quarta-feira, 23 de abril de 2014

ELEIÇÕES PARA A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1975 (ALCOBAÇA).


 

ELEIÇÕES PARA A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1975 (ALCOBAÇA).
Fleming de Oliveira


Quando o Presidente da República, Costa Gomes, marcou as eleições para 25 de Abril de 1975, alguns militares e radicais (aqui incluído o PC), não se mostraram entusiasmados.
O analfabetismo atingia no País cerca de 40%, o que viciava a proposta eleitoral, como argumentava o PC nos comícios. Sá Carneiro e Mário Soares, porém, confiantes nas virtualidades do processo, e sem abdicarem dos seus projetos, não desdenharam de, em conjunto, escolher o socialismo, mas em liberdade.
Como os elementos que compunham as mesas de voto (cerca de 70 no Concelho de Alcobaça, desde o Presidente aos Secretários, bem como os escrutinadores e delegados dos partidos), as não queriam abandonar à hora do almoço, fizeram-se autênticos banquetes, para não afrouxar a vigilância contra o risco das chapeladas, como no tempo da outra senhora. Lá estavam os bolos de bacalhau, rissóis, panados e vinho que circulavam à vontade.
E claro, para sobremesa, as trouxas de ovos, muito amarelinhas.

Os eleitores, os mais velhos ou novos, tinham receio de não ter tempo de cumprir o seu dever cívico pois, o processo eleitoral, ainda não experimentado, não parecia nem fácil, nem expedito, pelo que na Vila de Alcobaça, logo pelas 8 h, havia duas longas filas de pessoas a aguardar vez, junto à Escola Primária. O momento era solene e emocionante.
O PPD, incluiu na lista de Leiria dois candidatos de  Alcobaça, o prof. Sapinho (veio a ser eleito), e o agricultor de Montes, Firmino Franco (suplente).
Salvo erro, foi na Comissão Política Distrital de Leiria que se imaginou um boletim com uma mão e caneta a fazer uma cruz no quadrado adequado. Pelo Concelho Alcobaça, havia muita gente que ainda não sabia votar, pelo que se constituíram alguns voluntários para ensinar, como Miguel Damásio, João Alberto Oliveira, Rui Paulino, entre outros, e algumas senhoras.
“Amigo, em quem devo votar? Se for no das setinhas, está mal?” perguntavam os mais velhotes, que nunca abdicavam do uso do respetivo boné.
Que não, que não se podia indicar no ato, dizia-se em voz alta e clara, para depois se ensinar, com cuidado, para evitar o engano.
“No domingo quando forem votar façam a cruzinha no quadrado a seguir no boletim de voto, aonde estão as setinhas”.
Mas a sugestão não era totalmente fiável. Só depois das eleições, é que alguém se lembrou no PPD de Alcobaça do pormenor, muita gente era analfabeta e tanto podia pegar no boletim a direito, como de pernas para o ar.
Claro que nunca se considerou que tal tivesse tido influência no menos bom resultado do PPD.

Às 19 horas fecharam as urnas. Boletins empilhados, contagens a decorrer, gente na rua a aguardar os resultados ou a tentar percebê-los, através das vidraças embaciadas do edifício da Escola Primária. Houve desta vez, em termos relativos, bastantes boletins inutilizados, com cruzes em mais que um local, mensagens, impropérios e até assinaturas. Tudo isto, apesar de a Comissão Eleitoral ter feito publicar, durante algum tempo na imprensa, o anúncio:
“Português: o teu boletim de voto, dentro da urna, mistura-se com os outros que porventura lá estiverem e com os que se seguirem. E como no boletim não assinas, nem pões o nome, nem escreves nada que não seja a cruz à frente do Partido Político, é impossível alguém vir a saber em que partido votaste”.

Após a votação, recebendo os resultados em mão ou pelo telefone, dos vários pontos do Concelho, o PPD reuniu na sede com os amigos, uns copos de tinto e cerveja, umas bifanas e, principalmente, uma enorme ansiedade. Era a ocasião mais esperada, finalmente saber o veredicto popular, o resultado de uma ação política ao longo de um ano, por toda a região e receber, esperava-se, a justa compensação. Nessa noite e pelas 22 horas, no PPD sofreu-se a profunda injustiça de ver o prémio grande atribuído pelo eleitorado do País em geral e o de Alcobaça em particular ao PS, apesar da eleição de Gonçalves Sapinho, o que retirou algum efeito aos parabéns e fortes abraços. E mesmo alguns beijos. Seja como for, constatou-se e com grande utilidade, uma verdade indiscutível. O panorama político do País era bem diverso do que certas forças, incluindo o MFA, queriam vender, já que, o PC não foi além de 12,5% e o MDP/CDE de 4%. Partidos como a LCI, FUP, FEC (ML), MES ou FSP tiveram resultados sem qualquer tipo de relevância.
O MRPP não foi admitido a concorrer. Fundado em 1970, desenvolveu uma grande atividade durante os anos de 1974 e 1975. Nessa altura tinha nas suas fileiras militantes que mais tarde vieram a ter relevo na política nacional, como Durão Barroso e Fernando Rosas, entretanto expulsos. Depois de 25 de Abril, o MRPP foi acusado pelo PC, desde sempre foi eleito como o seu grande inimigo, apelidado de social-fascista, de ser subsidiado pela CIA. Essa acusação terá tido como motivo uma crença baseada, em parte, na cooperação entre o MRPP e o Partido Socialista, durante o verão quente, por serem ambos os partidos contra a via comunista-revisionista, segundo Arnaldo de Matos.

Para Basílio Martins, embora a Revolução de 25 de Abril tenha uma das mais pacíficas da nossa história, no sentido de menos sangrentas, nem por isso deixou de haver fogo cruzado entre os saudosistas do regime deposto e os partidários da Democracia e da Liberdade reconquistadas. Até nos atos comemorativos...
Em Alcobaça, a efeméride era assinalada de modo idêntico, isto é, através de foguetório. Os primeiros, de lágrimas, eram lançados nas últimas horas de 24 de abril; os segundos, de festa, surgiam, já a 25de Abril, mal acabavam de soar as badaladas, nos sinos do Mosteiro.
“Numa dessas ocasiões (contou-me Basílio Martins) coube a Ilda Fragata, militante do MDP/CDE, ir à Calvaria encomendar o material pirotécnico. Ajustada a quantidade pretendida e pago o respetivo preço, a Ilda expôs a dificuldade de arranjar alguém que pudesse ir buscar a encomenda, ainda durante o dia.
A Senhora não se preocupe!, respondeu imediatamente o vendedor. Temos de levar os dos outros; também não nos custa nada levar os vossos!
E assim os foguetes chegaram a tempo de o Júlio da Sofia os deitar à hora do costume, para alegria de todos nós”.



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