ALCOBAÇA NAS VÉSPERAS DO 25 DE ABRIL
Fleming de Oliveira
Na Câmara Municipal tinha assento, desde 1969, como
Presidente, Tarcísio Trindade, um alcobacense que congregava simpatias
pessoais, mesmo entre alguns liberais, afetos à oposição.
Trindade gaba-se mais tarde, que nunca a PIDE interferiu na gestão ou atividade municipal e que é um
título de orgulho para mim poder afirmar que nenhum alcobacense foi molestado,
prejudicado ou preso pela polícia política durante os meus mandatos, por
diligência ou iniciativa da Câmara Municipal.
Manuel José dos Santos Campos nunca escondeu o apreço
que Tarcísio Trindade pessoalmente lhe merecia, embora alegadamente não navegasse nas mesmas águas políticas.
Mas talvez até nem fosse bem assim. Ele, o Padre João
Casimiro e representantes do Bárrio, Cela e Vestiaria estavam a criar condições
para ser construído em
Pinhal Fanheiro , um Centro Social destinado a dar apoio a
crianças e idosos, ideia a que o Presidente da Câmara dava todo o apoio. Por
essas e outras, Manuel Campos acreditava que Tarcísio Trindade era o homem certo para o lugar certo à frente dos
destinos do Município. No seu tempo, Alcobaça caminhava a passos seguros, rumo
ao progresso. A própria Feira de S. Bernardo era uma demonstração da pujança do
Concelho, tanto no setor agrícola como industrial e comercial.
Por sua vez, era Chefe dos Serviços Técnicos da Câmara,
o Engº. José Carlos Costa e Sousa, que entrara para os respetivos quadros com
27 anos, em 1 de outubro de 1948.
O Dr. Manuel dos Santos Machado, que em estudante chegou
a morar em Aljubarrota, particular amigo de Tarcísio Trindade, havia
recentemente tomado posse do cargo de Governador Civil do Distrito de Leiria,
substituindo Damasceno de Campos, político com boas relações na Benedita e
Manuel Castelhano.
Os Bombeiros Voluntários de Alcobaça andavam muito
atarefados, ainda mais do que o habitual, em consequência dos inúmeros
acidentes de viação e extemporâneos incêndios, que levavam a sirene a tocar em
horas impróprias, com inquietação para a população.
Contrariamente à descrença que pairava sobre certas
pessoas, alguns faziam crer que nada de anormal se passava na Filarmónica da
Vestiaria, com ensaios concorridos e à espera de novo fardamento. Mas, a
verdade, não era bem assim. A situação na Filarmónica era complicada e só, no
fim do ano de 1974, se conseguiu fazer a eleição dos corpos sociais. Nas
Assembleias-Gerais ninguém comparecia, dando a ideia que não havia quem
estivesse para se incomodar, para agarrar o leme, apesar de gostar de música e
a Filarmónica ser um dos grandes referenciais da terra. Havia o risco de se
desmoronar uma coletividade com mais de 70 anos de vida ininterrupta. A
Filarmónica da Vestiaria Monsenhor José Cacela teve, finalmente, no dia 7 de
junho de 1974, a
estreia dos seus novos fardamentos, realizando concerto com o maestro Agostinho
Caineta, na presença de algumas individualidades, ligadas à música. Do
programa, constou a interpretação da Marcha Infantes do Vinte, a Abertura
Britanicus, de Scassola e para finalizar a Marcha Cidade Invicta, de Sousa
Morais, esta sobre a regência do antigo e estimado maestro Manuel Maria
Baltazar.
Em Valado de Frades, após obras que demoraram mais que o
previsto, foi solenemente inaugurado o ringue de patinagem, com um jogo entre a
equipa da casa e o Turquel, que aquela venceu por um concludente 4-0.
Na ocasião, o Dr. Joaquim Guerra, grande entusiasta da
modalidade, fez um discurso aplaudido pela casa cheia.
Os proprietários e concessionários das bombas de
combustível da Vila de Alcobaça estudavam, a possibilidade de estabelecer um
horário de atendimento ao público, compatível com o descanso do pessoal e as
restrições às vendas, decorrente de conjuntura internacional.
O Alm. Américo Tomás, em 29 de março, esteve em visita
oficial ao Concelho de Alcobaça e acompanhou, obras de dragagem e saneamento na
baía de S. Martinho do Porto. A propósito desta visita, o Ministro do Interior,
César Moreira Batista, enviou ao Presidente da Câmara de Alcobaça, o seguinte
telegrama:
Com os meus
cumprimentos e por honroso encargo de Sua Exª. o Senhor Presidente da
República, transmito a V. Exª e à população desse Concelho, os seus
agradecimentos pela receção que lhe foi dispensada por ocasião da sua recente
visita a S. Martinho do Porto.
Moreira Batista,
Ministro do Interior.
Por estes dias, o Prof. Marcelo Caetano, acompanhando o
seu convidado, amigo e antigo Ministro (franquista) das Relações Exteriores de
Espanha, Laureano Lopez-Rodó (tecnocrata, ligado ao OPUS DEI), fez uma visita
particular à Vila e ao Mosteiro, depois de lhe andar a mostrar o Centro do
País.
Os amigos do alheio, não descansavam, pois que
penetraram com audácia, por uma janela na Igreja Paroquial da Benedita e
introduzindo-se na sacristia, arrancaram da parede o cofre onde estavam
guardadas a Coroa de Nª. Senhora, o cálice e as joias, o qual veio a ser
recuperado, pouco depois, com todo o seu valor, junto ao campo de jogos.
Por Alcobaça e pelo País reinava a calma, tanta calma
que, quando os carros de combate da Escola Prática de Cavalaria, de Santarém,
comandados pelo Cap. Salgueiro Maia, arrancaram na madrugada de 25 de Abril em
direção ao Largo do Carmo, a capacidade de resposta do regime foi inexistente.
O Estado Novo, personalizado após
setembro de 1968 por Caetano, ruiu, sem resistir. Nenhuma ação de cariz
popular, nenhuma iniciativa de organizações ou instituições afetas ao regime ou
mesmo a direita salazarista, se pôs em movimento para o defender, ainda que só
na honra. Subitamente, como um castelo de cartas, caiu um regime com mais de 40
anos. As forças militares que supostamente cumpriam todas ordens dos comandos
da Brigada do Reumático, mal puderam,
passaram-se para o MFA.
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