terça-feira, 22 de abril de 2014

PPD, MDP/CDE e OUTROS ABREM PORTAS (E SAIEM À RUA). O RECENSEAMENTO. Alcobaça no pós 25 de Abril.


 

PPD, MDP/CDE e OUTROS ABREM PORTAS (E SAIEM À RUA).
O RECENSEAMENTO.
Alcobaça no pós 25 de Abril.




Fleming de Oliveira

Em breve, o PPD estava a lançar-se pelo Concelho de Alcobaça.
Os seus dirigentes e militantes participavam ativamente no Recenseamento Eleitoral, com destaque para o muito mexido e voluntarioso Miguel Damásio, numa comissão presidida por José Maria Cascão, do MDP, e negociavam a constituição das Comissões Administrativas para a Câmara e Juntas de Freguesia, contra as manipulações do PC, MDP/CDE, com a cobertura do Governo Civil e do MAI.
Registem-se, os resultados finais do recenseamento para as eleições para a Assembleia Constituinte que no Concelho de Alcobaça, deu 34.094 pessoas, quando antes do 25 de Abril se limitava a 10.793.
Vejamos, por freguesias, o resultado do recenseamento de 1974/1975.
Alcobaça: 3.514;
Alpedriz (ao tempo incluía Montes): 1.163; Alfeizerão: 2.737;
Bárrio: 1.005;
Benedita: 3.669;
Cela: 2.303;
Cós: 1.393;
Évora de Alcobaça: 2.982;
Maiorga: 1.553;
Pataias (ao tempo incluía a Moita e Martingança): 4.561;
Prazeres de Aljubarrota: 2.096;
S. Martinho do Porto: 1.211;
S. Vicente de Aljubarrota: 1.277;
Turquel: 2.339;
Vestiaria: 895;
Vimeiro: 1.366.

Na noite de sexta feira, 8 de novembro de 1974, no Salão Paroquial da Benedita, com boa participação, reuniu-se a CA da CMA com a população para se estudarem problemas relacionados com as infraestruturas locais, sempre presente a questão da água, bem como dar posse à Junta de Freguesia, já homologada pelo MAI, cujos membros António Guerra Madaleno, presidente, Manuel Bento de Sousa, secretário e António Pimenta Mendes, tesoureiro, prestaram o respetivo juramento, destacando a importância do ato e as dificuldades que esperavam para cumprir tão honrosa e nobre missão.

Em 14 de dezembro, o PPD de Alcobaça, não sem algum nervosismo, fez a sua primeira sessão de esclarecimento no Salão da Associação Recreativa dos Montes, com cerca de 600 pessoas a assistir, em cuja localidade havia, desde a primeira hora, um grupo destemido, sempre disponível e desinteressado. Era tão forte a relação de cumplicidade existente entre os companheiros dos Montes, os da concelhia de Alcobaça e a própria Distrital de Leiria que, durante anos, não houve nenhuma campanha eleitoral, cujo início ou encerramento, se não processasse nos Montes, sem esquecer a deslocação a uma adega. Note-se, isto no tempo em que ainda se fazia bom vinho nos Montes que nada tinha de comum com um que a Adega Cooperativa de Alcobaça, mais tarde comercializou sob esse nome.
Usaram da palavra, o médico em Leiria Carrilho Vilhena, o prof. Sapinho, o engenheiro agrónomo/silvicultor Silva Carvalho, o advogado Fleming de Oliveira e o agricultor local Firmino Franco, muito doutoral, a preparar a sua candidatura como deputado suplente à Assembleia Constituinte e que gostava de dizer que até ensinava a engenheiros agrónomos… e outros que viessem.
A falta de formação política dos portugueses em geral e dos próprios oradores em particular era notória e, Alcobaça verdade seja dita, não era exceção. Os comícios, as sessões de esclarecimento, os debates promovidos pelos partidos e concretamente pelo PPD, mas nos outros partidos não seria diferente, da Benedita a Pataias, nas salas das associações recreativas e escolas, mesmo assim entraram no dia a dia, e de quem habitava o Concelho. Saíamos depois do jantar, em um ou dois carros e regressávamos quando calhava, cansados mas exaltados, algumas vezes bem bebidos, até porque raramente nos deixavam sair, sem passar pela adega a experimentar o tinto dos amigos.
Campanha sem promessas não dá votos, costumava dizer Miguel Damásio e passou repetir-se com suposto realismo, mas alguma ligeireza.
Nessas sessões, não apenas do PPD, muitos se sentiam com a vocação de tribunos, poucas vezes se ouvia a análise serena da realidade concreta e se falava de propostas de solução, possível e realista, para as deficiências e males do País e sociedade. O que acontecia então? Mais afirmações e promessas para deslumbrar ou falar, que capacidade na realização do bem comum, por vezes mais ânsia de prestígio pessoal e partidário, que espírito de serviço. Ora gerir um País em crise ou mudança, não se compadece com puros estados de alma, tão ao gosto dos teóricos ou utópicos, exige profissionalismo, experiência e competência. Se promessas enchessem barriga, por essa altura o país ficava atestado por uns meses. Novos líderes políticos não aparecem de um dia para o outro, pois não fora assim iriam buscar-se à Bordalo Pinheiro, de Caldas da Rainha, como diz Mário Soares.

O que fica na retina e na memória, pelo que se viu e ouviu, nesse tempo, vai além desta imagem aparentemente triste e empobrecida.. As campanhas eleitorais seriam uma boa ocasião para debate. Mas não era o caso. Não se pense que a respeitar os outros candidatos não se ganham eleições. Para ganhar e para perder é preciso dignidade e só esta vai para além do ato eleitoral. Ao fim de algum tempo, em Alcobaça percebeu-se isto no PPD, mesmo quando não se ganharam eleições.
Era uma experiência nova, que criou familiaridade e laços que perduram ainda hoje. E um acontecimento inicialmente tão só político, tornou-se também de certo modo cultural, senão de diversão, desconhecido no País.
Ir ouvir o PPD ou mesmo outra força política entrou nos hábitos de muita gente e, por isso, também se dizia, que Portugal era o País com maior atividade política da Europa. O PPD de Alcobaça chegava a segunda feira de manhã cansado, depois de uma agenda violenta, que muitas vezes começava ao fim da tarde de sexta e acabava de madrugada de domingo, poucas horas de sono, doses repetidas, de apertos de mão, alguns beijos, sovas de abraços e palmadas nas costas, discursos mais ou menos serenos ou empolgados, visita a adegas, simular uma inesgotável energia para colaboradores e militantes não desmobilizarem, pois não se podia aparecer cansado, a obrigação de estar atento e concentrado, sem stress e ansiedade.

Nas primeiras saídas de campanha, era patente a falta de experiência de alguns. Gonçalves Sapinho e Fleming de Oliveira ainda não estavam muito à vontade, um pouco ao contrário de Silva Carvalho. Gonçalves Sapinho aproximava-se das pessoas e cumprimentava-as com um sorriso, circunstancialmente professoral. Alguns comentavam inclusivamente na Benedita, mas sub-repticiamente, que se assumia como um professor sabichão, com conhecimentos em Lisboa, convencido que sabia mais que toda a gente e que só dele podia vir a solução perfeita. Só dava um beijo a quem tomava iniciativa de o fazer e o primeiro cumprimento era um simples aperto de mão, mas era o bastante para ser recebido com simpatia. Fleming de Oliveira, ligeiramente mais novato em Alcobaça, ficava-se por vezes com um boa noite, como vai isso? Posso entregar-lhe isto? (o isto, era um panfleto de propaganda partidária). Silva Carvalho era mais loquaz e afável e que parecia mais descontraído. Mas às vezes revelava alguma impaciência que, com o tempo se foi, acentuando. Nessa altura, utilizava um expediente que resultava muitas vezes, como ensinou a Fleming de Oliveira. Quando tinha de conversar com uma pessoa que não lhe interessava, começava por lhe pedir desculpa e dizia que era um pouco surdo…
Segundo António Rainho, as nossas sessões de esclarecimento eram muito frequentadas, mas o nosso querido militante número um, Engº. Silva Carvalho, era um bom estimulante ao sono. Eram sempre tão longas as suas conversas que, ainda que muito interessantes e objetivas, faziam dormir muitas das pessoas presentes.

Os outros partidos não deixavam de realizar, ao longo do Concelho, as suas sessões de esclarecimento e de tentar o assalto ao poder político e não só. O PC também foi aos Montes fazer uma, na Associação Recreativa. Se as eleições ou a gestão da vida em sociedade fosse um concurso de retórica, muito provavelmente seria o PC a ganhar o prémio. Com alguma assertividade, dizia-se na direita, que o PC tinha militantes e sindicalistas tão preparados e competentes que estudavam Marx, enquanto bebiam uma imperial com amendoins ou tremoços… Embora o PC não encontrasse aí muitos adeptos, a casa encontrava-se composta, pois ainda havia curiosidade em saber o que iria dizer e como se apresentava, nomeadamente por parte do pessoal afeto ao PPD, ainda que muitos fossem apenas meros simpatizantes. Os discursos foram iniciados, com cuidado de modo a não ferir suscetibilidades e à defesa. Acontece que nem por isso, os companheiros dos Montes, recusaram deixar a marca, passar em branco a oportunidade, pelo que uma bomba de enxofre a arder foi colocada, ao que se diz, a mando ou pessoalmente por Ildefonso Salgueiro, debaixo do palco, pelo que os oradores comunistas ficaram com os olhos inflamados e com dificuldade em respirar, o que implicou a imediata e definitiva suspensão da sessão.
Quando ocorreu o 25 de Abril, Fernando Loureiro, pessoa respeitada e estimada, era o Regedor nos Montes. O MDP/CDE, pretendeu todavia que fosse saneado e substituído por Rogério Salteiro, esse democrata mas em casa, ao que se dizia.

Por sua vez, o MDP/CDE, em 3 de janeiro de 1975, pelas 21h, com público proveniente de várias partes do Distrito, levou a cabo a sua primeira sessão de esclarecimento, no Cineteatro de Alcobaça. A sessão foi presidida por João Lameiras de Figueiredo, ocupando ainda a Mesa membros da Comissão Executiva Concelhia, membros da Comissão da Freguesia de Alcobaça, a Delegada Distrital de Leiria e um membro da Comissão Concelhia da Nazaré, e contou com a presença dos habituais Carlos Mota, Custódio Maldonado Freitas, Henrique Neto, José Vareda, Maria Olímpia Lameiras de Figueiredo, Ofélia Moleiro e Orlando de Carvalho, terminou cerca de 1h, depois de debate com a participação do público.
Dias antes, a 21 de dezembro, o MDP/CDE, realizou o seu primeiro plenário concelhio de aderentes-fundadores, contando com a presença de alguns simpatizantes e mesmo observadores, entre os quais Manuel Campos.
Foram escolhidos para a
COMISSÃO CONCELHIA:
Artur Faria Borda, comerciante;
Jorge Manuel Nogueira Silvestre, agrónomo;
Maria Ilda Lameiras de Figueiredo, industrial termal.
COMISSÃO EXECUTIVA CONCELHIA:
António Luís Ventura, guarda-livros;
Basílio José Martins, estudante;
Eduardo Vieira Coelho, engenheiro-técnico;
Jorge Manuel Neves Vasco, funcionário do CNEFF;
Maria Olímpia Lameiras de Figueiredo, investigadora.
COMISSÃO DA FREGUESIA DE ALCOBAÇA:
António Nabais Pinheiro, bancário;
Ilda Fragata, doméstica;
João Lameiras de Figueiredo, médico;
José Manuel Pereira de Almeida, empregado de escritório;
Juliano dos Santos Calçada, operário cerâmico;
E João Campos Pereira Trindade, comerciante.
A CDE, foi uma organização política bastante ativa durante o período que precedeu o 25 de Abril, surgida em 1969, como uma coligação eleitoral, com a finalidade de concorrer às eleições legislativas. Entre os seus fundadores e dirigentes destacaram-se Luís Catarino, António Redol, José Manuel Tengarrinha e Helena Cidade Moura.
As CDE tinham sido formadas na sequência do II Congresso da Oposição Democrática, reunido na cidade de Aveiro, entre 15 e 17 de maio, no período marcelista, quando a oposição tinha algumas expectativas sobre a anunciada abertura do regime.
Em setembro de 1969, foram também criadas as CEUD-Comissões Eleitorais de Unidade Democrática, onde pontificava Mário Soares, por intermédio da Ação Socialista Portuguesa, em desacordo com as CDE. Esta divisão, no entanto, só se veio a verificar em Lisboa, no Porto com Mário Cal Brandão, Artur Santos Silva (Pai) e outros e em Braga, não se estendendo ao resto do país.
No pós-25 de Abril, o MDP/CDE, que se radicalizara, esteve presente nos governos provisórios, exceto no VI, e aliou-se nas eleições ao PC, com quem mantinha grande afinidade, na coligação APU-Aliança do Povo Unido. Esta coligação não se manteve, devido a divergências entre as partes, e nas eleições de 1987, o MDP/CDE já não figurava na coligação CDU. Tempos depois, por entender que a sua existência deixara de ter sentido, o partido auto-extinguiusse.
O MDP/CDE, inaugurou a 21 de fevereiro de 1975, a sua sede em Alcobaça, na Rua Eng.º Duarte Pacheco. Para assinalar o ato, foi apresentada a peça O Canto do Papão Lusitano, de Peter Weiss, representado pelo Conjunto Cénico Caldense. A sessão teve a presença de poucos espectadores, entre os quais José Tempero (PPD), que não se sentiram atraídos pelo ousado título da peça, nem pela saída numa noite de mau tempo.



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