QUANDO CUNHAL PODIA TER SIDO APANHADO À MÃO….
MAS CONSEGUIU FUGIR (Alcobaça 16 de agosto de 1975).
O CDS EM ALQUEIDÃO DA SERRA.
Fleming de Oliveira
O comício do PC marcado para a noite de sábado, dia 16 de
agosto de 1975 em Alcobaça, constituiu a primeira sessão pública promovida por
aquele partido, após a instauração do clima de violência a que o País, de norte
a sul, assistiu no Verão Quente e concretamente em Alcobaça, dias antes, como
contei.
Esta iniciativa, que pretendia ser de afirmação ou de
desagravo protagonizado por Cunhal, não foi bem aceite em Alcobaça, cujas
gentes em geral não se sentiram honradas com tal distinção, que reputaram de
provocação.
Para Rogério Raimundo, segundo me contou ,“o PCP fez vários comícios contra a reação,
pela liberdade, contra os assaltos das sedes do PCP e MDP, nas terras onde
houve essas ações. Quis mostrar que não havia medo e que utilizava a força do
direito de reunião. Curioso que os contra revolucionários só atacaram o comício
do PCP em Alcobaça. O camarada Américo Areias considera que naquele dia esteve
quase a começar uma guerra civil em Alcobaça. Perante o tiroteio e o apedrejar
da cobertura do Pavilhão Gimnodesportivo houve a mobilização de todas as forças
do PCP. Ele diz que o que valeu foi a competência dos militares que vieram
limpar toda a zona à volta do Pavilhão”.
A avaliação do comportamento dos militares ao longo do
PREC, suscita opiniões díspares.
Já notei
acusações de estarem com a reação, de não tomarem posição e de bom e
competente trabalho!
O PC tinha feito uma ampla cobertura publicitária do
comício, com panfletos, faixas nas ruas e caravanas auto com altifalantes a
anunciar a presença do Secretário-Geral, o camarada Álvaro Cunhal, bem como de
Joaquim Gomes, membro do Comité Central. Durante o dia correram em Alcobaça, os
boatos mais desencontrados, que grupos provenientes de Alhandra e da cintura
industrial de Lisboa, vinham assegurar a resposta aos “reacionários e fascistas alcobacenses”.
Por isso, as pessoas da vila, mesmo alguns afetos ao PC,
retraíram-se de aparecer.
O ambiente no Pavilhão Gimnodesportivo de Alcobaça, com
muitos militantes provenientes da Marinha Grande, Santarém, Alhandra, Seixal e
Almada, era inicialmente de grande expectativa de acordo com Mário Vazão, que
lá se deslocou e entrou para tomar algumas notas para O Alcoa. Como não era de
rejeitar a hipótese de incidentes, estavam também presentes, repórteres
nacionais e estrangeiros de França, Inglaterra e Canadá.
Até às 22h nada fazia prever, a uma pessoa mais
desatenta ou desconhecedora do ambiente, o que se iria passar. Aos poucos,
pequenos grupos, depois umas centenas de pessoas de vários pontos do Concelho e
mesmo de fora, começaram a juntar-se no exterior e a apedrejar o pavilhão, bem
como a cantar e proferir palavras de ordem provocatórias aos que chegavam e se
preparavam para entrar.
De dentro houve resposta, com armas de fogo a disparar
contra os contestantes, causando alguns feridos, transportados para o Hospital,
um dos quais, Joaquim Elias Vicente, que ficou internado. No interior, Rui
Baltazar, o grande animador de serviço, referindo-se ao recente ataque à sede
do PC em Alcobaça, cujas consequências lhe deixaram mazelas, mas que não lhe
retiraram o ortodoxo e inabalável fervor militante (hoje em dia sócio de uma
panificadora de estrutura familiar em Valado de Frades), frisou-me que “a ação preparada meticulosamente durante um
mês, não visava só aquele centro de trabalho, pois que a tomada da Câmara, do
Hospital e da Cooperativa, estava nos objetivos dos fascistas alcobacenses”.
Aquele membro do PC, comunicou ainda que na altura em
que ocorreram os incidentes de julho em Alcobaça, elementos do PS, de Valado de
Frades, se prontificaram a ajudar os camaradas comunistas, a defender a casa de
trabalho, o que não aconteceu, tanto quanto se sabe, nem porquê, mas que não
obstante motivou vivas e aplausos.
Entretanto, o comício prosseguia. Cerca das 23h, depois
do vidreiro António Dionísio ter falado e procedido à leitura (aliás segundo se
diz com manifesta dificuldade…), de duas moções de apoio ao PREC, os
acontecimentos precipitaram-se.
Alguns elementos afetos ao PC que, na entrada, montavam
o serviço de segurança, em resposta às pedras e aos insultos que lhes eram
dirigidos, começaram a atirar objetos contra os manifestantes de forma
indiscriminada, usar instrumentos contundentes, um das quais atingiu Manuel
Augusto Coelho e a disparar, para o ar, armas de fogo. Francisco Presciliano de
Sousa, sofreu um ferimento na vista e tal como Fernando Laurentino foi evacuado
para Lisboa, enquanto Segismundo Marques de Sousa, atingido com chumbo de uma
caçadeira, teve de ser transportado de urgência para os HUC.
No interior do pavilhão, o ambiente era de excitação. A
assistência (mais tarde se avaliada em cerca de 2.000 pessoas), entoava, para
se reconfortar, “A Internacional” e o “Avante Camarada!.
Álvaro Cunhal subiu ao palco e dirigiu-se aos presentes,
manifestando a esperança/certeza que, de novo, “seriam restauradas as liberdades democráticas em Alcobaça”,
anunciando que na Vila se realizaria em breve uma grande festa-comício.
Os tempos nunca se revelaram adequados a essa festa,
apesar de assegurar que “tenham
confiança, camaradas, porque as dificuldades temporárias serão supridas e os
criminosos fascistas receberão os castigos que merecem, pois o momento de crise
da Revolução há de passar”.
Uma das ambulâncias que levava um ferido para o
hospital, foi atingida à pedrada, já que os manifestantes julgaram, que ia
escondido lá dentro e em fuga, o próprio Cunhal.
Mas não era verdade, este saíra previdentemente por
outro lado, devidamente enquadrado pela sua encorpada segurança. No exterior do
pavilhão havia agressões de parte a parte, o disparo de armas de fogo, de
arremessos de cocktails molotov, que só vieram a terminar quando, pelas 2h30
chegaram forças do RI7 de Leiria, e RI5 de Caldas da Rainha que, com rajadas de
metralhadora para o ar, dispersaram os manifestantes, que barricavam as saídas
com pedregulhos, toros e postes de cimento e permitiram a evacuação final do
pavilhão.
O Rádio Clube Português (conforme a sua linha editorial
de vanguarda/progressista), acompanhou, quase em direto, e acicatou os
acontecimentos de Alcobaça e pelas 5h da madrugada do dia 17 de agosto anunciou
ao País que, no comício do PC, realizado em Alcobaça, com a presença de
destacados elementos do partido, entre os quais Álvaro Cunhal e Joaquim Gomes,
“bandos de fascistas estão a causar
graves distúrbios de que podem resultar pesadas consequências, assinalando-se
já vários feridos”. Apelou à solidariedade e ação dos trabalhadores e
democratas com esta situação que, como “muitas
outras que se vêm registando, parece visarem a destruição das liberdades”, bem
como alertou para o perigo em que se encontraram os comunistas em Alcobaça.
Graças a este apelo, alguns automóveis transportando de
comunistas da região, munidos de caçadeiras, matracas e barras de ferro,
deslocaram-se à Vila de Alcobaça, em socorro dos camaradas, já nada tendo feito
porque os incidentes haviam acabado e o pavilhão não tinha ninguém.
José Alberto Vasco, que na verdura dos seus 20 anos
esteve no Pavilhão, do comício guarda recordações interessantes, senão mesmo
românticas. Era um jovem idealista (em reflexão auto crítica do trotsquismo
como me disse), do qual conhecia
alguns princípios e teoria.
Para José A. Vasco, leitor de alguns textos de
divulgação, o trotskismo consistia fundamentalmente na defesa do marxismo, combatendo a burocracia no Estado Operário, fortalecido com a ascensão de Estaline ao poder, em 1924, a ideia de
Revolução Permanente. Aqui residia a principal divergência em relação ao
pensamento de Estaline, que defendia a tese do socialismo num só país. Para os
puros, ingénuos e jovens do trotsquismo, a Revolução Permanente defendia a expansão para além das fronteiras da URSS
como prioridade, ao invés do seu primordial fortalecimento interno.
Para os comunistas portugueses (PC), o trotskismo era
uma tentativa revisionista e heterodoxa de desvirtuar o marxismo-leninismo e
corromper os valores realmente revolucionários, representados pelo regime de
Estaline na União
Soviética, aonde Cunhal
fizera a sua formação política.
Essa semana, como me
recordou José A. Vasco, fora interessante, embora ensombrada no seu dizer engajé, por um conjunto de assaltos a
sedes de partidos, sindicatos e organizações de esquerda, no centro e norte do
país, bem como pelo golpe da UDT, em Timor.
Após a publicação do Documento dos Nove, o CPCON
apresentou o seu programa para salvar a Revolução Portuguesa.
Em 13 de agosto, uma lista liderada por Mário
Contumélias e afeta ao MRPP/PS, venceu as eleições para o Sindicato dos
Jornalistas, e dois dias depois foi emitido comunicado em que um grupo de
jornalistas do Diário de Notícias, contestava a direção editorial de Luís de
Barros, diretor, e José Saramago, subdiretor, acusando-os de estarem a conduzir
o matutino para uma “crescente onda de
descrédito” e de ter afastado dos seus quadros excelentes profissionais,
que tinham tentado servir o jornal com uma informação verdadeiramente
revolucionária, porque objetiva e desapaixonada.
Na manhã dessa sexta-feira, 15 de agosto, os jornalistas
Manuela de Azevedo, Luís de Oliveira Nunes e José Sampaio haviam divulgado as
posições do grupo de 30 jornalistas contestatários da linha editorial do Diário
de Notícias, dando a conhecer o abaixo-assinado em que acusavam a dupla Luís de
barros e Saramago de “evidente sectarismo
de opinião publicada e de um gravoso
silêncio em apoio ao documento
Correia Jesuíno, que pretende restabelecer a censura à informação em Portugal”.
No mesmo dia, durante um comício do PS, em Lisboa, o
antigo chefe de redação do República, João Gomes, atacou o governo de Vasco
Gonçalves, acusando-o de que ficar “na
história como um símbolo de incapacidade, de incompetência e um símbolo do fala-barato:
um símbolo da nulidade”.
À mesma hora, num comício do PC, no Pavilhão dos
Desportos, em Lisboa, Cunhal acusou o PS de, em vez de se unir às “forças progressistas”, se haver virado “contra as forças revolucionárias, alargando
as suas alianças à direita e convergindo com as forças mais reacionárias”.
Ainda nessa sexta-feira, e depois de num comício do PPD,
em Bragança, o secretário-geral Emídio Guerreiro ter clamado contra a
inutilidade da chamada campanha de Dinamização Cultural do MFA na região,
efetuou num comício de Cascais outro ataque ao governo de Vasco Gonçalves,
terminando com o apelo “Basta,
Companheiro Vasco!”, que se tornaria a manchete jornalística do dia
seguinte.
Em Timor, a situação política agravou-se, pois o
comandante da PSP em Dili, Maggiolo Gouveia, abandonou o posto, aderindo à UDT.
Na noite de sábado 16 de agosto de 1975, conta José
Alberto Vasco “o meu período de reflexão
política pessoal continuava e apesar das minhas já então muito abaladas
convicções trotsquistas, não deixei de me deslocar àquele local, para muito
democraticamente ouvir o que o meu suposto inimigo estalinista lá iria
declarar, ali me deslocando bastante convicto do antiestalinismo, que
mantenho”. Foi acompanhado pelo amigo Tó Filipe e quando chegou, viu que “aquela festa/comício pouco tinha a ver
politicamente comigo”.
Era uma festa porque, “aquilo era isso mesmo, uma festa em que cantos, aclamações e bandeiras
vitoriavam o partido mais fraturante da sociedade portuguesa e a sua figura
maior, Álvaro Cunhal, que alguns minutos depois vi entrar na sala, com o ar
simultaneamente esfíngico e irónico que a história reserva aos seus heróis”.
O comício começou com um discurso de António Dionísio,
apresentado como delegado sindical na Crisal. “Foi precisamente”, continua José Alberto Vasco, “durante esse discurso que o comício foi interrompido por um
monumental tiroteio vindo do exterior. Quase mecanicamente, foi montado no
interior um bem treinado mecanismo de defesa, a cuja organização assisti tão
impávido e sereno, como aterrorizado pela incerteza do que me esperaria lá
fora, ou até se dali conseguiria sair. e a verdade é que esses temores se
aprofundaram, quando confirmei que alguns militantes do PCP estavam armados, o
que me levou a prever um agravamento da situação. A verdade é que o tiroteio
foi aumentando e que eu então me desloquei para o setor do pavilhão onde ainda
se situava Álvaro Cunhal, tendo mesmo estado a cerca de um metro daquele que eu
já então considerava ser um dos principais responsáveis pelo enfraquecimento
prático e teórico da esquerda portuguesa. Ali estive durante alguns minutos,
ouvindo o aceso tiroteio que se desenrolava lá fora e as pedradas que amiúde
batiam nos vidros do pavilhão gimnodesportivo”.
Em dado momento, José Alberto Vasco viveu o seu maior
susto da noite, se não da sua ainda curta vida, “quando um estrondoso ruído anunciou a queda de uma das janelas situadas
ao alto do pavilhão, poucos metros atrás do local onde se encontrava o líder
comunista. Certo é que poucos minutos
depois deixei de ver Álvaro Cunhal, que seguidamente constou ter conseguido
abandonar o local dissimulado numa ambulância. E eu lá continuava, observando e
vivendo aqueles marcantes acontecimentos e verificando que, apesar do cerco que
lá fora se desenhava e anunciava, a defesa movida pelos militantes do PC fora
entretanto reforçada com outros elementos armados, oriundos da Marinha Grande”.
Algum tempo mais tarde, tudo parecia acabado, numa
versão não totalmente coincidente com o supra exposto, pelo que “começámos a sair muito calmamente do
pavilhão e a dirigirmo-nos para casa, verificando que a nossa saída estava
fortemente protegida por dezenas de militares oriundos do RI 7 de Leiria e do
RI5 de Caldas da Rainha, que a PSP chamara em seu apoio. Viam-se também muitos
vidros partidos e automóveis danificados, embora já não se registassem sinais
de presença das pessoas que haviam ostensivamente cercado o pavilhão”.
Apenas no domingo seguinte, José Vasco confirmou o que
tinha acontecido no Jornal de Notícias,
isto é, que centenas de pessoas haviam montado cerco ao comício do PC e erguido
barricadas e fogueiras. “Soube também por
esse jornal que, durante a confrontação a tiro e à pedrada, se haviam registado
vinte feridos, quatro dos quais haviam recebido tratamento hospitalar”.
À tarde, a vida corria normalmente em Alcobaça, numa
rotina de verão quente e soalheiro, sem que nada deixasse transparecer a
ocorrência dos graves incidentes da noite anterior. Apenas em alguns pequenos
grupos era tema de conversa, misturado com muita boataria e factos
inverosímeis.
Os acontecimentos tiveram repercussão, no País e no
estrangeiro. O Paris-Match fez uma reportagem sobre o acontecimento, onde
Duarte Chita, diretor do LRA, aparecia muito sorridente. Dizia-se, que Alcobaça
perdeu a oportunidade histórica de “apanhar
Álvaro Cunhal à mão”.
Entre os mais de 20 manifestantes feridos na noite de 16
de agosto, dos quais 7 ficaram internados nos hospitais de Lisboa, Coimbra e
até de Alcobaça, contava-se o jornalista do Daily Telegraph, o inglês Michael
Field, de 54 anos de idade, que já estava há vários dias em trabalho de
reportagem em Portugal.
A interpretação destes acontecimentos, por parte do PC e
satélites, bem como dos media afetos,
foi bem diferente da generalidade dos alcobacenses. Segundo um comunicado,
emitido logo na manhã do dia 17 de agosto, pela secção de Informação do PCP, “por declarações feitas por alguns
provocadores agarrados pelo serviço de ordem do Comício, averiguou-se que
alguns tinham vindo bem de longe e recebido dinheiro para o efeito”.
Para registo, vou transcrever o comunicado de apoio,
emitido pela Comissão Central do MDP/CDE, logo às 6h da madrugada da noite de
16 para 17 de agosto de 1975:
“O comício realizado
pelo PCP, em Alcobaça, com a presença de Álvaro Cunhal, seu Secretário-Geral e
ministro sem pasta dos quatro primeiros governos provisórios, marca uma nova
escalada de violência reacionária. As liberdades encontram-se ameaçadas. Mas
quem as ameaça são os mesmos que durante quase 50 anos, as retiraram do povo.
Em Alcobaça, os comunistas tiveram de defender o direito de reunião. Ao
defenderem-no para si, neste caso concreto, estavam-no defendendo para todos os
democratas, estavam defendendo as liberdades conquistadas após o 25 de Abril.
Tiveram de o fazer, respondendo de armas na mão à violência reacionária, dando
uma primeira imagem do que poderá vir a ser este País se continuarem as
hesitações que paralisam as forças militares e militarizadas, se continuar por
concretizar uma firme política repressiva sobre a reação. Esta noite em
Alcobaça, correu sangue; não apenas dos provocadores contrarrevolucionários mas
também de militantes progressistas. (…) O MDP/CDE saúda os comunistas que, com risco
da própria vida, defenderam o seu comício, os seus dirigentes e a sua (nossa
também) liberdade. O perigo do fascismo paira novamente sobre o nosso país. Não
é um perigo imaginário, pois que as ações de violência dia a dia desencadeadas,
não são inventadas. Aos partidos e organizações progressistas e ao MFA cabe um
grande esforço para intensificar a sua unidade e a sua disposição de dar luta
comum às forças reacionárias e neo-fascistas que põem em perigo a nossa
revolução. (…) Que todos os patriotas
saibam tirar as devidas lições das provocações reacionárias ao comício do PCP
em Alcobaça”.
É reconfortante ter amigos assim.
Ao começo da noite desse sábado de agosto e de férias,
Rosalina Martins, havia regressado com o marido Ricardo de um passeio
automóvel, na companhia da amiga Teresa.
Quando se preparava para a pé chegar a casa, situada
perto do futuro Tribunal da Comarca, na esquina da rua Mariano Pina, viu muita
gente, algumas pessoas que reconheceu, que se encontravam próximas do Pavilhão
Gimnodesportivo. Para grande surpresa, ouviu vindo dessa zona, alguns tiros que
lhe pareceram de caçadeira. Como lhe constava, assim como a muita gente de
Alcobaça, que iria haver barulho no comício do PC, com a presença de Álvaro
Cunhal, assustou-se e enervada, começou a dizer para o marido “ai, que não vejo mais os meus rico-filhos!” Este, apesar de ser pessoa normalmente calma,
mas nesse momento enervado, disse-lhe peremtoriamente para se calar, senão “ainda levas um par de chapadas”.
Rosalina calou-se, acalmou-se e depois supôs que os tiros vindos do lado do
Pavilhão e do seu interior, se destinavam a assustar e dispersar as pessoas que
o estavam a cercar com a finalidade de boicotar a sessão.
A partir das 22h, encontrando-se em casa, notou que se
continuava ainda a juntar mais gente no exterior ao Pavilhão, de ares
ameaçadores e vozes exaltadas.
Era mais uma agradável noite de agosto português. Os
acessos ao Pavilhão, a partir da Escola Primária, encontravam-se cortados com
barricadas, compostas dos mais variados objetos.
Na opinião de Rosalina Martins e marido, este corte de
estrada, tinha relação com o facto de se pensar que Cunhal, indo ao comício,
teria de passar necessariamente por ali para sair. A certa altura, ouviu-se um
conjunto de rápidos disparos de arma de fogo que, parecia ser de metralhadora.
Rosalina que confessa nada saber de armas, não pode identificar a sua natureza,
mas viu muitas pessoas a atirarem-se para o chão. Encontrava-se a ver, através
dos estores da casa, “a roer as unhas” e
com as luzes apagadas. Acontece que, depois dos disparos, uma pessoa ficou
estendido no chão, sem se levantar. Disse então para o marido que deveria haver
ali um ferido grave, senão mesmo um morto.
Ao fim de alguns minutos, umas pessoas bateram à porta
de entrada da casa. Tendo ido abri-la, constatou que se tratavam de três
estrangeiros a falar inglês, e a pedir ajuda para um ferido que vinha em mau
estado. O marido que tinha alguns conhecimentos de inglês, abriu-lhes a porta e
deixou-os entrar. Apurou-se, que se tratava de repórteres canadianos, e que o
ferido, era um colega que além do ar assustado, tinha a cara coberta de sangue
e alguns estilhaços do que veio a saber ser os restos de uma máquina
fotográfica, que se partira. Foi-lhes explicado que o jornalista-fotógrafo, com
o susto, tinha-se atirado para o chão, e na queda partiu a máquina, ferindo-se
na cara. Os canadianos entraram em casa, mas não deixaram acender a luz, com o
argumento que não queriam chamar a atenção, pelo que o primeiro curativo foi
efetuado por Rosalina Martins na casa-de-banho, à luz de duas velas.
Terminado o comício, Rosalina ouviu dizer na rua que
Cunhal conseguiu sair a pé, acompanhado de um grupo de fortes seguranças,
“cubanos” que o protegiam e encobriam dos populares, muito pouco amistosos.
Cunhal não saiu de carro, muito menos de ambulância, e ter-se-à dirigido para
um ponto qualquer da estrada que passando pela Bemposta, vai dar a Aljubarrota
e depois Lisboa.
O seu motorista, conhecido em Alcobaça, como o “Pobre Homem”, de onde aliás era natural
e tem família, mas com quem não tem relações, estava à sua espera num ponto
previamente combinado da estrada para o levar em segurança.
Segundo se soube mais tarde, sem aparato nem especiais
cuidados de segurança, Cunhal terá vindo outras vezes à região de Alcobaça, para
estar com os parentes do Pobre Homem, ou se encontrar com o proprietário da
Farmácia do Juncal e respetiva família.
Luís Graça, da Ataíja, que pontualmente e por iniciativa
própria colaborava com o PPD, também esteve presente junto ao pavilhão. Luís Graça
considerou o ambiente como febril, tanto de um lado (de fora) como do outro (de
dentro), e, contrariamente ao que se chegou a temer ou dizer mais tarde, só
alguns populares que o cercavam, estavam armados com caçadeiras.
Luís Graça, deparou com muita gente das suas relações
especialmente da Ataíja, Aljubarrota e Moleanos, que esteve envolvida na
contestação ao PC, no assalto à sede, e desta vez à presença de Álvaro Cunhal
que rotulavam de provocatória e acintosa. E se houvesse oportunidade apanhavam-no.
Manuel de Almeida, de Turquel, nos seus 23 anos e que
havia regressado não há muito da Guiné de onde trouxe um louvor individual numa
operação de fuzileiros realizada na zona do rio Cacine (fronteira com a
Guiné-Conacri, tinha gizado um golpe de mão.
Embora os sitiantes não se tenham apercebido da saída,
Luís Graça assegura que Cunhal se refugiou num barracão perto do Pavilhão,
devidamente enquadrado por seguranças, os célebres “cubanos” que o depois o
colocaram, são e salvo, no automóvel, frustrando
assim o plano de Manuel Almeida, que a concretizar-se ficaria para a História,
como “o homem que apanhou Álvaro Cunha à
mão”!
Depois destes acontecimentos, que incomodaram muito os
moradores da zona da Gafa, que não pretendiam mais “estar sujeitos a arruaças de consequências funestas e selváticas” reuniram-se
e aprovaram que fosse transmitido à CA da CMA, “o desejo que o pavilhão não fosse mais cedido a qualquer organização
política, para objetivos afins, de acordo com o respetivo Regulamento de
Utilização”.
Para Timóteo de Matos segundo me contou, “atacar a sede do PC era, descer muito a sul. A sede de Leiria tinha
sido destruída e a da Marinha Grande, ficava perto. A Marinha Grande era um dos
grandes bastiões do PC, pelo que não se podiam correr riscos. Havia que agir e fazer uma demonstração de
força que desanimasse o inimigo. Assim decidiu o PC pelo que foi programado,
para o fim do verão, um comício, em Alcobaça, no pavilhão Gimnodesportivo.
Anunciava-se a presença de Álvaro Cunhal e, deste modo, tanto para o PCP como
para a direita, estava bem claro que muito se jogava ali. Ou os comunistas
conseguiam fazer o comício e a direita sofria duro revés ou, pelo contrário,
era impedida a realização do comício e a direita saía por cima e com força para
continuar os assaltos a seu bel-prazer”.
Enfim, era um dilema do género, tudo ou nada. ELP, MDLP
e CDS, organizaram-se mas também estavam presentes muitos elementos do PPD e do
PS a aplaudir. “Rio Maior trocou o leão
pela moca e uma direita trauliteira, armada de varapaus e espingardas (e
fósforos), desceu do Minho em vinte autocarros, instigada pelos senhores abades
reacionários e veio por esse país abaixo, rumo a Alcobaça, gritando Morte aos
Comunistas”.
“Mas também por cá”,
confessou-me Timóteo de Matos, “se organizou o festim, Vamos esfolá-los
vivos!”
E continua que, chegado o dia, o Pavilhão ficou
praticamente cheio. Iniciou-se o Comício do PC. Os sitiantes deram início ao
ataque para a conquista do pavilhão. Foi dado o sinal com uma provocação e o
arremesso de pedras para a porta. Mas as pedras não eram as únicas armas dos
assaltantes que dispunham de caçadeiras e pistolas “em não menos quantidade das que tinham os defensores, que passaram
imediatamente ao ataque. Foi uma luta
desnecessária e estúpida que poderia ter tido consequências terríveis”,
reconhece Timóteo de Matos. “Os
comunistas, melhor organizados, apoiados e comandados por camaradas vindos da
Marinha Grande, foram avançando a pouco e pouco, muro a muro, poste a poste,
sempre ao som de tiros de um e do outro lado”.
Creio que não terá sido assim como conta Timóteo de
Matos que acrescenta, que no Pavilhão, “fechado
logo após a abertura das hostilidades, reinava uma boa organização e cantava-se
para afastar nervos e receios. Entravam,
trazidos pela segurança, de quando em vez, alguns prisioneiros ou feridos que
ali eram assistidos por médico e enfermeiros. Quando chegaram os militares, já os sitiados tinham consumado o seu
contra-ataque e lutava-se em baixo, junto ao prédio onde hoje está instalado o
Snack Bar Gafa”.
Creio que talvez também não tenha sido bem assim, embora
não o possa assegurar, pois nesse fim de semana estava ausente de Alcobaça.
“Os militares
chegados safaram os atacantes de uma punição ainda maior até porque, às
notícias da rádio de que o comício em Alcobaça, com Álvaro Cunhal, estava a ser
atacado por elementos de direita, responderam os comunistas de Almada e
Barreiro e a partir dessa hora começaram a chegar carros e carros, mais de
trezentos contei eu carregados de gente”.
E se tivessem chegado mais cedo?
“Como estavam as
coisas, a guerra civil poderia ter começado ali. Felizmente tudo ficou
resolvido e às três da madrugada a calma reinava em Alcobaça. Conheço e sou
amigo de alguns alcobacenses que estiveram neste ataque. Hoje não estão
orgulhosos do seu feito, aliás não conseguido”.
Por sua vez, o MRPP, através da Comissão da Zona Engels,
comunicava que
“(…) O Partido
social-fascista do lacaio do social-imperialismo Barreirinhas Cunhal, atua tomo um tonto. Pensa que à custa de
tanto bater com a cabeça na parede há de resolver os seus problemas. Tarefa
inglória. Atuando dessa forma, não conseguirá outra coisa senão dores de cabeça
cada vez maiores.
(…) O P”C”P tem
largas dezenas de sedes destruídas, perdeu o direito de falar em largas
regiões, e a sua força e expresso nacional só é comparável à do seu filhote
primeiro, o M”D”P/C”D”E.
(…) O P”C”P
argumenta que os assaltantes “não passam de bandos de fascistas”, de
“provocadores” reacionários”, etc. Toda esta argumentação não passa de uma
provocação feita ao povo, visa atirar parte do povo contra outra parte do povo
e acumular, assim, os fatores de uma provável guerra civil. É seguindo este
raciocínio cunhalista que os apaniguados deste partido atiram a matar sobre os
milhares do pessoas que assaltam as suas sedes, sob o pretexto de que são os
fascistas.
(…) Na tentativa
de justificar o que encontram, e no sentido de desviar a atenção dos operários
das verdadeiras causas destes ataques, o P”C”P argumenta que os assaltantes
“não passam de bandos de fascistas”, de “provocadores” reacionários”, etc. Foi
seguindo tal raciocínio que para o comício de Alcobaça foram amados ate aos
dentes, inclusivé com metralhadoras, cocktails molotov, etc. Será que foi
preciso mobilizar as suas milícias social-fascistas do Norte a Sul rara
convencer o povo de Alcobaça e arredores de que é reacionário e fascista?
Esta foi a mais
nojenta das provocações feita ao povo de Alcobaça e arredores e a resposta dada
a tal provocação foi a mais justa e correta, tão justa e correta que obrigou o
testa-de ferro do social-imperialismo Barreinhas Cunhal a meter o rabo entre as
pernas e a sofrer a maior humilhação que se pode ter, ser escorraçado pelo povo. Ao perder o direito de falar em Alcobaça
e logo a seguir ao Porto, o P”C”P sofreu duas das maiores derrotas da sua
história e esses acontecimentos são a expressão do evidente isolamento completo
e total desse partido (…)”.
Em outubro de 1975, o CDS realizou num sábado à noite,
uma sessão de esclarecimento, no edifício da escola primária do Alqueidão da
Serra, tendo como oradores, Manuela Gonçalves (Porto de Mós), Abel Santiago
(Caldas da Rainha) e Manuel Castelhano, (Benedita).
Este, ao fim da tarde, teve de participar uma sessão em
Évora de Alcobaça, num frigorífico de fruta virado recinto político, cujos
assentos, para os que não estavam de pé, eram as paletes de madeira. Estando
atrasado, Manuel Castelhano telefonou para o Alqueidão da Serra, a saber o
ponto da situação, comunicando que iria demorar algum tempo, pelo que
iniciassem a sessão, sem esperarem por si. Quando se encontrava próximo do
Alqueidão da Serra, Castelhano encontrou um grupo de populares, que indo pela
estrada, se revelavam exaltados, falando alto e gesticulando. Sem saber quem
eram, parou e um pouco inquieto, pois nunca se assumiu nem como herói, nem
mártir, perguntou se havia algum problema, ao que um lhe respondeu que um grupo
de comunas os tinha atacado com insultos e à pedrada, ao perceberem que se iam
dirigir para a escola, onde estava prevista a sessão do CDS, pelo que não
tinham lá entrado. Ao mesmo tempo foi-lhe dito que um filho da Drª. Manuela
tinha sido atingido com uma pedra numa mão e fraturado um dedo, pelo que teve
de ser levado ao hospital.
Nesse tempo, havia no lugar, um pequeno mas aguerrido e
barulhento grupo esquerdista, bem como alguns homens que, embora trabalhassem
como calceteiros para a Carpintaria e Serração Mecânica da Benedita, de que
Castelhano era sócio e gerente, não eram, nem de perto, nem de longe,
simpatizantes do CDS. O edifício da escola estava cheio, no exterior
encontravam-se pessoas que não conseguiram entrar, tanto mais que não haviam
sido retiradas as carteiras escolares. Ainda no átrio, Manuel Castelhano
percebeu que no interior, estava instalado burburinho, com apupos e contestação
à intervenção de Abel Santiago. Todavia, ao entrar, Castelhano foi
imediatamente reconhecido por um dos calceteiros, que disse em voz alta, “alto aí, não há mais barulho, chegou o sr.
Manel que é nosso patrão e amigo. Merece respeito”.
Perante isto, os agitadores acalmaram e a sessão passou
a prosseguir com quase total normalidade, até depois da meia-noite. No fim, os
oradores e populares, trocaram impressões em ambiente de cordialidade, tendo
sido exprimida a vontade de os tornar a receber. Mas o PPD foi aí o mais
votado.
Na campanha para as eleições legislativas de 1976, o CDS
apresentava-se com uma linguagem “interessante”,
tentando entrar no estilo da época, mas no seu caso pouco expressiva ou mobilizadora.
“(…) Depois de
perseguido nas épocas gonçalvista-otelista-corvachista, de ter assistido a
ataques e à destruição de muitas das suas sedes e à prisão de alguns dos seus
militantes, o CDS apresenta-se hoje ao eleitorado como o partido da humildade e
da coerência democrática. O CDS tem o programa mais consentâneo com a realidade
nacional e com os interesses de todos os portugueses.
(…) O lema do CDS
é a justiça social para todos. O CDS defende a harmonia entre o capital e o
trabalho. O CDS condena o patrão quando este pretende apenas explorar o
operário. O CDS condena o operário manipulado partidariamente que, por querer,
prejudica a sua produtividade. Capital e trabalho, em base de justiça social
são absolutamente necessários à reconstrução do País.
(…) O CDS é um
partido do Centro e repudia qualquer forma de ditadura. É um partido dinâmico e
progressista. É um partido de vocação europeia.
É um partido que
preconiza uma sociedade sem classes, com acesso de todos à propriedade privada,
resultando esta do trabalho livre e honesto de cada um”.
O PREC revelava, ao fim e ao resto, menos consistência
do que aparentava.
Era patente o caráter pouco representativo de alguns
grupos que exerciam o poder político e militar, tal como resultou das eleições
para a Assembleia Constituinte. A luta no hemiciclo da Assembleia Constituinte,
nos quartéis e nas ruas vai endurecer, o Conselho da Revolução recusar a
entrega da Rádio Renascença à Igreja e do jornal República aos proprietários e
redatores.
Foi por essa altura que o PS fez o Comício da Fonte
Luminosa, em que pediu a demissão de Vasco Gonçalves e em seguida saiu do
Governo, seguido uma semana depois pelo PPD.O clímax aproximava-se.
1 comentário:
eu estuve en esa noite en Alcobaça e ainda guardo un casette con audio do mitin, estaba con outros membros de Partico Comunista de Espanha acudindo todas as noites a sede do PCP en Nazaré compartindo cos camaradas portugueses aquel verao quente en apoio do V goberno de Vasco Gonçalves e voltei a Nazare as seis da manhá gracias a os camaradas de Marinha Grande que me orientaron para voltar a Nazaré naquela peligrosa madrugada de agosto de 1975, Jose Alen, Historiador.
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