhecer o gado.
O
turquelense reconheceu de imediato o gado e a chorar de alegria, alugou uma
camioneta para o trazer de volta. O detido veio com a GNR para Alcobaça, mas de
jeep.
Chegado,
iniciou-se o seu interrogatório pelo Sarg. Barbosa, que fungou e arregaçou as
mangas. O homem começou por defender-se, dizendo que os animais tinham sido
comprados por ele e um amigo, a um cigano que não conheciam. Como o Sarg.
Barbosa não ficasse nada convencido, o homem continuou detido no Posto, onde
durante o dia ia sendo interrogado mais ou menos musculadamente, às refeições comia o que vinha do Asilo em marmitas
de alumínio, à noite era mandado para o calabouço, onde apenas havia um estrado
em madeira sem colchão ou lençóis e com um simples cobertor. Barba não podia
fazer e, para o resto, havia apenas
um balde, que exalava um odor nauseabundo. Ao fim de três dias e duas noites,
cerca das 2 da manhã, o homem cedeu,
dizendo ao guarda de plantão para chamar o Comandante, pois que a manter-se
mais tempo naquela situação, não aguentaria, acabaria por morrer, pelo que se
dispunha a confessar tudo o que se tinha passado. E confessou.
Para
Salazar, a violência deveria ser racional e metodicamente praticada, com serenidade e a prudência capazes de
assegurar a continuação da obra e de desviar as complicações a que a
prejudiquem ou tornem impossível.
Em
Alcobaça, como em muitos outros pontos do País, os sargentos barbosas, tinham
um desmedido zelo, não dispensando uns safanões
a tempo quando, no seu discricionário entendimento, supunham necessário.
A vida
de um GNR não era fácil segundo Oliveira, graças ao pequeno ordenado, que não
permitia romantismos. As patrulhas faziam-se a pé, normalmente, uma média de
20km por dia ou noite, independentemente do bom ou mau tempo ao longo da
estrada. O combustível para o único jeep faltava com frequência, por ausência
de verba e os vendedores de combustível da vila, não fiavam. Nessas circunstâncias, tinham que ser os queixosos a pagar
a despesa das deslocações.
Hermínio
Oliveira reconhece que o comportamento das polícias (PSP e GNR) no interior do
Posto, era muitas vezes arbitrário.
Havia
que cumprir, sem discutir, ordens incutidas alegadamente em defesa do Regime, da moral ou dos bons
costumes.
Oliveira
recordou-me incidentes que a GNR teve nos anos sessenta com os pastores que tinham
rebanhos de cabras e abundavam na zona de Pisões, Martingança e Pataias e que
entravam sem respeito nas propriedades privadas, onde destruíam culturas,
pomares e vinha. As cabras devoravam avidamente cachos ou parras, mesmo verdes.
Assim, perante inúmeras queixas, a GNR passou a ter instruções para pôr cobro a
esses abusos, usando da competência para levantar autos da infração. De acordo
com a Postura Municipal de Alcobaça, a infração era punida com uma multa de
160$00, o que era bem o valor de um ou dois cabritos. A partir de então e no
exercício da função, Hermínio Oliveira e demais colegas, passaram a autuar com
alguma impunidade os cabreiros, de quem não recusavam receber ofertas como cabritos, vinho, azeite ou
até bacalhau.
O
Sarg. Barbosa, deixou recordações, nem sempre pelos melhores ou mais honrosos
motivos, que Meneses não gostava de invocar.
Era
pessoa controversa, com amigos e muitos inimigos, e fama de durão, inclusivé com os subordinados, a quem agredia em assomos de
mau génio e cólera. Obrigava os homens a marchas e patrulhas pesadas, a
pequenos serviços (particulares e em seu proveito), à continência sempre se
cruzava com qualquer um. Com os detidos ou nas averiguações, não recusava
utilizar os meios mais suasórios, como
dizia doutamente e que julgava adequados aos
importantes fins a que se propunha.
A GNR,
de Alcobaça, além do policiamento e da manutenção da ordem nas zonas rurais,
tinha instruções para fiscalizar a atividade da oposição.
Os
agentes chegavam a usar roupas civis como disfarce, para entrar em tabernas e
outros locais de convívio, controlar os elementos tidos por afetos à oposição,
saber quem ouvia a Rádio Moscovo ou a Rádio Argel, lia material proibido ou
dizia mal do regime.
Entre
os que a GNR controlava, Oliveira lembra-se de um pobre diabo, um tal Eurico
Carnada, indigente que vivia junto ao Posto, aonde tinha de se apresentar
mensalmente, nunca soube porquê, talvez por falar imprevidentemente com os copos. Mas este, quando calhava ou
estava embriagado, esquecia-se de o fazer. Mas o soldado Hermínio Oliveira, que
simpatizava com ele, assumia a responsabilidade de registar a apresentação,
como se tivesse sido feita.
Além
deste, outros havia em Alcobaça, políticos conhecidos e respeitados que, também, se
tinham de apresentar com regularidade no Posto.
Voltando
a Hermínio Oliveira e tendo em conta algumas entrevistas que tive com ele,
contou-me que enquanto prestou serviço na GNR, sempre manteve boas relações com
os funcionários do Tribunal, Magistrados e Advogados, que em geral não
interferiam, nem punham em questão (parecia acharem admissível…) a forma de trabalhar
do Posto. Raro era um advogado estar presente no Posto aquando de um
interrogatório. Poucas pessoas se preocupavam ou mesmo alarmavam com essa modernice de direitos fundamentais.
Destaca
entre os 3 ou 4 advogados que então trabalhavam na comarca, o Dr. Amílcar P. Magalhães,
com quem se deu sempre muito bem, pois era pessoa que respeitava, se dava ao
respeito e até mandava uns presentezinhos ao Posto, por alturas do Natal. Por
várias vezes, em serviço de patrulha encontrou-se com o Dr. Magalhães, nos
Montes, que o convidava para visitar a adega e servir-se do tinto, o que não
recusava.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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