O “FAMOSO ”
RAMIRO CORREIA (5ª DIVISÃO DO EMGFA) PASSA POR ALCOBAÇA E É APUPADO.
Fleming de Oliveira
Em meados de maio ou junho de 1975, o Comdt. Ramiro
Correia, devidamente fardado e na companhia de mais dois camaradas, passou a
meio da tarde por Alcobaça, de ou para Lisboa, ocupando um Volkswagen preto, e
cujo motorista não o abandonou, e entrou no Café Trindade, para tomar um café.
Por acaso, cruzou-se com Carvalho Lino. Em breve,
juntaram-se à porta do café alguns populares, que começaram a mimosear aquele
militar com impropérios e gestos obscenos. As pessoas reconheceram o rosto das Campanhas de Dinamização CulturallAcção Cívica do MFA e Ramiro Correia,
esse “generoso Capitão de abril, o
comandante-médico que até fazia versos (…)” no dizer de Vasco Gonçalves e
que em Caldas da Rainha tinha um excelente e dedicado seguidor, o Cap.
Gonçalves Novo.
No sentido de orientar as massas trabalhadoras no
sentido do marxismo, a 5ª. Divisão do EMGFA, promoveu uma ampla ação de
dinamização cultural que teve início em finais de 1974 e se prolongou pelo ano
seguinte.
Tal ação estendeu-se por todo o país, nomeadamente
rural, dinamizada por um conjunto de oficiais e soldados conotados com a ala
radical do Movimento, e pretendia incutir na população, a necessidade da
revolução assumir um cunho marxista, no estilo de uma democracia popular.
Depois de expulso do Conselho da Revolução e de lhe ter
sido retirada a direção da 5ª. Divisão, Ramiro Correia foi desgraduado do posto
de capitão de mar e guerra por portaria do Conselho da Revolução, em 21 de
outubro de 1975. Poucos meses depois, dá-se o 25 de novembro e a Codice-Comissão Dinamizadora Central,
estrutura da 5ª. Divisão, foi extinta, juntamente com as
últimas e desacreditadas campanhas de dinamização.
Malquisto pelo poder saído do 25 de novembro, e depois
de uns meses durante os quais escreveu o panfletário “MFA e Luta de Classes”, Ramiro Correia e família seguiram para
Maputo onde foram colocados (ele e mulher médicos), no Hospital Central, pois
que “Moçambique aparece-me no horizonte
como experiência de solidariedade internacional”.
Para muitos portugueses, Ramiro Correio ficou conotado com as lavagens ao cérebro,
denominadas Campanhas de Dinamização Cultural, promovidas pela 5ª. Divisão do
EMGFA, em colaboração
com a Direção-Geral da Cultura e Espetáculos.
Vasco Gonçalves,
enquanto Primeiro-Ministro e seu protetor, entendia que um dos principais
objetivos desta iniciativa “era levar
os militares, o MFA, às populações e apoiá-las no desenvolvimento, nas tomadas
de consciência dos problemas que elas tinham. (…) Pretendíamos, sobretudo,
transformar as ideias de fundo dessas populações. Não pretendíamos transformar
essas populações em socialistas ou em comunistas. Queríamos
transformá-las em gente democrática, gente aberta a analisar as situações e
arrancá-las de toda aquela carga de fascismo que durante 48 anos tinha pesado
sobre elas”.
Os alcobacenses que se juntaram à porta do Café Trindade
não esqueciam uma presença recente na RTP, com Ramiro Correia a explicar que a
alcatifa em casa, o carro ou o frigorífico eram bens de luxo com que “a burguesia untava a sua ganância de classe”
e que, em consequência, havia que a punir de todas as maneiras e feitios,
inclusivamente a maneira fiscal.
Mas ele era como Frei Tomás...
Num dos cartazes que
desenhou, João Abel Manta pareceu representar a esperança e a confiança que Vasco
Gonçalves depositava na iniciativa, ao atribuir-lhe uma centralidade no célebre
cartaz MFA-Vasco-Povo-Povo-Vasco-MFA (1975), onde surge ladeado por duas
figuras híbridas, meio soldado, meio povo, reforçadas pela frase Força, Força Companheiro Vasco/Nós Seremos a
Muralha de Aço. Vasco
Gonçalves referindo-se a este cartaz disse que “o cartaz é
muito terno, eu era o companheiro Vasco, mas para certo setor da população, não
para o país”.
Nunca a vitória do PPD ou de Francisco Eusébio estiveram
em dúvida na Cela, e o Fernandes, tal como a FEPU, foram alguns dos
responsáveis pelos resultados retumbantes que Francisco Eusébio e o PPD sempre
ali obtiveram doravante.
Sobre este incidente, Rogério Raimundo tem uma opinião
conciliatória, muito “soft” mesmo.
“Para as eleições
autárquicas de dezembro de 1976, realizou-se um comício do PPD, no salão do
Centro Cénico da Cela. Seria tudo normal, se o cidadão António
Raimundo Fernandes, ao acusar o candidato Francisco Leonardo Eusébio, de
irregularidades, não fosse o Presidente da Direção do CCC. Poucos conseguiram
separar as águas…”
Mais tarde, numas eleições autárquicas intercalares na
Cela (1983),conta Rogério Raimundo “o
Avante fez uma entrevista aos primeiros da lista da Aliança Povo Unido, onde
estava o Presidente (do CCC) António
Raimundo Fernandes, como primeiro da lista. Esse facto foi explorado com o
argumento que no CCC, estão a ensinar o
comunismo às crianças”.
Como não houve uma autocrítica
estalinista, Rui Soares Paulino,
Francisco Eusébio e José Vieira, foram expulsos, em Assembleia Geral ,
pelo que o CCC passou a ser acusado, mais uma vez, como sendo o Centro dos
Comunistas.
“Toda essa campanha
só acabou muito mais tarde (esclarece Rogério
Raimundo) quando o saudoso Padre Inácio
Antunes, que tem um histórico extraordinário na Benedita, onde lhe atribuíram o
nome na Avenida da Igreja, chegou à Cela foi convidado a visitar o CCC e
almoçar com os utentes do Centro de Dia. Logo na primeira homilia, na Igreja de
St. André, da Cela, disse que, na Cela vocês já têm o céu: é o Centro Cénico da
Cela. “
Os três sócios acabaram por ser reintegrados no CCC e as
feridas acabaram sanadas, quando em 1995 houve a inauguração do edifício
social.
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