PPD, MDP/CDE e OUTROS ABREM PORTAS (E SAIEM À RUA).
O RECENSEAMENTO.
Alcobaça no pós 25 de Abril.
Fleming de Oliveira
Em breve, o PPD estava a lançar-se pelo Concelho de
Alcobaça.
Os seus dirigentes e militantes participavam ativamente
no Recenseamento Eleitoral, com
destaque para o muito mexido e voluntarioso Miguel Damásio, numa comissão
presidida por José Maria Cascão, do MDP, e negociavam a constituição das
Comissões Administrativas para a Câmara e Juntas de Freguesia, contra as manipulações
do PC, MDP/CDE, com a cobertura do Governo Civil e do MAI.
Registem-se, os resultados finais do recenseamento para
as eleições para a Assembleia Constituinte que no Concelho de Alcobaça, deu
34.094 pessoas, quando antes do 25 de Abril se limitava a 10.793.
Vejamos, por freguesias, o resultado do recenseamento de
1974/1975.
Alcobaça: 3.514;
Alpedriz (ao tempo incluía Montes): 1.163; Alfeizerão:
2.737;
Bárrio: 1.005;
Benedita: 3.669;
Cela: 2.303;
Cós: 1.393;
Évora de Alcobaça: 2.982;
Maiorga: 1.553;
Pataias (ao tempo incluía a Moita e Martingança): 4.561;
Prazeres de Aljubarrota: 2.096;
S. Martinho do Porto: 1.211;
S. Vicente de Aljubarrota: 1.277;
Turquel: 2.339;
Vestiaria: 895;
Vimeiro: 1.366.
Na noite de sexta feira, 8 de novembro de 1974, no Salão
Paroquial da Benedita, com boa participação, reuniu-se a CA da CMA com a
população para se estudarem problemas relacionados com as infraestruturas
locais, sempre presente a questão da água, bem como dar posse à Junta de
Freguesia, já homologada pelo MAI, cujos membros António Guerra Madaleno,
presidente, Manuel Bento de Sousa, secretário e António Pimenta Mendes,
tesoureiro, prestaram o respetivo juramento, destacando a importância do ato e
as dificuldades que esperavam para cumprir
tão honrosa e nobre missão.
Em 14 de dezembro, o PPD de Alcobaça, não sem algum
nervosismo, fez a sua primeira sessão de esclarecimento no Salão da Associação
Recreativa dos Montes, com cerca de 600 pessoas a assistir, em cuja localidade
havia, desde a primeira hora, um grupo destemido, sempre disponível e
desinteressado. Era tão forte a relação de cumplicidade existente entre os
companheiros dos Montes, os da concelhia de Alcobaça e a própria Distrital de
Leiria que, durante anos, não houve nenhuma campanha eleitoral, cujo início ou
encerramento, se não processasse nos Montes, sem esquecer a deslocação a uma
adega. Note-se, isto no tempo em que ainda se fazia bom vinho nos Montes que
nada tinha de comum com um que a Adega Cooperativa de Alcobaça, mais tarde
comercializou sob esse nome.
Usaram da palavra, o médico em Leiria Carrilho Vilhena ,
o prof. Sapinho, o engenheiro
agrónomo/silvicultor Silva Carvalho, o advogado Fleming de Oliveira e o
agricultor local Firmino Franco, muito doutoral, a preparar a sua candidatura
como deputado suplente à Assembleia Constituinte e que gostava de dizer que até
ensinava a engenheiros agrónomos… e outros que viessem.
A falta de formação política dos portugueses em geral e
dos próprios oradores em particular era notória e, Alcobaça verdade seja dita,
não era exceção. Os comícios, as sessões de esclarecimento, os debates
promovidos pelos partidos e concretamente pelo PPD, mas nos outros partidos não
seria diferente, da Benedita a Pataias, nas salas das associações recreativas e
escolas, mesmo assim entraram no dia a dia, e de quem habitava o Concelho. Saíamos depois do jantar, em um ou dois
carros e regressávamos quando calhava, cansados mas exaltados, algumas vezes
bem bebidos, até porque raramente nos deixavam sair, sem passar pela adega a
experimentar o tinto dos amigos.
Campanha sem
promessas não dá votos, costumava dizer
Miguel Damásio e passou repetir-se com suposto realismo, mas alguma ligeireza.
Nessas sessões, não apenas do PPD, muitos se sentiam com
a vocação de tribunos, poucas vezes se ouvia a análise serena da realidade
concreta e se falava de propostas de solução, possível e realista, para as
deficiências e males do País e sociedade. O que acontecia então? Mais
afirmações e promessas para deslumbrar ou falar, que capacidade na realização
do bem comum, por vezes mais ânsia de prestígio pessoal e partidário, que
espírito de serviço. Ora gerir um País em crise ou mudança, não se compadece
com puros estados de alma, tão ao gosto dos teóricos ou utópicos, exige
profissionalismo, experiência e competência. Se promessas enchessem barriga,
por essa altura o país ficava atestado por uns meses. Novos líderes políticos
não aparecem de um dia para o outro, pois não
fora assim iriam buscar-se à Bordalo Pinheiro, de Caldas da Rainha, como
diz Mário Soares.
O que fica na retina e na memória, pelo que se viu e
ouviu, nesse tempo, vai além desta imagem aparentemente triste e empobrecida..
As campanhas eleitorais seriam uma boa ocasião para debate. Mas não era o caso.
Não se pense que a respeitar os outros candidatos não se ganham eleições. Para
ganhar e para perder é preciso dignidade e só esta vai para além do ato
eleitoral. Ao fim de algum tempo, em Alcobaça percebeu-se isto no PPD, mesmo
quando não se ganharam eleições.
Era uma experiência nova, que criou familiaridade e
laços que perduram ainda hoje. E um acontecimento inicialmente tão só político,
tornou-se também de certo modo cultural, senão de diversão, desconhecido no
País.
Ir ouvir o PPD ou mesmo outra força política entrou nos
hábitos de muita gente e, por isso, também se dizia, que Portugal era o País com maior atividade política da
Europa. O PPD de Alcobaça chegava a segunda feira de manhã cansado, depois
de uma agenda violenta, que muitas vezes começava ao fim da tarde de sexta e
acabava de madrugada de domingo, poucas horas de sono, doses repetidas, de
apertos de mão, alguns beijos, sovas de abraços e palmadas nas costas,
discursos mais ou menos serenos ou empolgados, visita a adegas, simular uma
inesgotável energia para colaboradores e militantes não desmobilizarem, pois
não se podia aparecer cansado, a obrigação de estar atento e concentrado, sem
stress e ansiedade.
Nas primeiras saídas de campanha, era patente a falta de
experiência de alguns. Gonçalves Sapinho e Fleming de Oliveira ainda não
estavam muito à vontade, um pouco ao contrário de Silva Carvalho. Gonçalves
Sapinho aproximava-se das pessoas e cumprimentava-as com um sorriso,
circunstancialmente professoral. Alguns comentavam inclusivamente na Benedita,
mas sub-repticiamente, que se assumia como um professor sabichão, com
conhecimentos em Lisboa, convencido que sabia mais que toda a gente e que só
dele podia vir a solução perfeita. Só dava um beijo a quem tomava iniciativa de
o fazer e o primeiro cumprimento era um simples aperto de mão, mas era o
bastante para ser recebido com simpatia. Fleming de Oliveira, ligeiramente mais
novato em Alcobaça, ficava-se por vezes com um boa noite, como vai isso? Posso entregar-lhe isto? (o isto, era um
panfleto de propaganda partidária). Silva Carvalho era mais loquaz e afável e
que parecia mais descontraído. Mas às vezes revelava alguma impaciência que,
com o tempo se foi, acentuando. Nessa altura, utilizava um expediente que
resultava muitas vezes, como ensinou a Fleming de Oliveira. Quando tinha de
conversar com uma pessoa que não lhe interessava, começava por lhe pedir
desculpa e dizia que era um pouco surdo…
Segundo António Rainho, as nossas sessões de esclarecimento eram muito frequentadas, mas o
nosso querido militante número um, Engº. Silva Carvalho, era um bom estimulante
ao sono. Eram sempre tão longas as suas conversas que, ainda que muito
interessantes e objetivas, faziam dormir muitas das pessoas presentes.
Os outros partidos não deixavam de realizar, ao longo do
Concelho, as suas sessões de esclarecimento e de tentar o assalto ao poder
político e não só. O PC também foi aos Montes fazer uma, na Associação
Recreativa. Se as eleições ou a gestão da vida em sociedade fosse um concurso de
retórica, muito provavelmente seria o PC a ganhar o prémio. Com alguma
assertividade, dizia-se na direita, que o PC tinha militantes e sindicalistas
tão preparados e competentes que estudavam Marx, enquanto bebiam uma imperial
com amendoins ou tremoços… Embora o PC não encontrasse aí muitos adeptos, a
casa encontrava-se composta, pois ainda havia curiosidade em saber o que iria
dizer e como se apresentava, nomeadamente por parte do pessoal afeto ao PPD,
ainda que muitos fossem apenas meros simpatizantes. Os discursos foram
iniciados, com cuidado de modo a não ferir suscetibilidades e à defesa.
Acontece que nem por isso, os companheiros dos Montes, recusaram deixar a
marca, passar em branco a oportunidade, pelo que uma bomba de enxofre a arder
foi colocada, ao que se diz, a mando ou pessoalmente por Ildefonso Salgueiro,
debaixo do palco, pelo que os oradores comunistas ficaram com os olhos
inflamados e com dificuldade em respirar, o que implicou a imediata e
definitiva suspensão da sessão.
Quando ocorreu o 25 de Abril, Fernando Loureiro, pessoa
respeitada e estimada, era o Regedor nos Montes. O MDP/CDE, pretendeu todavia
que fosse saneado e substituído por Rogério Salteiro, esse democrata mas em
casa, ao que se dizia.
Por sua vez, o MDP/CDE, em 3 de janeiro de 1975, pelas
21h, com público proveniente de várias partes do Distrito, levou a cabo a sua
primeira sessão de esclarecimento, no Cineteatro de Alcobaça. A sessão foi
presidida por João Lameiras de Figueiredo, ocupando ainda a Mesa membros da
Comissão Executiva Concelhia, membros da Comissão da Freguesia de Alcobaça, a
Delegada Distrital de Leiria e um membro da Comissão Concelhia da Nazaré, e
contou com a presença dos habituais Carlos Mota, Custódio Maldonado Freitas,
Henrique Neto, José Vareda, Maria Olímpia Lameiras de Figueiredo, Ofélia
Moleiro e Orlando de Carvalho, terminou cerca de 1h, depois de debate com a
participação do público.
Dias antes, a 21 de dezembro, o MDP/CDE, realizou o seu
primeiro plenário concelhio de aderentes-fundadores, contando com a presença de
alguns simpatizantes e mesmo observadores, entre os quais Manuel Campos.
Foram escolhidos para a
COMISSÃO CONCELHIA:
Artur Faria Borda, comerciante;
Jorge Manuel Nogueira Silvestre, agrónomo;
Maria Ilda Lameiras de Figueiredo, industrial termal.
COMISSÃO EXECUTIVA CONCELHIA:
António Luís Ventura, guarda-livros;
Basílio José Martins, estudante;
Eduardo Vieira Coelho, engenheiro-técnico;
Jorge Manuel Neves Vasco, funcionário do CNEFF;
Maria Olímpia Lameiras de Figueiredo, investigadora.
COMISSÃO DA FREGUESIA DE ALCOBAÇA:
António Nabais Pinheiro, bancário;
Ilda Fragata, doméstica;
João Lameiras de Figueiredo, médico;
José Manuel Pereira de Almeida, empregado de escritório;
Juliano dos Santos Calçada, operário cerâmico;
E João Campos Pereira Trindade, comerciante.
A CDE, foi uma organização política bastante ativa
durante o período que precedeu o 25 de Abril, surgida em 1969, como uma
coligação eleitoral, com a finalidade de concorrer às eleições legislativas.
Entre os seus fundadores e dirigentes destacaram-se Luís Catarino, António
Redol, José Manuel Tengarrinha e Helena Cidade Moura.
As CDE tinham sido formadas na sequência do II Congresso
da Oposição Democrática, reunido na cidade de Aveiro, entre 15 e 17 de maio, no
período marcelista, quando a oposição tinha algumas expectativas sobre a
anunciada abertura do regime.
Em setembro de 1969, foram também criadas as
CEUD-Comissões Eleitorais de Unidade Democrática, onde pontificava Mário
Soares, por intermédio da Ação Socialista Portuguesa, em desacordo com as CDE.
Esta divisão, no entanto, só se veio a verificar em Lisboa, no Porto com Mário
Cal Brandão, Artur Santos Silva (Pai) e outros e em Braga, não se estendendo ao
resto do país.
No pós-25 de Abril, o MDP/CDE, que se radicalizara,
esteve presente nos governos provisórios, exceto no VI, e aliou-se nas eleições
ao PC, com quem mantinha grande afinidade, na coligação APU-Aliança do Povo
Unido. Esta coligação não se manteve, devido a divergências entre as partes, e
nas eleições de 1987, o MDP/CDE já não figurava na coligação CDU. Tempos
depois, por entender que a sua existência deixara de ter sentido, o partido
auto-extinguiusse.
O MDP/CDE, inaugurou a 21 de fevereiro de 1975, a sua sede em
Alcobaça, na Rua Eng.º Duarte Pacheco. Para assinalar o ato, foi apresentada a
peça O Canto do Papão Lusitano, de Peter Weiss, representado pelo Conjunto
Cénico Caldense. A sessão teve a presença de poucos espectadores, entre os
quais José Tempero (PPD), que não se sentiram atraídos pelo ousado título da
peça, nem pela saída numa noite de mau tempo.
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