O ALCOA, A CENSURA, Pe. ALEXANDRE SIOPA, MÁRIO
VAZÂO E FUNCIONÀRIOS DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS (Alcobaça) NOS TEMPOS DO PREC.
Fleming
de Oliveira
O
Alcoa, afeto à Igreja Católica era, já nos tempos do PREC, o jornal com maior
tiragem e mais lido nos Concelhos de Alcobaça e Nazaré, apesar deter então
cerca de 1.700 assinantes.
Fundado
em 27 de dezembro de 1945, até 21 de maio de 1987 pertenceu ao Patriarcado de
Lisboa. Desde então, passou a ser propriedade da Paróquia de Alcobaça, sendo
seu Administrador, o Pe. Alexandre SiopA. Os seus leitores espalham-se pelo
País e estrangeiro, principalmente na Europa e América, os quais
quinzenalmente, leem com natural avidez as notícias referentes à sua terra
distante. O seu (antigo) Diretor Mário Vazão, professor do ensino secundário,
recordou-me que antes do jornal estar
impresso tínhamos de levar uma cópia ao Posto da GNR, em Leiria, onde uma praça
lia rapidamente, gastando pouco mais que um quarto de hora. Uma vez por outra
recomendava-nos que cortássemos um ou outro parágrafo. Éramos recebidos de uma
forma seca e áspera, como se eles nos estivessem a fazer um grande favor.
Depois da Revolução dois daqueles que tinham sido nossos colaboradores, por
iniciativa própria, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para ocupar o meu
lugar.
O
Movimento Democrático de Alcobaça,
heterónimo do MDP/CDE, em panfletos que, sem outra assinatura, em meados de
maio de 1974 pôs na rua, referia-se a O Alcoa, do modo seguinte: Continua a publicar-se um Alcoa dirigido
pelo ilustre primo do ex-presidente da Câmara (...). Do Alcoa espera-se e impõe-se a sua abertura aos colaboradores que de
lá foram escorraçados. Impõe-se a mudança do seu comprometido diretor com vista
a que esse jornal possa servir verdadeiramente o concelho como órgão regional
que é. Ainda recordamos a sua independência quando era seu administrador o Pe.
Helder e seu diretor Viana Maranhão. Essa luta pela independência levou a que
forças reacionárias, lideradas pelo ex-Presidente da Câmara, conseguissem o
afastamento da paróquia do Pe. Helder. Viana Maranhão tomou a única atitude
coerente: a demissão.
Há que
registar, que aquela argumentação era um natural produto do tempo e, assim, tem
de ser entendida e relevada.
O Pe.
Alexandre Siopa, Pároco de Alcobaça e administrador de O Alcoa, passou
relativamente incólume os tempos do PREC.
Por três vezes fui surpreendido pelas
barricadas, que sempre deram em risada. Nunca me incomodaram muito menos
molestaram.
A 28
de setembro de 1974, em reunião na sede do MDP/CDE, ainda nas instalações que
ocupou no 1º. piso da ala norte do Mosteiro, foi proposto e decidido um ataque
ao Jornal de Alcobaça, propriedade de Tarcísio Trindade, o que veio a ocorrer
com a destruição dos exemplares, à saída da tipografia. O jornal interrompeu a
publicação, anunciando que só a retomaria com a normalização da vida política
local e quando houver garantia que o civismo de quem milita em campos ideológicos
diferentes, é capaz de respeitar as ideias dos outros.
Mais
tarde, em pleno gonçalvismo, alguém defendeu pública e acerrimamente, num
plenário popular, um ataque a O Alcoa. Firmo de Almeida, republicano de longa data, opôs-se de imediato, dizendo que o Pe.
Siopa já tinha demonstrado bem não se meter em política, nem o jornal.
Porém, perante insistências no sentido de se tomarem medidas de afrontamento ao
jornal, Firmo de Almeida apelou ao bom senso, pois não desejava ver menos apreciado o filho do Sr. Francisco Siopa,
seu amigo de outros tempos. Mais tarde, desencantado com o decurso do
processo revolucionário, Firmo de Almeida confidenciou ao Pe. Siopa que não era isto que queríamos. E quero
dizer-lhe que passei para o seu lado. Os senhores é que tinham razão, isto não
serve a ninguém. Vamos ficar pior que antes.
Por
sua vez, Mário Vazão andava preocupado com as ameaças anónimas que chegavam à
redação do jornal, que em breve poderia ser incendiada. O Alcoa não alinhava no
delírio gonçalvista, apesar de, verdade seja dita, também ter padecido da
doença infantil do momento, quanto à publicação com menor rigor de notícias
veiculadas pelas agências de informação, apontamentos de colaboradores e de
outros jornais. A este propósito, Vazão contou-me que tudo se passou repentinamente. Tínhamos saído de um regime autoritário,
onde não existia liberdade de expressão, tínhamos que escrever com cuidado por
causa da censura, para entrarmos num regime que quase chegou a ser um caos
completo. O que nessa altura O ALCOA publicava era fruto da época.
Após a
abolição da censura (eufemisticamente passada a chamar-se Exame Prévio), em 29
de abril de 1974, os diretores dos jornais do Distrito de Leiria, entre os
quais O Alcoa, foram chamados ao Governo Civil, onde foi anunciado que não
haveria mais censura.
A sua
queda constituiu, um fator determinante no processo de democratização da vida
portuguesa. A censura e a polícia política condicionavam, de há muito, os
hábitos e a mentalidade das pessoas. O critério censório, no tempo de Caetano,
tal como no de Salazar, obedecia em linhas gerais à necessidade de ocultar à
opinião pública do País, o que quer que fosse contrário às linhas de força do
regime, desde o sexo à droga, princípios teológicos e modelos alternativos da
evolução económica e político-social.
Na
censura relativa aos escritores, como em muitos outros setores da vida do País,
há que encontrar, na crítica hoje possível, o justo equilíbrio. Um inquérito
realizado em 1975 por um vespertino lisboeta, às editoras e escritores afetos à
oposição, permitiu concluir que afinal, ao contrário do que insistentemente se
dizia, os escritores no dia 25 de Abril não tinham obras escondidas na gaveta,
à espera da luz do dia e da libertação da censura.
Como
jornal de ampla divulgação local, os partidos políticos, movimentos cívicos,
democratas, reacionários e oportunistas, logo quiseram utilizar O Alcoa em
proveito próprio, como instrumento de propaganda, fazendo chegar à redação, e
em catadupa, textos que, obviamente, nem sempre eram publicados. Alguns eram
mesmo impublicáveis, como lembra M. Vazão, com um artigo visando a denúncia de
perigosos reacionários de Alcobaça. Chegou a ser organizada em Alcobaça, uma
manifestação popular contra O Alcoa, que atravessou o Rossio gritando slogans, encabeçada por um vira casacas que antes do
25 de Abril tinha colaborado nele, com entusiasmo.
O PREC
foi, paradoxalmente, o momento da grande viragem de O Alcoa que levou
rapidamente aos cerca de 8.500 assinantes.
Na
Vila de Alcobaça, a influência da Igreja em termos de orientação política e
concretamente eleitoral, nunca foi relevante. O Pe. Siopa questionado sobre
esta questão, não receou dizer-me que nas
minhas homilias procurava ser discreto, acompanhava e doutrinava sem
referências. Notava-se um ambiente de euforia e desorientação, sem objetivos. A
palavra liberdade justificava tudo. Falei particularmente com o Sr. Patriarca
que me aconselhou a escrever as homilias, o que nunca fiz. Disse-me também que
a Igreja não tem nem faz partidos.
Relativamente
a esta questão, o Pe. Siopa quis acrescentar-me que, como Pároco senti-me sempre livre e à vontade. Todos me queriam a seu
lado. Recebi alguns puxões no braço esquerdo, como também no direito, o que me
ajudava no equilíbrio que pude manter.
Todavia,
quando o COPCON em julho de 1975 prendeu Tarcísio Trindade, o Pe. Siopa recebeu
um postal anónimo, dizendo que aguardasse o dia que iria ter com o seu amigo a
Caxias. Escreveu-lhe a dar conta do facto, que aliás nem chegou a causar-lhe
preocupação.
Os funcionários
da Caixa Geral de Depósitos, Agência de Alcobaça, realizaram em 6 de março de
1975, uma Assembleia Geral onde, por unanimidade dos presentes, foi aprovado e
divulgado que, atendendo que com a
manutenção da assinatura do Jornal de Alcobaça estão os trabalhadores desta
agência, indiretamente a colaborar com uma imprensa FASCISTA E REACIONÁRIA, que
apenas serve o interesse de uma minoria de privilegiados em prejuízo da
totalidade dos trabalhadores portugueses em geral e da população do Concelho de
Alcobaça em particular, comunicar a deliberação à Administração, Comissão
Executiva dos Trabalhadores, Diretor do Jornal e outros julgados convenientes,
devolver o exemplar nº 109, de 1 de março de 1975 e, solicitar à Administração,
a imediata rescisão da assinatura.
Sobre esta decisão, Tarcísio Trindade, diretor e dono do
jornal, escreveu que (…) há cerca de 4
anos, em pleno regime anterior, um atual colega dos autores do comunicado
(presta hoje serviço numa instituição bancária de outro concelho), passou por
um transe difícil. Casou, tinha filhos pequenos e, por várias vezes viu-se
marginalizado por outros familiares. Precisava urgentemente de emprego. Todas
as portas se lhe fecharam. Além do mais, era na altura um clandestino militante
comunista, o que era heroico naquele tempo. Veio um dia a nossa casa, aflito e
angustiado, com a carta de apresentação que era apenas ter sido nosso
companheiro da escola. Abraçámo-nos. Expôs o seu problema, com a franqueza de
um amigo. Interessamo-nos pelo seu caso. Foi admitido no Banco (CGD), com toda a justiça, porque era trabalhador
apto. O diretor deste jornal e sua mulher, assinaram um termo de fiança de 50
contos, com reconhecimento notarial, exigência incongruente para a sua
admissão. Esse amigo vive hoje uma vida feliz. (…)
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