ELEIÇÕES PARA A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1975
(ALCOBAÇA).
Fleming de Oliveira
Quando o Presidente da República, Costa Gomes, marcou as
eleições para 25 de Abril de 1975, alguns militares e radicais (aqui incluído o
PC), não se mostraram entusiasmados.
O analfabetismo atingia no País cerca de 40%, o que
viciava a proposta eleitoral, como argumentava o PC nos comícios. Sá Carneiro e
Mário Soares, porém, confiantes nas virtualidades do processo, e sem abdicarem
dos seus projetos, não desdenharam de, em conjunto, escolher o socialismo, mas
em liberdade.
Como os elementos que compunham as mesas de voto (cerca
de 70 no Concelho de Alcobaça, desde o Presidente aos Secretários, bem como os
escrutinadores e delegados dos partidos), as não queriam abandonar à hora do
almoço, fizeram-se autênticos banquetes, para não afrouxar a vigilância contra
o risco das chapeladas, como no tempo da outra senhora. Lá estavam os bolos de
bacalhau, rissóis, panados e vinho que circulavam à vontade.
E claro, para sobremesa, as trouxas de ovos, muito
amarelinhas.
Os eleitores, os mais velhos ou novos, tinham receio de
não ter tempo de cumprir o seu dever cívico pois, o processo eleitoral, ainda
não experimentado, não parecia nem fácil, nem expedito, pelo que na Vila de
Alcobaça, logo pelas 8 h, havia duas longas filas de pessoas a aguardar vez,
junto à Escola Primária. O momento era solene e emocionante.
O PPD, incluiu na lista de Leiria dois candidatos
de Alcobaça, o prof. Sapinho (veio a ser
eleito), e o agricultor de Montes, Firmino Franco (suplente).
Salvo erro, foi na Comissão Política Distrital de Leiria
que se imaginou um boletim com uma mão e caneta a fazer uma cruz no quadrado
adequado. Pelo Concelho Alcobaça, havia muita gente que ainda não sabia votar,
pelo que se constituíram alguns voluntários para ensinar, como Miguel Damásio,
João Alberto Oliveira, Rui Paulino, entre outros, e algumas senhoras.
“Amigo, em quem devo
votar? Se for no das setinhas, está mal?”
perguntavam os mais velhotes, que nunca abdicavam do uso do respetivo boné.
Que não, que não se podia indicar no ato, dizia-se em
voz alta e clara, para depois se ensinar, com cuidado, para evitar o engano.
“No domingo quando
forem votar façam a cruzinha no quadrado a seguir no boletim de voto, aonde estão
as setinhas”.
Mas a sugestão não era totalmente fiável. Só depois das
eleições, é que alguém se lembrou no PPD de Alcobaça do pormenor, muita gente
era analfabeta e tanto podia pegar no boletim a direito, como de pernas para o
ar.
Claro que nunca se considerou que tal tivesse tido
influência no menos bom resultado do PPD.
Às 19 horas fecharam as urnas. Boletins empilhados,
contagens a decorrer, gente na rua a aguardar os resultados ou a tentar
percebê-los, através das vidraças embaciadas do edifício da Escola Primária.
Houve desta vez, em termos relativos, bastantes boletins inutilizados, com
cruzes em mais que um local, mensagens, impropérios e até assinaturas. Tudo
isto, apesar de a Comissão Eleitoral ter feito publicar, durante algum tempo na
imprensa, o anúncio:
“Português: o teu
boletim de voto, dentro da urna, mistura-se com os outros que porventura lá
estiverem e com os que se seguirem. E como no boletim não assinas, nem pões o
nome, nem escreves nada que não seja a cruz à frente do Partido Político, é
impossível alguém vir a saber em que partido votaste”.
Após a votação, recebendo os resultados em mão ou pelo
telefone, dos vários pontos do Concelho, o PPD reuniu na sede com os amigos,
uns copos de tinto e cerveja, umas bifanas e, principalmente, uma enorme
ansiedade. Era a ocasião mais esperada, finalmente saber o veredicto popular, o
resultado de uma ação política ao longo de um ano, por toda a região e receber,
esperava-se, a justa compensação. Nessa noite e pelas 22 horas, no PPD sofreu-se
a profunda injustiça de ver o prémio grande atribuído pelo eleitorado do País
em geral e o de Alcobaça em particular ao PS, apesar da eleição de Gonçalves
Sapinho, o que retirou algum efeito aos parabéns e fortes abraços. E mesmo
alguns beijos. Seja como for, constatou-se e com grande utilidade, uma verdade
indiscutível. O panorama político do País era bem diverso do que certas forças,
incluindo o MFA, queriam vender, já que, o PC não foi além de 12,5% e o MDP/CDE
de 4%. Partidos como a LCI, FUP, FEC (ML), MES ou FSP tiveram resultados sem
qualquer tipo de relevância.
O MRPP não foi admitido a concorrer. Fundado em 1970,
desenvolveu uma grande atividade durante os anos de 1974 e 1975. Nessa altura tinha
nas suas fileiras militantes que mais tarde vieram a ter relevo na política
nacional, como Durão
Barroso e Fernando Rosas, entretanto expulsos. Depois de 25
de Abril, o MRPP foi acusado
pelo PC, desde sempre foi eleito como o seu grande inimigo, apelidado de
social-fascista, de ser subsidiado pela CIA. Essa acusação terá
tido como motivo uma crença baseada, em parte, na cooperação entre o MRPP e o Partido
Socialista, durante o verão quente, por serem ambos os partidos contra a via comunista-revisionista, segundo Arnaldo de Matos.
Para Basílio Martins, embora a Revolução de 25 de Abril
tenha uma das mais pacíficas da nossa história, no sentido de menos sangrentas,
nem por isso deixou de haver fogo cruzado entre os saudosistas do regime
deposto e os partidários da Democracia e da Liberdade reconquistadas. Até nos
atos comemorativos...
Em Alcobaça, a efeméride era assinalada de modo
idêntico, isto é, através de foguetório. Os primeiros, de lágrimas, eram lançados nas últimas horas de 24 de abril; os
segundos, de festa, surgiam, já a
25de Abril, mal acabavam de soar as badaladas, nos sinos do Mosteiro.
“Numa dessas
ocasiões (contou-me Basílio
Martins) coube a Ilda Fragata, militante
do MDP/CDE, ir à Calvaria encomendar o material pirotécnico. Ajustada a
quantidade pretendida e pago o respetivo preço, a Ilda expôs a dificuldade de
arranjar alguém que pudesse ir buscar a encomenda, ainda durante o dia.
A Senhora não se
preocupe!, respondeu imediatamente o vendedor. Temos de levar os dos outros;
também não nos custa nada levar os vossos!
E assim os foguetes
chegaram a tempo de o Júlio da Sofia os deitar à hora do costume, para alegria
de todos nós”.
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