TEMPOS DE BRASA
DESTITUIÇÃO DA CA DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA E ASSALTO
À SEDE DO PARTIDO COMUNISTA (julho de 1975).
FRANCO, COM UMA VERSÃO PORVENTURA EXAGERADA DOS
ACONTECIMENTOS.
UMA NOIVA ESCOLTADA ATÉ AO CASAMENTO POR UMA CHAIMITE DO
MFA.
UM TENENTE QUE FOI O ÚLTIMO A SABER…
UMA LÁPIDE FUNERÁRIA EM CASA.
O PAÍS EM EFERVESCÊNCIA
Fleming de Oliveira
A CA da Câmara Municipal de Alcobaça, presidida por José
Pinto Júnior, militante do PC, resultou de demoradas e pouco pacíficas
negociações no Governo Civil de Leiria.
Aquando da sua concorrida tomada de posse no Governo
Civil de Leiria, a 6 de maio de 1975, Fleming de Oliveira, mandatado pela
Comissão Concelhia de Alcobaça do PPD, pediu a palavra para contestar a
Presidência, com o argumento que o lugar iria ser ocupado pelo indigitado por
um partido minoritário, não representativo em face dos recentes resultados
eleitorais para a Assembleia Constituinte.
Rocha e Silva, Governador Civil, à falta de melhor
argumento e confrontado com a contestação popular à CA de José Pinto, disse
numa entrevista de Mário Vazão para O
ALCOA que “o Sr. Pinto está na Câmara por
comum acordo dos partidos políticos. Houve aqui, depois da saída do Eng.
Silvestre, muitas sessões para se formar a Câmara de Alcobaça. Se apareceu como
está, foi de comum acordo com os partidos políticos, eles é que representam a
vontade de povo. Se o Sr. Pinto é filiado no PC não interessa, pois o PPD e o
PS não apresentaram candidatos, pelo menos à altura”.
Pinto não era propriamente um ingénuo, além do que não
tinha qualquer preparação, nem currículo para o lugar, como era público e
notório, além de ser um fiel ortodoxo militante do PC. Pouco tempo depois de
ter tomado posse como Presidente da CA, desabafou a Mário Vazão que precisavam
de alguém para o lugar, para queimar. “Eu
nada tenho a perder e prontifiquei-me”.
A muitos alcobacenses, Pinto sempre deu a ideia, que
gostava muito do lugar e estava disposto a continuar, a “vender a alma ao diabo”, apesar da falta de qualificação, de apoio
popular e dos acontecimentos de ocupação da Câmara. Segundo ainda Mário Vazão,
Pinto contou que o Governador Civil de Leiria, insistiu para que não se
demitisse, “mas pus-lhe condições, como
seja a remodelação dos meus auxiliares. Pelo menos dois não concordo que
continuem”.
Pinto ao falar assim parecia um Primeiro Ministro a
falar dos Secretários de Estado…
O Engº Costa e Sousa (chefe dos Serviços Técnicos da
CMA) contou-me que à saída da última reunião presidida por José Pinto, pouco
antes dos acontecimentos que vieram a culminar com o assalto à Câmara e a
destituição da CA, um dos elementos desta, ligado ao PS, avisou-o que um dia
destes ia haver barulho, porque o pessoal da Benedita vinha sobre Alcobaça e a
Câmara. Nessa época, uma das grandes reivindicações da Benedita era a falta de
água, pois havia dias em que nenhuma saía das torneiras. Costa e Sousa supôs
que essa era a razão da observação e, portanto, da reclamação dos beneditenses,
que aliás encontravam-se em grande número em frente aos Paços do Concelho.
Estava enganado, o que é tanto mais de admirar já que ninguém melhor do que ele
sabia o que se passava no Concelho.
Na segunda-feira, 21 de julho de 1975, quando Costa e
Sousa chegou à Câmara, deparou no largo fronteiro com uma inusitada
movimentação popular, talvez umas centenas de pessoas, que com o tempo foi
aumentando, “com vista a varrer os
comunistas”, como dizia Luís Tereso, de Turquel. Costa e Sousa só no momento em que entrou no edifício é que
percebeu que este estava já ocupado por manifestantes, que exigiram a Pinto que
lhes abrisse a Sala das Sessões, a porta do seu gabinete e entretanto o haviam
aí detido (sem contudo o molestarem). No momento em que este tentava sair do
gabinete, para se ir embora, trazia na mão uma pequena faca de cortar papel,
sem qualquer intuito defensivo, muito menos ofensivo pelo que ao Voz de
Alcobaça, declarou que “é falso que eu
tenha puxado de uma faca para alguém, como qualquer testemunha consciente
poderá comprovar”. No entanto, correu pela Vila o boato que José Pinto
estava armado. Na mesma entrevista aquele jornal, ainda declarou que “já sabia, há uns três ou quatro dias que
alguma coisa se estava a preparar. Por isso na segunda-feira fui para a Câmara
ainda mais cedo que o costume. Pelas 10 horas o Governador Civil (Rocha e
Silva) telefonou-me, mas apenas lhe pude
comunicar o que já constava, que viriam protestar contra o Presidente e a
Comissão Administrativa”. Mário Vazão, após ter acontecido a ocupação dos
Paços do Concelho e, identificando-se como jornalista de O Alcoa, veio a lá
entrar. Contou-me que se lembra que, quando subiu as escadas, era grande a
confusão. No primeiro andar a mesma barafunda. Algumas, poucas, pessoas
conhecidas. No gabinete do Presidente da Câmara, viu José Pinto cercado por um
grupo de pessoas determinadas e de aspeto hostil, que se dispunham a incomodar
o pobre homem, talvez até deitá-lo pela janela abaixo.
“Logo que entrei, o
José Pinto olhou-me e fez uma cara que ainda recordo. Ficou com a sensação que
estava salvo! O grupo envolvente afastou-se e ele juntou-se a mim, como tábua
de salvação e disse: Diga a estes senhores que nada tenho feito de mal”.
Pinto louvava-se de ser o primeiro a entrar na CMA pelas
9h30m e de só sair quando nada mais houvesse que despachar. “Além de que nestes poucos meses já abati
seis quilos”. Ao Voz de Alcobaça, José Pinto também declarou que, “quando tocou a sirene encontrava-me no
gabinete com a vereadora Celeste Vilhena, cuja camaradagem aproveito para
enaltecer. (…) Quiseram que abrisse a
Sala das Sessões e acedi ao desejo. Antes de abrir, na entrada, pedi-lhes
apenas que nada destruíssem. Se quisessem destruir, destruíssem-me a mim, os
bens eram património de todos nós”.
Quando Hermínio Fortes e José Firmino Franco, que
regressavam da Nazaré, aonde tinham ido buscar uma carrada de areia, para os
Montes e pararam em Alcobaça, frente à Câmara, para verem o que se passava,
aproximaram-se de um grupo de militares, alguns dos quais reconheceram este
último, pelo facto de lhes ter dado recruta em Leiria.
Foi afetuoso o reencontro, com cumprimentos e abraços,
pelo que estes os deixaram passar a barreira de segurança e dirigirem-se para a
escadaria de acesso. No alto desta, encontravam-se outros dois militares, que
não deixavam entrar ninguém. José Franco aproximou-se deles e como eram seus
conhecidos e sabia que nada tinham de revolucionários, agarrou na arma de um,
puxou a culatra e verificou que tinha uma bala pronta a disparar. De imediato,
virou-se para o outro e obrigou-o a puxar a culatra, para retirar a bala. Com
uma arma na mão, e não obstante estar vestido à civil, virou-se para os
militares colocados em frente ao edifício, nada interessados em confrontos e
sem qualquer comando, executou uma operação de ordem unida, como nos tempos de instrução
na tropa. “Atenção p´lutão …irme, sen…,
op… à vontade. Meus meninos toca a tirar o carregador, puxar a culatra atrás,
culatra à frente, disparar. Voltem a colocar os carregadores e ai de quem
voltar a meter bala na câmara”.
Nessa altura, vindo do interior do edifício, surgiu um
alferes a querer saber o que se estava a passar. Franco vira-se para ele e com
descaramento, “cala-te agora quem tem a
bala na câmara sou eu”. O alferes indeciso, pouco motivado, e amedrontado,
como os demais militares, que aliás tinham bala na câmara em posição de
disparar, pediu calma a Franco e nada fez.
Franco, doravante totalmente confiante e sentindo-se
senhor da situação, dirigiu-se aos dois militares que defendiam a entrada no
edifício da Câmara e repetiu-lhes a ameaça “ai
de vocês que voltem a meter a bala e agora vão me deixar entrar. Quietinhos”.
Em seguida, fez sinal a Hermínio Fortes, para o
acompanhar e quando este se lhe juntou para entrar Franco ainda lhes disse “este veio comigo e vamos entrar. Arredem-se
para lá e juizinho, que reconheço as vossas trombas mesmo às escuras”.
No interior, encontravam-se poucas pessoas, além de
Pinto, que tremia de medo, agarrado a uma esferográfica (ou à tal faca?) e a
vereadora Celeste, bem como jornalistas, alguns dos quais estrangeiros.
Um jornalista da inglesa ITV-Thames Television, abordou
Franco para uma entrevista, que se realizou em inglês. Hermínio Fortes ,
que falava francês, deu uma entrevista para uma estação francesa. Perto, uma
senhora dava, em voz muito alta, uma entrevista para a televisão francesa,
reafirmando sucessivamente que, “em
Alcobaça não queremos comunistas. Os comunistas e o Cunhal que vão para a
Sibéria”. Mais tarde dois eufóricos alcobacenses, a trabalhar em Londres,
telefonaram para a Rosa, namorada de Franco, dizendo que o tinham visto no
noticiário da noite da BBC e gostado muito.
Como Pinto continuava assustado, abandonado pelos amigos
e sem reação, Hermínio Fortes ainda sugeriu ir buscar a sua camioneta, que se
encontrava perto, mas carregada de areia, para o retirarem em segurança, o
levarem a casa e entregarem à família. Mas não foi necessário.
Com a hora do almoço chegou o apetite e, como Pinto
continuava detido sem que os populares o deixassem sair, as sandes que se
mandaram buscar a um café próximo, tal como o tabaco, foram distribuídas
equitativamente pelos presentes.
Ao princípio da tarde um megafone, junto ao largo da
Câmara, anunciou que da sede do PC estavam a retirar armas. De súbito, a
multidão que ocupava aquele largo, estimada em mais de 1500 pessoas, dirigiu-se
para a Praça Afonso Henriques, tendo dado origem à movimentação que culminou
com o assalto e destruição de parte da sede do PC e do seu recheio, que foi
lançado à rua.
José Pinto continuava detido no seu gabinete na Câmara.
Os seus correligionários tinham desaparecido, como ratos. Esta é, também, a
opinião de Mário Vazão pois “José Pinto
tinha sido abandonado à sua sorte pelos amigos políticos e se eu não tivesse lá
aparecido, que não era da sua política, o homem seria bastante incomodado. De
tal modo”, acrescentou Vazão que, “enquanto
foi vivo o José Pinto quando me encontrava na rua sempre se mostrou
reconhecido, embora eu não tivesse feito nada de especial. Foram as
circunstâncias. Ainda recordo esse dia. Não vi quaisquer vereadores. Tinha tudo
fugido, inclusivamente os seus mais próximos, como os do CDE”.
Segundo se diz os ratos se puderem abandonam o barco
antes de ir ao fundo.
Gilberto Coutinho negou-me este facto, “nunca ouvi tal lamento da boca de José
Pinto. É pena ele não estar vivo para assim repor os pontos nos ii’s,
desfazendo todas as dúvidas”.
Embora tivesse pedido a exoneração ao Ministro da
Administração Interna, um telefonema do Governo Civil de Leiria comunicou que
ela não fora aceite, o que levou Pinto a comentar que, “têm de aceitar porque não fico cá mais tempo”.
Era já meia-noite quando foi decidido deixar José Pinto
regressar a casa. Todavia, dado o estado de exaltação de alguns populares
entendeu-se, e bem, que era um risco permitir que fosse sozinho.
Devia ser acompanhado pela PSP, pela tropa do MFA ou
pelos populares? Pinto decidiu por si, argumentando, para estes, que “foram vocês que me detiveram, devem ser
vocês a acompanhar-me”. Assim aconteceu, tendo saído com os
populares/ocupantes, que o entregaram à família.
Gilberto Coutinho atesta que, “ao mesmo tempo que Câmara era assaltada, estava eu a receber ameaças de
que o meu estabelecimento ia ser incendiado. Essas ameaças tinham já começado
antes e prolongaram-se por todo o dia, feitas principalmente através de
telefonemas. Por acaso sei quem foram os autores de alguns dos telefonemas, mas
nunca o disse, nem usei de vingança contra eles”.
Para Basílio Martins, “bem opostos ao espírito de convivência democrática que animava os
defensores do 25 de Abril, foram os acontecimentos ocorridos a 21 de julho de
1975. Primeiro a invasão dos Paços do Concelho, depois o assalto ao Centro de
Trabalho do Partido Comunista Português, durante o qual foram infligidas graves
agressões sobretudo a dois dos militantes que se encontravam no seu interior,
Américo Areias e Rui Baltasar.”
Nesse mês de julho de 1975, o País estava em turbulência político-social pelo que, os
acontecimentos de Alcobaça, têm de compreender-se e inserir-se na movimentação
mais ampla que ocorria.
Havia assim factos insólitos, como aquele de um
automóvel que conduzia uma jovem em trajos nupciais, ser escoltada por uma
viatura blindada do MFA. Aconteceu no sábado de 19 de julho, na Bobadela,
Moscavide, perante a surpresa de muita gente.
A noiva deslocava-se da sua residência de solteira para
o casamento a realizar na Conservatória do Registo Civil. Entre a chegada e a
partida levantaram-se barricadas populares que defendiam a cidade de Lisboa.
Determinados a evitar que o atraso impedisse a cerimónia, militares que estavam
a reforçar os piquetes de vigilância, escoltaram a noiva, com uma chaimite, até ao Registo Civil.
E o caso do tenente do exército Manuel Fernandes,
parente do cap. Fernandes que veio a estar envolvido no desvio de cerca de
1.000 G3 do Depósito de Beirolas, que saiu de casa pelas 8h da manhã, deixando
a mulher ainda na cama?
Para remediar um esquecimento, voltou a casa e
apercebeu-se da presença de um intruso, que conseguiu fechar numa sala.
Convencido que era um assaltante, telefonou para a Polícia Militar, mas quando
os militares chegaram, verificaram que afinal era um colega da unidade.
Este tenente foi mesmo o último a saber, como é da
praxe….
Na Câmara de Alcobaça, segundo me contou Costa e Sousa,
um dia foi recebido um pedido insólito, não de ajuda financeira ou de emprego,
como era vulgar. Uma senhora dos seus setenta anos, embora rija e de boa saúde,
já havia encomendado a sua lápide funerária, num canteiro em S. Jorge.
Como a tinha em casa, pretendia que a Câmara lhe
arranjasse um lote a devido tempo no cemitério. A Câmara entendeu que não lhe
devia negar esta “justa” pretensão,
pelo que lhe vendeu o terreno.
O PC assegura que nunca distribuiu armas aos seus
militantes.
Alguns factos ocorridos durante o PREC, desmentem esta
afirmação, que não é apenas fruto de “vox
populi”.
Vejamos um acontecimento ocorrido nos Montes, onde os
nomes dos intervenientes, não serão referidos, mas para bom entendedor…,
aquando dos incidentes com a sede do PC e outros.
Numa daquelas noites quentes do verão de
1975, cerca das três horas da manhã, M (…), residente nos Montes, ao chegar
próximo de casa do pai, ouviu vozes vindas do interior duma adega próxima.
Aproximou-se e escondeu-se numa travessa lateral, ficando à escuta.
Apercebeu-se que dentro estavam umas quatro pessoas, reconhecendo pela voz,
dois de Montes, L (…) e R (…), conhecidos ativistas muito ligados ao PC e
apenas um de Alcobaça, o “controleiro”
C (…).
No desenrolar da conversa (num tom de
sussurro), constatou que se tratava duma entrega de armas por parte dos
indivíduos de Alcobaça aos de Montes, ao que estes diziam que “(…) cinco chegam, não são necessárias mais, com
cinco tomamos conta da situação, dá para controlar isto. Eles não valem nada.”
M (…) que estava à escuta do lado de fora,
esperou que o grupo se se separasse e fosse embora e pensou para si que, “tenho que ver que armas são essas, que estão
em tão boas mãos”.
Por acaso, como conhecia bem os cantos à
casa, neste caso à adega, por se dar bem com o dono L (…), resolveu entrar.
Acontece que apesar de existir uma pequena porta lateral, com truque, mas o
qual o próprio dono lhe tinha ensinado, o principal problema era o cão, que se
encontrava ali preso e que não parava de ladrar. M (…) abriu a porta, entrou
sorrateiramente e como reconhecia o interior, mesmo às escuras, julgou saber
que as armas estariam escondidas debaixo de uns tonéis. Pé ante pé, para não
acordar ninguém, nem excitar o cão, que aliás o conhecia, apalpou e não se
enganou, lá se encontrava um embrulho de pano com as armas de guerra. Como
tinha sido recentemente militar, percebeu que se tratavam de espingardas G3, de
facto as cinco. O seu primeiro pensamento foi de levar as armas, mas pensou
melhor e refletindo achou que isso seria imprudente. Conhecendo as armas como a
palma da mão, decidiu, desmontar uma a uma e mesmo às escuras, retirou-lhes o
percutor. Voltou a montar as armas, colocou-as no embrulho, meteu os percutores
no bolso e saiu sem fazer barulho, apenas o cão deu por ele com um ou dois
latidos de despedida. Estas armas nunca foram utilizadas, e os percutores ainda
hoje se encontram na posse de M (…), que se ri do golpe de mestre que executou
e que as vítimas possivelmente nunca perceberam.
“Eu próprio
testemunhei (contou-me o
vendedor de uma casa comercial de Coimbra, Aniceto Barbosa), que num café de estrada, ao lado da EN 1,
depois da Batalha e antes de chegar a S. Jorge, um cliente assomou ao balcão,
pediu uma cerveja e uma sande mista e meteu conversa com o empregado,
perguntando se a sede do PC, em Alcobaça, ainda estava inteira.
Como o empregado lhe respondesse que supunha que sim, o
cliente disse que vivia em Lisboa, mas era natural de Aljubarrota, pelo que
achava que era uma vergonha ainda nada ter sido feito, pelo que o empregado lá
teve que retorquir que supunha que em Alcobaça já estavam a pensar no assunto.
E estavam.
A cronologia dos acontecimentos da segunda-feira, dia 21
de julho de 1975, em Alcobaça, tem sido descrita por vários intervenientes de
ambos os lados da barricada, aliás de maneira diversa e por Mário Vazão, numa
reportagem que O Alcoa publicou e que ainda serve de modelo. Vazão sobre este assunto
disse-me que “esse dia longínquo marcou
qualquer um e no caso do jornalista, mesmo amador, são coisas que não se
esquecem. Sentimos que estávamos a presenciar a História e a escreve-la para as
gerações vindouras”.
A sirene dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça tocou
numa espécie de senha às 11h40m.
Isto tinha sido debatido em várias reuniões,
nomeadamente no Casal Velho, e noutra realizada na sede de Alcobaça do PPD.
Estiveram presentes nesta, entre outros, Firmino Franco, Lino Catarino, Miguel
Damásio, Casimiro Guerra, Fleming de Oliveira, Carvalho Lino, este que fazia
parte da CA da Câmara. A iniciativa não foi do PPD, mas algumas pessoas do
partido estavam ao corrente do que se passava. Silva Carvalho, membro da
Comissão Política, sobre este assunto não tinha informação, ao contrário de
Sapinho que estava ao corrente, mas que como Constituinte, salvaguardou-se, não
participou em reuniões e no dia ausentou-se,
“prudentemente” (segundo alguns), ao que se disse, para o Sabugal.
Depois do almoço, no centro da Vila, na Praça D. Afonso
Henriques e arredores, estava uma multidão contida de mais de duas mil pessoas,
que só ainda não tomara de assalto a sede do PC, por estar guardada por
militares, que foram chamados de Leiria para a defender. Alguns populares de
Montes e Alfeizerão subiram para cima de alguns carros militares. Havia receio
das consequências de uma ação pois, no rés do chão, encontrava-se instalada a
Farmácia Campeão, aonde havia produtos inflamáveis ou até explosivos. Houve
pessoas que garantiram, como Piedade Neto(mais tarde jornalista da Rádio
Cister), que foram vistas armas a entrar no prédio, passando por cima do
telhado, embrulhadas em panos, apesar de as coronhas terem ficado à mostra.
Esta afirmação veio mais tarde a ser expressamente e publicamente desmentida
por Rui Baltasar, num programa da Rádio Cister.
O propósito de assaltar a sede do PC não era
especialmente novo, original nem resultou de um impulso de momento. Na opinião
de Vazão que me transmitiu, pouco coincidente com outras, apenas ocorreu no
Salão Nobre da Câmara “já depois de eu lá
estar e com o José Pinto junto a mim como se eu fosse um super-homem. Um
elemento do PS disse mais ou menos isto: consta que na sede do PC têm armas.
Vamos assaltá-la para se saber se é verdade”.
Dois rapazotes conseguiram, a meio da tarde e
socorrendo-se de uma corda, trepar pelas traseiras do prédio, a partir da Praça
da República e retiraram a bandeira da foice e do martelo, perante aplausos
vibrantes. Um militar que entretanto entrou na sede do PC, veio à janela
mostrar duas armas e dizer que, “com
esta, são cinco as já apreendidas”.
“Zé Póvoa”, Firmino Franco e António Malhó,
deslocaram-se dos Montes para Alcobaça, onde já tinham estado de manhã frente à
Câmara, quando souberam que estava eminente o ataque à sede do PC. Ao chegarem,
encontraram muitos manifestantes a ladear a sede, pelo que foram abrindo
caminho com dificuldade, até chegaram perto da porta. Entre eles encontrava-se
Armindo de Sousa, que trabalhava numa fábrica de rações, com os seus trinta
anos, e viera de Leiria com dois amigos, à
procura de emoção mas que, por via de dúvidas, não esquecera uma pistola que
pertencia ao pai. O local estava a
ser guardado por militares, não permitindo a entrada a ninguém. O cerco à sede
do PC manteve-se persistente e sem desarmar, até que uns amedrontados
comunistas, que se encontravam dentro do edifício, cerca das 19h30m, saíram
escoltados por militares, entraram para uma Berliet descapotável. Muitas
pessoas que assistiam aos acontecimentos, comentavam à boca cheia que, “eles estão mesmo a pedi-las, e esses
malandros, esses filhos da p… ou eu
muito me engano ainda vão te-las hoje forte e feio. Aqueles que saíram já se safaram. Vê como vão aliviados. E se lá ainda ficou alguém, não queria estar na
sua pele”.
José Vinagre conta
que estes militares eram desajeitados, mesmo mal preparados, pois que até
dispararam sob as arcadas da Praça D. Afonso Henriques, o que se revelou
perigosíssimo pois, as balas, faziam ricochete e uma delas atingiu um assistente
num braço que de imediato começou a sangrar. Cerca das 22h decidiu-se
finalmente iniciar, o assalto à sede do PC. Desde há algum tempo, os populares
vinham ganhando terreno, avançando, tendo conseguido forçar a porta que dava
acesso ao primeiro andar. O primeiro, irrompeu pela escada de madeira de pinho
encerado e gasto pelos anos, composta por um só lance e que dava acesso ao piso
superior. Neste, existia uma porta em frente e uma outra para a direita que
dava acesso à sala principal. Quando estava sensivelmente a meio da subida, a
porta em frente abriu-se e daí vieram um ou dois tiros, o que o obrigou a
recuar, tropeçando nos degraus. Os que se encontravam na rua, junto à entrada,
foram surpreendidos pelo tiroteio, pois supunham que lá já não se encontrava
ninguém. De facto, dois militantes comunistas Rui Baltazar e Américo Areias não
saíram com os restantes na primeira oportunidade, ficando com dignidade a
guardar a sede. Entre os sitiantes, os ânimos exaltaram-se mais, pelo que
voltaram a fazer uma investida, desta vez, com vários voluntários, que foram de
igual modo recebidos a tiro. Na sequência desta segunda investida, um individuo
de grande estatura, residente na zona de São Jorge, encetou uma corrida pelas
escadas acima, mandou um pontapé à porta em frente, onde se encontrava o
atirador, e avançou dentro. José Acácio dos Santos, contou ao filho que o
atirador, talvez por já não ter mais balas tentou apunhalar o intruso, com uma
facada. Um outro que o precedia, ao perceber o que estava para acontecer
alertou: “cuidado com o filho da p…, o
gajo tem uma faca”. O aviso foi mesmo a tempo de se virar, agarrar o braço
e desarmar o agressor. Não contendo a sua raiva, agarrou nele e atirou-o pelas
escadas, entretanto já ocupadas por populares,
que entre socos e pontapés, o enxotaram até à rua, onde ainda foi agredido a
pontapé e arrastado até perto da montra da antiga TeleRio. Afinal, na sede do
PC havia armas, ainda que só caçadeiras, pois os atacantes foram recebidos a
tiro, sofrendo cinco feridos, um dos quais foi levado para o hospital. Como os
militares tinham ido embora, a partir daí deixou de haver controlo da situação,
pois que os gases lacrimogéneos não foram dissuasores e o recheio, começou a
vir rapidamente para a rua. Duas equipas estrangeiras de televisão, uma
americana e outra inglesa, filmaram os acontecimentos, cujas imagens os
portugueses nunca viram. Américo Areias e Rui Baltazar que tinham ficado na
sede enquanto os outros fugiram mal puderam, tiveram de ser assistidos no
Hospital, pois ficaram feridos, o que justificou o seu agradecimento público no
Voz de Alcobaça, aos camaradas e “verdadeiros
democratas”, esperando voltarem breve ao seu convívio. Américo Malhó,
contou-me que havendo um militante do PC no solo, que parecia morto, alguém
saiu do meio da multidão, ajoelhou-se ao seu lado e pediu com veemência “ele é meu, deixem-me acabar com ele à dentada...”
Na tarde desse dia, José Vinagre, encontrava-se na
Benedita a trabalhar no seu estabelecimento comercial, mas ouvindo na rádio, que
estavam a ocorrer graves incidentes em Alcobaça, ali se deslocou, cheio de
curiosidade. Tendo familiares e amigos nos Estados Unidos, recebeu alguns
preocupados telefonemas a inquirir o que se passava. Mais vez, os emigrantes e
estrangeiros sabiam o que se passava em Portugal, primeiro que os portugueses,
como “no tempo da outra senhora”.
De madrugada, o povo alcobacense que ocupava o edifício
da sua CMA, já sem a presença de José Pinto, cuja romântica intenção, no seu
dizer linear, “era ver todos os
alcobacenses unidos, em prol do progresso da nossa terra”, distribuiu um
comunicado em que se destacava o propósito de destituir imediatamente a CA da
Câmara maioritariamente, realizar plenários com a presença de um representante
do MFA e das freguesias, para eleger um presidente e um vice-presidente, até se
realizarem eleições para as autarquias locais. Este propósito, apesar de alguns
desenvolvimentos a curto prazo, não teve efeitos, porque a demissão de Pinto
não foi aceite e este aceitou, muito gostosamente, voltar ao lugar, de onde
fora expulso pelos seus conterrâneos, como se nada de especial tivesse
ocorrido… Ele gostava muito do lugar.
No dia seguinte, de manhã, apesar da insistência do
encarregado Henrique Pimenta, o pessoal da Câmara sob as suas ordens,
responsável pela limpeza das ruas, não queria proceder à remoção do recheio da
sede do PC, deitado à rua. De facto, na véspera tinham sido atiradas granadas
de gás lacrimogéneo para dispersar a multidão, cujos efeitos ainda se faziam
sentir, na medida em que ficara retido nos destroços húmidos pela água
utilizada para apagar os pequenos focos de incêndio.
Sabia-se junto dos manifestantes, numa versão diferente
da que parece resultar do que conta Vazão, que a senha para a ocupação da
Câmara Municipal, era o toque da sirene dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça,
pelas 11h40. Assim aconteceu.
Estes, pressionados pelos acontecimentos, vieram a
emitir um comunicado em que se refere que (…) “no dia 21 de julho, cerca das 11h40 da manhã, foi recebido no quartel
um telefonema avisando que havia um incêndio numa casa, perto da Escola do
Vimeiro. Como é hábito, a pessoa que atendeu (o motorista) pediu o número do telefone donde provinha o
aviso, ligando para lá de seguida, a fim de obter a confirmação. Deste número
ninguém atendeu. Perante a dúvida, o motorista contactou telefonicamente o
Comandante (Carlos Leão da Silva, vulgo “Caranquejo”) para expor o
caso e saber se devia ou não tocar a sirene e este, após ligação ao Vimeiro,
donde lhe foi comunicado que não sabiam se efetivamente havia incêndio, mas que
os sinos tinham tocado a rebate. Viria a saber-se, mais tarde que, à mesma
hora, na Gafa, um grupo de pessoas começava a avançar para a Câmara (…)”.
Basílio Martins, que fazia já parte do Corpo dos
Bombeiros Voluntários de Alcobaça, desconhecia obviamente a existência de
qualquer senha, tomou como bom o toque da sirene e contou-me que depois, em
Alcobaça, dizia-se que “já não percebo
nada disto. Quando toca a sirene, costumamos ver pessoas a caminho do quartel,
para saberem o que se passa; agora, vai gente a correr para a Câmara”.
Efetivamente, “no
tristemente célebre dia 21 de julho de 1975, um dos sinais para o começo da
invasão da Câmara Municipal foi dado, pelas 11 horas e 40 minutos, através do
toque da sirene dos bombeiros. Segundo a chamada telefónica recebida no
quartel, tratar-se-ia dum incêndio numa casa, perto da escola do Vimeiro. Como
elemento do Corpo Ativo, fiz parte da guarnição da viatura para o local, onde
verificámos ter sido falso alarme”.
Após o regresso do Vimeiro a Alcobaça, tomando
conhecimento do que na realidade, se estava a passar, dirigiu-se aos Paços do
Concelho, para observar os acontecimentos.
“Mal cheguei ao
primeiro andar do edifício, fui reconhecido como ativista do Movimento
Democrático e logo hostilizado por vários manifestantes”.
Apercebendo-se do facto, e no intuito de evitar novos
pretextos de conflito, alguns agentes da PSP insistiram para que subisse ao
Posto, que então funcionava no terceiro andar.
“Lá permaneci até a
situação acalmar. Retido, não detido, num ambiente de estima e cordialidade que
não esqueço e que até chegou ao ponto de o chefe fazer o favor de partilhar
comigo o seu almoço.”
Sobre estes acontecimentos, Artur Faria Borda escreveu
(com a veemência habitual), no Voz de Alcobaça, de 1 de agosto que “(…), atos repulsivos, perpetrados por pessoas
ignorantes ou mal intencionadas, instigadas por outras de espírito sectário e
reacionário, todas, no conjunto, dementadas pela paixão, perante a ineficiência
das forças militares encarregadas de manter a ordem. (…) Não tenhamos ilusões. Dias difíceis nos
esperam, pelo que se impõe a unidade de todos os portugueses, verdadeiramente
interessados no progresso da nossa querida Pátria. Não é com um clima de guerra
civil, que se podem superar as dificuldades. (…) Mostremos ao mundo que somos dignos de nós próprios e que saberemos
construir um Portugal renovado e radioso”.
Rogério Raimundo, tem uma opinião, não coincidente com a
dos “reacionários”.
A versão em que acredita e me deu, vem dos seus
camaradas Américo Areias e Rui Baltazar que “resistiram e sofreram a pancadaria dos assaltantes arruaceiros e dos
agitadores contrarrevolucionários que percorreram o país, bem pagos, para
fomentar esta desordem, numa onda anticomunista e para instalarem o medo juntos
dos que lutavam pelos ideais da Revolução de abril”.
Já há alguns dias, havia permanência de comunistas na
sede, dia e noite, para a defenderem. De acordo com Rogério Raimundo, perto da
hora de almoço, o militar que comandava a defesa do Centro de Trabalho,
conseguiu convencer 28 dos 30 que lá estavam, a serem evacuados numa chaimite,
apesar de afirmar que nunca permitiria que alguém invadisse a sede do PCP, “só por cima do meu cadáver”. Afinal não
houve cadáver nenhum.
“O pior só se passou
quando este grupo de militares foi substituído, pois o novo
comandante das tropas destacado chegou, abandonou a zona de proteção e foi o
descalabro”.
Rui Baltazar, assume que houve alcobacenses que ocupavam
lugares em instituições de Alcobaça, que “foram
com os agitadores até ao 2º. andar e se comportaram como energúmenos”.
Quer Américo Areias, quer Rui Baltazar, dizem que
naqueles momentos ouviram gritar, “deixem-nos
morrer para aí. É o que merecem”.
Américo Areias ficou ferido e teve de ser transportado
ao Hospital por Carlos Carmo, atual membro da PJ. Rui Baltazar, que chegou a
ser considerado como morto (mas recuperou), é empresário de panificação em Valado
de Frades.
Só quando acabou o treino no Centro Cénico da Cela (onde
era diretor), é que Rogério Raimundo se deslocou a Alcobaça e viu a fogueira
com os móveis e papéis da sede do PC na rua.
No dia seguinte, militantes da UDP e outros marxistas
como por exemplo o MRPP, entendiam que o PC era o único culpado de ter sido
atacado. Américo Areias esteve três semanas hospitalizado, tendo alta no dia do
comício no Gimnodesportivo, com a presença de Álvaro Cunhal e que adiante
abordaremos.
Em ar de brincadeira, Rui Baltazar dizia que feitas bem
as contas “tínhamos ganho 3-2, pois houve
3 feridos do lado dos arruaceiros e 2 do PCP”.
Mas as contas, talvez, não estejam certas.
E o que pensa sobre estes incidentes, Timóteo de Matos,
que hoje (solicitador reformado) nada tem de comum, com o seu irrequieto tempo
juvenil de 1974/1975, em que ainda não usava gravata?
Desde o 1º. de maio de 1975, tanto em Alcobaça como a
nível nacional, extremaram-se, cada vez mais, as posições e iniciaram-se
provocações verbais ou escritas e nalguns casos seguidas de agressões. É então
que, no Norte se iniciou “a moda os
assaltos aos Centros de Trabalho do
PC e quando chegou a vez de Alcobaça, já não foram necessárias lições, nem mão
de obra alheias”.
Aqui dou-lhe razão.
Reuniões discretas prepararam o ataque que foi marcado para uma
segunda-feira, dia 21 de julho. Embora fosse de esperar, a verdade é que o
à-vontade era tanto, que “só faltou ter
sido publicada uma convocatória nos jornais, pois não havia pessoa que desconhecesse a data e os pormenores2. Também
tem razão.
“Nesse dia, quando
cheguei a Alcobaça, foi já depois do almoço. Um razoável grupo
de pessoas amontoava-se em frente à sede do PCP. Por ali andei durante toda a
tarde, apesar de alguns amigos, temendo o pior, me terem tentado afastar do
local. Queridos e grandes amigos! Enquanto isso, lá dentro da sede, um numeroso
grupo de militantes recusava-se a sair. Mas já chegava a tropa, vinda não me
recordo de onde. Onde chegava a tropa, a sede ardia. E claro, os “briosos”
militares conseguiram retirar da sede os seus defensores, juntamente com uma ou
outra caçadeira e, de seguida só faltou abrirem a porta aos arruaceiros”. Terá
sido assim mesmo?
Dois militantes recusaram-se a abandonar, a sede do
Partido. Dois heróis, como os classifica a história do PC, o Américo Areias e o
“Rui Baltazar que ainda conseguiu
esconder uma velha arma dos olhos dos “aplicados e cuidadosos” militares que
vasculharam toda a sede!”
Retiradas as defesas, os militares lançaram uma ou duas
granadas de gás lacrimogéneo e fizeram meia dúzia de disparos para o ar, para
justificar a presença.
Deram, então, os militares a guerra por ganha e ala para
o quartel que se faz tarde “e quem cá
ficar que se avenha, pelo que os arruaceiros viram o campo livre e toca de
avançar. Daí a arrombarem a porta e subirem a escadaria foi um passo. Tentou
travá-los o digno Baltazar, mas a arma encravou. Depois, a turba multa deu asas
à sua ira. O Américo e o Rui foram descidos a murro, a pontapé e à cacetada e
desta maneira “passeados” pela Rua Alexandre Herculano e abandonados quase
mortos. Foram depois levados ao hospital por almas caridosas. O Américo ainda
hoje sofre de mazelas desse tempo”, o que lastimo democraticamente.
Há anos Américo Areias publicou um livro de histórias
para crianças.
“Fartos de “molhar a
sopa” nos dois desgraçados, os heroicos assaltantes voltaram a subir as escadas
e, metodicamente, peça a peça, fizeram descer mobiliário e restante recheio,
pelas janelas, até ao solo. Cá em baixo, outros não menos “heroicos
energúmenos” fizeram a fogueira e dançaram em volta. Não sei quem
foram os verdadeiros e maiores heróis desta história: se os bravos militares,
se os corajosos salteadores”.
Manuel Campos, que estava na rua a assistir aos
acontecimentos, notou que o automóvel de Bertilde (…), um Peugeot quase novo,
encontrava-se estacionado ao lado do Café Portugal, isto é, muito próximo da
sede do PC. Esta era uma conhecida ativista do PC, ao qual se dedicava com alma e coração, pelo que tendo receado que o veículo
viesse a ser vandalizado, foi à procura do cunhado João Fragata, e ambos o retiraram,
colocando-o a recato.
Na Vestiaria, perto da residência de Campo, vivia uma
família, cujo filho era conhecido pela sua intensa militância no PC, enquanto
que os pais não revelavam a inclinação. Como nesse dia o rapaz estivesse
bastante atrasado em termos de hora de entrada em casa, a mãe sabendo da
existência de problemas em Alcobaça e receando por ele, muniu-se de uma grande
faca de cozinha e saiu à sua procura, disposta a fazer justiça pelas suas mãos,
caso lhe tivesse acontecido algum coisa de mal.
Alcobaça, na sua quase totalidade, consentiu tacitamente
na operação e em grande parte ainda se congratulo, aplaudiu-a.
Após o assalto, alguns militantes do PC saíram das suas
terras e mantiveram-se noutras localidades, para evitarem vinganças e perseguições.
A Comissão Concelhia passou a reunir em Valado de Frades, até à reabertura da
sede, vários meses depois. “Por mim, conclui
Timóteo de Matos, achei que tinha o dever
de continuar, dadas as circunstâncias, e assim o fiz”.
Mas sempre reservando se ao direito de criticar e
discordar. Afinal, estamos num País livre…
António Maduro, cristão e militante do PS, proferiu um
depoimento de solidariedade em
O Alcoa , eivado dos melhores e mais nobres princípios,
salientando que “foi com profunda
tristeza que vivi os últimos acontecimentos de Alcobaça. Sim, com muita
tristeza pois vi no rosto de irmãos o ódio, o desejo de destruir, de matar.
Como é possível, Deus meu, a nossa boa gente cristã deixar-se conduzir por
processos tão violentos? (…)”.
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