quarta-feira, 16 de abril de 2014

-ALTINO RIBEIRO, JOSÉ TEMPERO (pescadores desportivos), JOÃO FANECA E JOSÉ EUSTÁQUIO (pescadores profissionais). A PESCA E PESCADORES (mesmo de água doce). SAUDADES DA PESCA-

 
-ALTINO RIBEIRO, JOSÉ TEMPERO (pescadores desportivos), JOÃO FANECA E JOSÉ EUSTÁQUIO (pescadores profissionais).
A PESCA E PESCADORES (mesmo de água doce).
SAUDADES DA PESCA-

Fleming de Oliveira

Altino Ribeiro (com 90 anos a ouvir e ver muito mal e com artroses), faz parte da um seleto grupo de amantes da pesca que reúne homens e mulheres de todas as idades, que não medem esforços para enfrentar o mar, o sol quente, o frio, a noite ou longas esperas pelo peixe desejado.
O seu interesse pela pesca começou ainda na infância e adolescência. Foi aos 6 anos de idade, viver de Alpedriz para Caldas da Rainha e, em breve,  começou a frequentar a Foz do Arelho, a tomar banho, a apanhar e a comer berbigão. Não foi incentivado pelos pais que nunca foram pescadores, que fez suas primeiras pescarias no mar. Hoje aos 90 anos, conta que se apaixonou pela pesca, à primeira vista, como se fosse uma namorada, uma paixão que nunca enfraqueceu, embora agora não lhe possa dedicar atenção.
Já pesquei muitos gorazes, chernes, robalos e safios.
Navegar nas águas que vão da Foz do Arelho a S. Pedro de Moel foi um programa que fez vezes sem conta.
Já não posso voltar ao mar. Era no mar que eu estava bem, com muito peixe, não na caça ou na fábrica, lastima na medida que vai vendo a lavoura (a que aliás nunca se dedicou, não obstante as suas origens rurais) estender-se em direção ao mar e a fauna marítima desaparecer. Era para o mar de S. Martinho, da Nazaré ou de S. Pedro e sempre de barco (teve variados barcos com motores fora de bordo e interiores, todos matriculados na Nazaré) que seguia sempre que podia (nos fins de semana, até vender a fábrica de louça de Alpedriz). Tem cartas de patrão de costa, de marinheiro e cédula marítima, que hoje não são mais que fator de recordação.
O robalo da nossa costa mudou o comportamento ou está em perigo? Porque é que este peixe, de ano para ano é mais raro e se torna mais difícil de capturar? interroga-se retoricamente o pescador profissional João Faneca.
De há umas décadas para cá a rotina das estações do ano é tudo menos rotineira. O verão apresenta menos dias de calor intenso e é mais chuvoso, complementa o primo José Eustáquio. O inverno instável com alterações de ano para ano (ora chuvoso ora seco e frio), tem tendência para continuar e para afetar o clima, bem como a fauna marítima.
Altino Ribeiro, João Faneca, José Eustáquio e José Tempero (também pescador mas de água doce), não esquecem os desastres ecológicos de grandes dimensões, bem como as descargas de poluentes para os rios, causando a mortandade nas respetivas espécies, que também afetam as costeiras como o robalo, que frequenta os estuários.
A situação agrava-se com a colocação de redes de emalhar a uma centena de metros da costa, tal como a presença de arrastões (espanhóis, mas não só…) que praticam, em transgressão, a faina muito perto da costa. Grave é também o caso das redes de cercar para bordo, quando os robalos se encardumam para a reprodução na época da desova.
Será que os profissionais, com quem por vezes Altino saía para a pesca, não se apercebem que estão a matar as gerações vindouras de robalos? José Eustáquio não o nega, mas diz que o pescador tem família e estômago para alimentar….
Um robalo adulto com o peso de seis quilos tem  ovas com oitocentos gramas aproximadamente. Imagine-se os robalos em estado embrionário que se matam e que não chegam a nascer.
Pois é, que havemos de fazer?, comenta José Faneca com um encolher de ombros, afivelando um esgar misto de malandrice e resignação.
Será que a pesca desportiva vai ter um futuro semelhante ao da caça, em que só quem tem posses para se deslocar a outros países ou coutadas é que se diverte praticando o seu passatempo favorito? Altino, já não o poderá confirmar.
Será que se quiser almoçar ou dar um robalo ao meu neto tenho de ir comprar ao supermercado, um daqueles robalinhos todos do mesmo lote, criados em tanques alimentados a farinha?
Ao contrário de Faneca e Eustáquio, nunca pensou em apanhar peixe para vender, mas apenas para presentear amigos, família ou consumir em casa.
Depois de colocado no gelo, o peixe perde o sabor, acrescenta Altino com a segurança.
Antes, nem tínhamos como guardar o peixe. A minha experiência como pescador desportivo, diz-me de que com mar bravo este peixe afunda e distancia-se da costa, com mar manso gosta de rodear pedras que afloram do mar onde faça água branca, por duas razões, a primeira devido à maior oxigenação das águas, a outra por ter mais facilidade em criar emboscadas a algum pequeno peixe desprevenido.

No verão, com mar manso e água limpa, este peixe na nossa costa, ensina Altino Ribeiro, tende a procurar a sombra das furnas, buracos ou caneiros com fundos de areia ou areão. A partir do Outono, gosta de percorrer as praias e começar a encardumar, preparando-se para a reprodução. Nessa altura os machos perseguem as fêmeas, que se distinguem pelo maior porte, esperando a desova para procederem à fecundação. Quando o mar é manso, vêem-se principalmente de manhã, do cimo das arribas, enquanto o Sol está baixo, não incidindo diretamente na água.
Altino, Eustáquio e Faneca viam-nos nadar  lentamente à superfície, uns atrás dos outros, pois estão com o sentido na fertilização. Sabiam por experiência de muitos anos que nessa altura é difícil apanhá-los.
Por vezes consegue-se capturar um ou outro peixe quando nadam sozinhos. Também pegam bem nas últimas horas da vazante e na primeira da enchente, pois com a descida das águas são arrastados crustáceos e pequenos peixes, que voltam a acompanhar as águas na sua subida. A altura em que o robalo demonstra mais atividade é nas fases de Lua Nova e Lua Cheia.
Quando vejo os robalos mergulhar e nadar com maior velocidade, é sinal de que andam a caçar e a altura ideal para os ferrar, explica Altino.
Apanhei robalos com sol, chuva, nevoeiro, águas limpas ou barrentas, mar chão ou bravo, mas penso que o importante é escolher a técnica e o momento que mais se adaptem às condições do mar.
Os dias sem vento e tempo encoberto em que as águas tenham uma cor azul ou verde leitoso, são os mais propícios à captura de alguns exemplares, defendem os que sabem, como Altino, Faneca ou Eustáquio. Tempero nesta matéria não tem opinião
O cherne é porém o peixe mais saboroso que conheço pois é criado a cerca de 300 braças de profundidade, assegura Altino, que acrescenta ter respeitado sempre o tamanho mínimo para a captura de cada espécie.

Conta que já apanhou peixes, alguns bem grandes e uma vez um cherne com quase 5 quilos, bem como um robalo com perto de 7 quilos (sem exagero… de pescador), usando um equipamento rudimentar.
Era um peixe resistente, que lutava muito para se soltar, o que torna a pesca emocionante, até por vezes perigosa, pois é na zona da rebentação.
Entre as muitas histórias de pescaria, destaca o dia em que apanhou um peixe e ao tirá-lo da água percebeu que tinha sido apanhado também pelo colega que estava ao seu lado, no barco. O peixe acabou devolvido ao mar.
Gosto de peixe fresco, que eu mesmo frito em casa.
Altino garante que nunca pensou em ter um dia de parar de pescar.
Enquanto pude subir ao barco, fui à pesca.
Uma vez ficou sem a cana e a linha, que foram arrastadas por um peixe, que não se contentou apenas em devorar o isco.
Não esquece aquela vez que (há mais de 60 anos), foi de mota à Nazaré com o amigo e ex-patrão António Elias (sócio de Elias & Paiva, da Fervença).
Eram cerca de 11 horas. Na praia havia uma grande excitação e animação, pois os pescadores estavam a puxar para terra, com muita canseira, uma rede de arte xávega, que se apresentava pesada. Porém, quando a rede chegou à areia, o pessoal para grande frustração, constatou que ela quase só trazia caranguejos. Tão grande foi a frustração, que os pescadores saltaram para cima da rede e esborracharam os inocentes caranguejos, que pouco ou nenhum valor comercial tinham.

Voltando ao robalo.
O robalo, ensina Altino, é o grande caçador do nosso litoral continental, estando presente nas águas que varrem pela ondulação as praias com declive suave, bem como nas zonas rochosas onde a agitação do mar também produz águas transparentes, bem oxigenadas.
Considerado por Altino e outros pescadores mesmo profissionais como um peixe extraordinário e imprevisível, o robalo alterna a voracidade com a desconfiança e o desinteresse pelos iscos e amostras, o que leva a que a sua pesca seja encarada com paixão e entusiasmo.
Embora não sendo em termos de paladar o peixe que mais aprecia, Altino entende que o robalo está para o mar como o salmão para o rio, sendo o rei da nossa costa. Faneca não discorda, tal como Eustáquio.

É recorrente ouvir-se falar dos segredos que os pescadores guardam para si, a propósito do robalo, mas parte do que se pensa serem os segredos, não são mais do que uma experiente utilização dos equipamentos, como diz com franqueza Altino, pois canas, carretos, linhas, montagens, amostras, etc., tem tido grande e permanente evolução.
Aliás, na pesca em geral, como salienta com convicção Faneca e nomeadamente na do robalo, as condições meteorológicas, o estado do mar, a hora do dia, a altura das marés em função das fases da Lua, são muito importantes.

NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS


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