A PRISÃO DE ALCOBACENSES ÀS ORDENS DO COPCON (22 de
julho de 1975).
OS MANDATOS DE PRISÃO ASSINADOS EM BRANCO.
O “BOM” OTELO.
TARCÍSIO TRINDADE, CARLOS “CARANGUEIJO ”, H. BASTOS, L. ”CAPADOR
”, MÁRIO AMARAL E OUTROS.
Fleming de Oliveira
Luís do Couto Serrenho, figura típica de Alcobaça,
conhecido por Luís “Capador”, nunca
soube das razões porque no dia 22 de julho de 1975 foi preso às ordens do
COPCON, embora não tivesse dúvidas de maior donde proveio a denúncia (o que
nunca me quis esclarecer).
Comerciante estabelecido no Rossio de Alcobaça, com
negócio de taberna e venda de jogo, além de um pequeno talho, assinando com
dificuldade o nome, nunca se envolveu em política, antes ou depois do 25 de
Abril.
Apesar disso, foi interveniente num episódio marcante do PREC, em Alcobaça.
Na manhã de 21 de julho de 1975, Luís “Capador”
tinha regressado do matadouro da Nazaré, aonde fora, como
habitualmente, levar gado para abate. Ao ver o desusado movimento de pessoas
concentradas em frente aos Paços do Concelho de Alcobaça, ali se deteve um
pouco a conversar, a apreciá-lo à distância.
Nunca teve problemas em confessar-me que não fazia ideia
do que eram comunistas ou socialistas, nem da razão porque queriam correr com o
José Pinto (PC e Presidente da CA da CMA), que “até nem era mau homem”.
Depois do almoço, como a agitação popular se havia
transferido da Gafa para o Rossio, quase em frente ao seu estabelecimento, foi
ver, aliás sem grande curiosidade, o que se passava.
O seu azar foi estar nesse dia munido de um cajado, com
cerca de 1,30m de comprimento, que costumava utilizar para conduzir o gado.
“Capador”, definia-se como pessoa simples, pacífica e algo
ensimesmada, pelo que se irritou quando o ativista do MDP António Luís Ventura,
o interpelou. Sendo de poucas falas, logo o avisou, que “se não fosse marreco, até lhe moía os ossos com um pau”. Possivelmente
também por causa do cajado, ainda foi provocado com insultos e ameaças físicas,
junto à sede do PC, por três indivíduos do Valado dos Frades (operários de Raul
da Bernarda, Ldª.)
No dia seguinte, logo de manhã, após uma noite passada
em casa, quando se preparava para ir ao talho buscar a ferramenta para capar
três porcos, encontrou à sua espera uma força armada composta por seis
militares que se transportavam num jeepão do Exército, acompanhada pelo guarda
Almeida, da PSP de Alcobaça, com a função de o identificar. Tendo-lhe sido dada
voz de prisão, subiu para o veículo, sem tempo de arrumar a motorizada, avisar
a família ou acabar de se arranjar. No jeepão encontravam-se, também detidos, o
Solicitador Hernâni Bastos e o Comandante dos Bombeiros de Alcobaça, Carlos
Leão da Silva, “Caranguejo”, seguindo
todos para Leiria e acompanhados de perto, até S. Jorge, por um muito curioso
Deodoro Morgado Henriques, de bicicleta.
Ao fim da tarde, no quartel de Leiria, foi dito aos
presos, aos quais se juntara ainda em Alcobaça Mário Amaral
que talvez ainda nessa noite depois de ouvidos, regressassem a casa. Não lhes
foi dito que iriam para Lisboa, muito menos para Caxias ou se havia algum
mandado e nesse caso em que moldes.
Mário Amaral contou-me que “em consequência dos assaltos à Câmara e ao PCP e por força do cargo na
secção de Alcobaça do PS, fui confrontado até cerca das cinco e meia da manhã
seguinte com pedidos de informação de todo o País, através do telefone. Perto
das sete, acordei com a campainha da porta e dirigindo-me à janela, fui
informado pela minha vizinha que vieram à minha porta um agente da PSP e um
militar e, ainda, que o Carlos Leão, o Hernâni Bastos e o Luís Serrenho tinham
sido presos. Na presunção de que algum deles tivesse invocado o meu testemunho,
dirigi-me ao Posto da PSP para saber do que se passava. Que nada, foi a
informação. Foi então que ao sair encontrei o referido agente da PSP que ao
ver-me, exclamou: Ah! Você está aqui? Fica já detido!”
Razões dessa detenção não lhe foram apresentadas.
Mandato também não, porque em tempo de Revolução a legalidade assim o
impunha/permitia, mas admite que a prisão tenha sido resultante de alguma atividade
conspiratória em que se envolveu do não agrado do PC.
O certo é que, não soube como, nem porquê, vieram ordens
não para os soltar ou ouvir, mas para os levar para Lisboa e transferir para
Caxias, acusados de pertencerem a uma perigosa associação de malfeitores.
Tendo corrido o boato em Alcobaça (prontamente
transmitido ao Quartel de Leiria), que na Estrada Nacional, junto à Benedita,
se iriam organizar barricadas populares, para os libertar do COPCON, se por lá
passassem, foi decidido fazer um desvio por Santa Margarida, Coruche e
Santarém.
Chegados à Prisão de Caxias, como não havia mandados,
conhecimento da ordem de detenção ou instruções, tiveram de passar primeiro
pelo Comando do COPCON, para se registarem e formalizar a situação.
Os alcobacenses (insiste-se), haviam sido presos sem
mandatos de captura ou quando muito assinados em branco, com base em denúncias
não assumidas, como era prática seguida por Otelo Saraiva de Carvalho, no
Comando do COPCON, que entendia que “de
maneira nenhuma estas prisões podem ser consideradas no âmbito da estratégia
anti monopolista. Estão sim dentro de uma luta anti corrupção. Quanto à
estratégia anti monopolista isso é um assunto que terá que ser encarado no
âmbito do Programa económico. Em relação à atuação do COPCON, ele atuou a
pedido do Governo e de acordo com a legislação que o criou a ele COPCON. De
qualquer modo esse assunto parece-nos que já estará respondido no que respeita
à entrada em vigor de legislação revolucionária.”
Tratando-se de uma perigosa associação de malfeitores
havia que os colocar em celas separadas, situação que se manteve até serem
ouvidos pela primeira vez, ao fim de 9 dias. Nunca souberam se essas celas eram
as mesmas que antes do 25 de Abril recebiam os presos políticos, mas seja como
for não tinham em funcionamento os instrumentos que Gilberto Coutinho, referiu
ter-lhe sido contado e sabia.
Os mandados em branco, foram variadas vezes utilizados.
As circunstâncias em que foram utilizados foram descritas, após 25 de novembro de
1975, por Otelo Saraiva de Carvalho, ao juiz- nstrutor do seu processo:
“(…) No que se
refere a prisões, passou o COPCON a atuar como um agente de polícia captor, com
a diferença de que os mandados de captura eram emitidos pelo próprio COPCON.
(…) Assim, a
Repartição de Informações, responsável pelo controlo dos mandados de captura,
apresentava ao declarante vários exemplares destes em branco, já numerados,
sendo cada exemplar em
triplicado. O declarante rubricava-os, cabendo a
responsabilidade àquela Repartição, durante as horas de serviço, da emissão de
mandados ou da entrega, totalmente em branco e só com a assinatura do
declarante, a uma força captora, para a realização de uma prisão.
(…) Todos os dias,
o oficial encarregado da sala sete recebia do oficial de serviço os mandados
não utilizados, que recolhiam à sala sete, à responsabilidade daqueles oficiais
(…).”
Além destes, houve outros comportamentos
revolucionários, como os saneamentos de oficiais, passagens compulsivas à
reserva, feitas pelos Conselhos das Armas, sem que fossem ouvidos os visados.
A isto poderia acrescentar-se as tentativas de promover
o fuzilamento dos presos que fossem considerados mais perigosos para o avanço
da revolução. Foram feitos vários abaixo-assinados nesse sentido e terá sido a
tentativa ensaiada na Assembleia Selvagem do MFA, de 11 para 12 de março, que
levou Vasco Lourenço tomar uma posição frontal contra a medida, defendida por
Varela Gomes.
Vários líderes do MFA, manifestaram concordância com
graves situações, desde as barricadas, as aleatórias prisões do 28 de setembro
de 1974, as detenções de gestores ligados à banca, em 13 de dezembro, até à
aprovação, pelo auto designado Conselho dos Vinte, da unicidade sindical.
Num livro apologético e menor que Vasco Lourenço lançou,
gaba-se que os saneamentos dos oficiais das Forças Armadas foram “muito democráticos”.
O Gen. Sousa Menezes, depois do 25 de Abril colocado em
Moçambique, onde participou do processo de descolonização até à independência
do território, escreveu que “(…) a
revolução brandia uma arma terrível que quase paralisava a vontade dos quadros
permanentes. Sabia-se que essa arma tinha sido decisiva nas revoluções
vermelhas dos países do Leste, saneamento militar, às vezes seguido do
fuzilamento, como aconteceu na Rússia, nos anos 20. Tratou-se do esquema mais
feroz montado no consciente dos militares. Toda a gente tinha medo de ser
saneada. A disciplina militar e o cumprimento das ordens estavam profundamente
afetadas pela desconfiança e pela incerteza. (…).”
Sem se poder concluir que a cadeia hierárquica das
Forças Armadas se esfumou totalmente durante o período revolucionário, convém
salientar que, a par da cadeia militar tradicional, outras hierarquias,
efémeras, se organizaram durante o PREC. O enfraquecimento da cadeia de comando
e da disciplina militar não significou, que o valor e significado da hierarquia
se tenham extinguido no seio das Forças Armadas, nem que isso teve como
consequência, a redução dos generais. O PREC não dispensava generais, seja pela
tradição castrense, seja para evitar lutas fratricidas ao nível dos oficiais
intermédios que lideraram o golpe. Generais como António de Spínola e Costa
Gomes iriam ocupar a chefia do Estado, até à realização das eleições
presidenciais de 1976. Muitos dos oficiais intermédios do MFA, seriam graduados
em patentes superiores, no mais puro respeito formal pelas tradições e ritos
castrenses.
João Salgueiro, Presidente da Câmara de Porto de Mós,
não renega as origens, nem o passado político e tem orgulho em ter participado
no 25 de Abril “como Oficial do Exército.
Com alguma imodéstia que isso possa representar, no 25 de Abril fiz parte do
grupo que ocupou a sede da Legião Portuguesa e integrei o corpo de proteção ao
1º. de maio.”
Esteve envolvido no Verão Quente no RI7, no qual teve
problemas porque era adjunto do comandante de uma companhia de intervenção, o
qual nunca aparecia ao fim da tarde.
Foi Salgueiro quem efetuou as prisões dos alcobacenses,
com ordens do COPCON, “mas recusei-me a
prender as de Porto de Mós porque eram quase todos meus amigos. Pedi ao meu
comandante para não me fazer essas maldades e ele teve o bom senso de não me
mandar prender os de Porto de Mós. Quando recebi o mandato de Otelo com a lista
das pessoas a serem presas, liguei a alguns amigos de Porto de Mós para
fugirem! Felizmente na altura não havia escutas telefónicas!”
Sobre a prisão dos alcobacenses, o CDS emitiu cerca de
um ano depois um comunicado de onde se transcreve que, a injusta prisão de cinco alcobacenses em Caxias, por motivos políticos
e efetuada, em julho do ano findo, por iniciativa de BUFOS das delegações
locais de partidos gonçalvistas, ainda poderá dar muito que falar. Nesses cinco
alcobacenses presos, estão incluídos alguns simpatizantes do nosso partido. Prosseguem
diligências, em Lisboa, junto da 2ª Divisão do EMGFA, tendo em vista o
desmascaramento público dos bandalhos gonçalvistas de Alcobaça.
Os alcobacenses não terão sido mal tratados em Caxias.
O oficial que tomou declarações a Luís “Capador” não queria acreditar quando
este afirmava e reafirmava que nada sabia de partidos e política, muito menos o
que era esquerda ou direita (“o PPD
também é comunista?” ), pelo que não tinha dúvidas em ter sido preso por um
mal entendido.
A propósito da sua estada em Caxias, durante dez dias,
Luís “Capador” sublinhava-me que
deveu a soltura, tal como os demais alcobacenses, à influência de António
Raposo de Magalhães, que ali prestava serviço, como alferes miliciano.
Mário Amaral, contou-me que “passados nove dias fui ouvido por um senhor Capitão que me garantiu ir
falar com o Gen. Otelo Saraiva de Carvalho, no sentido de ordenar a nossa
libertação face à inexistência de razões justificativas da prisão”.
Dentro da rotina prisional e de acordo com o seu hábito de
vida, Luís “Capador”, levantava-se
todos os dias às 6h30 e ocupava parte da manhã a fazer a limpeza das celas já
que, como dizia, os seus conterrâneos não sabiam fazer nada.
Por isso, Hernâni Bastos, naquela sua muito peculiar
forma de falar e estar, dizia que “nunca
na vida vi mulher a dias mais bonita que o Capador”.
José Eduardo Reis Oliveira contou-me, a propósito da “passagem” dos alcobacenses por Caxias,
um episódio curioso, de que teve conhecimento e correu por Alcobaça.
Na Cadeia de Caxias, havia algumas pequenas
prorrogativas, uma das quais consistia em poder pedir ao carcereiro, pagando é
verdade, que comprasse o jornal. Um dia essa tarefa coube a “Capador”, que comprou O Século. Os
companheiros, quando deram pela aquisição, já não foram a tempo de reparar o
grosseiro erro.
“-Oh Luís este
jornal não é dos nossos! Onde é que tens a cabeça? Este jornal é dos comunas. O
nosso é o Jornal Novo.”
“Capador” coçou a cabeça, (ele sabia lá, jornais são apenas
jornais que trazem notícias), pelo que o melhor e único argumento que arranjou
não acalmou os companheiros.
“-Eh pá, eu sabia
lá. Para mim são todos iguais.”
De facto a política não era o seu forte. Se fosse, não
seria conhecido por Luís “Capador”, acrescentou-me Reis Oliveira.
A comida dos presos era razoável, mesmo de acordo com a
opinião de um talhante como “Capador”.
No dia em que os alcobacenses foram libertados, ou seja
em 30 de julho de 1975, tinham à sua espera uma autêntica mesa de casamento,
tantas as iguarias que amigos lhes foram fazendo chegar. Mas a ânsia de
liberdade era tão grande que deixaram ficar tudo para os guardas.
Francisco Vitorino André, comerciante na Vila e Vereador
da CM, após o 25 de Abril, também esteve para ser preso no dia 22 de julho,
pelo COPCON.
Era assumidamente, um homem de direita, “não desgosto de viver em democracia e, desde
muito novo servi o regime, nunca com intenção de obter dividendos políticos ou
patrimoniais. Exerci na minha freguesia dois mandatos como Presidente da Junta
antes do 25 de Abril e como se sabe a remuneração nesse tempo era simplesmente
zero”.
Francisco André não foi detido por mera casualidade pois
“nesse dia saí muito cedo da minha
residência na Vestearia e fui com um amigo a Lisboa. Quando passei por Alcobaça
vi uma viatura do Exército com naturalidade, pois nunca pensei que estivesse
destinada a transportar-me à prisão. Fui procurado, mas como não estava, não
foi possível a minha detenção. Quando regressei de Lisboa estava a decorrer nos
Paços do Concelho uma grande manifestação na qual me integrei, fui metralhado
por olhares diversos, certamente alguns achavam estranho eu estar ainda em
liberdade”.
Vitorino André acrescentou-me que #entretanto fui avisado pelo meu filho que tinha de comparecer de
imediato no Posto da PSP, fi-lo com a maior prontidão. O chefe daquela
segurança disse-me que não me prendia, que se eles quisessem que me viessem
buscar.”
A razão porque o COPCON o quis prender, não chegou a
conhecer. Vitorino André foi candidato a deputado pelo CDS, às eleições para a
Assembleia Constituinte, mas não veio a ser eleito.
José Eduardo Reis Oliveira, sobre Hernâni Bastos, que
conhece há muitos anos, asseverou-me que “foi
uma figura incontornável do PREC em Alcobaça. Chegou jovem à nossa pacata vila nos
anos 60 (1957 confirmei eu) e
instalou-se como Solicitador. Rapidamente abanou as estruturas implantadas
usando, na promoção da sua profissão, alguns métodos bastante revolucionários
para o tempo. A placa identificativa do seu escritório, na Rua Alexandre
Herculano, dizia:
Hernâni Bastos
Solicitador
Cobranças difíceis”
Nessa época, tinham escritório na comarca de Alcobaça,
os Advogados Drs. Pina Cabral, Amílcar Magalhães, Amílcar Ferreira, José Bento
da Silva e Manuel de Almeida.
Solicitador, era apenas Ernesto de Almeida. Hernâni
Bastos, esteve ligado a algumas “estórias”,
de gosto duvidoso, mas a sua irreverência era uma imagem de marca. Exímio
dançarino, segundo me contou frequentou muitos salões de Lisboa, onde era
reconhecido e apreciado pelo elemento feminino. A sua preferência, incidia
pelas músicas românticas, “onde não era
necessário movimentar os pés”.
José Eduardo contou-me que por “vezes o vi brincar (brejeiramente) com o nome do Presidente da Câmara, Joaquim Augusto Carvalho”.
Quando, fora de Alcobaça, almoçava ou jantava com alguns
funcionários mais jovens do Tribunal, entre os quais José Eduardo que lá
trabalhou durante algum tempo, “para ser servido com rapidez e com direito
aos melhores pratos, intitulava-se Presidente da Câmara e, no final da
refeição, oferecia sempre os préstimos. Alguma
coisa que seja preciso procure-me. Pergunte por Joaquim Augusto Carvalho”…
Os convivas sorriam circunstancialmente, pois o ambiente
era descontraído. “Era o tempo em que iam
a Lisboa, ao Estádio da Luz, ver os jogos internacionais do Benfica”.
Na altura do PREC, Hernâni Bastos frequentava quase
diariamente o Café Trindade. Com a Revolução a clientela mudou bastante.
Segundo JERO “Os
donos da revolução, invadiram as mesas do Café Trindade,
afrontando a clientela de outrora, que convivia mal com os novos tempos”.
Um dia, ainda de acordo com JERO Hernâni Bastos entrou
pelo Café Trindade e foi ao balcão tomar uma bica. “Levava pela trela um cão que tratava por Camarada. Da entrada até ao
balcão deu diversas ordens de comando ao cão, em voz suficientemente alta para
ser ouvido pelo Camarada e pelos ocupantes afetos ao PC e ao MDP que ocupavam
então a maioria dos lugares. Tempos depois do assalto à sede de Alcobaça do
Partido Comunista, teve direito a um mandato de captura, que o levou até às celas de Caxias. Tinha
relações de amizade com Hernâni Bastos e quando regressado de Caxias o visitei
no seu escritório para lhe dar um abraço, encontrei um homem diferente. Quando
lhe perguntei pelo Camarada, já não tive a resposta pronta a que estava
habituado. O riso fácil fora-se…”
Na manhã de Domingo, dia 20 de julho, foi detido na sua
residência, em Alcobaça, Tarcísio Trindade, último Presidente da CMA, no tempo
do Estado Novo e levado para Caxias.
A sua prisão pelo COPCON nada teve a ver com a dos
outros quatro alcobacenses. Esclareceu-me que
“cerca das oito da manhã recebi um
telefonema do meu amigo José Costa Pombo, informando-me que a Rua D. António de
Campos, onde eu residia, a Rua Miguel Bombarda no seu troço final e o início da
Avenida Maria e Oliveira, estavam pejadas de militares cercando a minha casa e
seus acessos. Bateram à porta e o comandante da valente expedição apresentou-me
um mandato de captura assinado por Otelo Saraiva de Carvalho. Revistaram a
minha casa, os meus filhos de tenra idade tiveram de sair das camas e berços
pois, até esses, foram revistados”.
Trindade foi preso por uma força militar do COPCON
composta por um major, dois capitães, furriéis e praças, transportados em três
viaturas e veio a ser libertado 25 dias depois, sem qualquer explicação, antes,
durante ou depois da prisão.
Nunca foi ouvido, interrogado ou acusado. Quando em 15
de agosto de 1975, pelas 23h chegou a Alcobaça, depois de 25 dias de detenção,
tinha umas 200 a
300 pessoas à sua espera, que o aplaudiram quando estacionou o automóvel no Rossio.
Ao sair, comentou reconhecido e emocionado que “pelo que vejo, há ainda homens de coragem em
Alcobaça”. Imediatamente, uma voz feminina ripostou “e mulheres também”.
Tal como no caso dos outros alcobacenses, nunca tendo
sido possível apurar a razão da sua detenção, Tarcísio Trindade podia dizer,
que “não merecia esta receção, nem
merecia ter lá estado”.
Para António Carvalho Rainho, “tudo servia para amedrontar e ofender as pessoas que de algum modo não
estavam na sua linha de atuação política. Um dos acontecimentos que numa manhã
me assustou, foi a detenção de Tarcísio Trindade. Vivia eu na Rua D. António de
Campos, em Alcobaça, onde também residia Tarcísio Trindade, quando de manhã, ao
dar os primeiros passos na rua, me apercebi de que ao longo da mesma se
encontravam alguns militares armados até aos dentes. Assustei-me de verdade e
confesso que desci a rua com a convicção de que era mais pequeno do que um grão
de arroz, pela circunstância de que, em primeiro lugar, desconhecia em absoluto
a razão de tamanha segurança e em segundo eu, como outros residentes vizinhos,
pensássemos que talvez fossemos alvo de tais movimentos, pois a euforia
revolucionária era tanta, que tudo era possível acontecer”.
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