UM 1º. DE MAIO DE 1975 EM ALCOBAÇA, MUITO AGITADO.
NATÁLIA EVANGELISTA, TIMÓTIO DE MATOS GILBERTO M.
COUTINHO, VIRGÍLIO FERREIRA, ZITA SEABRA E OUTROS.
Fleming de Oliveira
A 1 de maio de 1975, os Bombeiros Voluntários de
Alcobaça, fizeram 87 anos de vida, pelo que organizaram um vasto programa que
abrangia uma romagem ao cemitério, projeção de filmes com incêndios em que intervieram, baile,
almoço-convívio, homenagens e a apresentação de uma nova ambulância.
Ao mesmo tempo ficou a saber-se que se pretendia
organizar um Corpo Feminino Auxiliar, aberto a meninas e senhoras com mais de
14 anos, indo começar em breve a instrução das primeiras aderentes.
Nesse dia a festa política, em Alcobaça, era só para
alguns, pois o PC, MDP/CDE e outros (os organizadores da festa), não queriam a
presença dos “populares-democráticos”, quer no comício da Praça
D. Afonso Henriques, quer no desfile, muito menos aos portadores da bandeiras
laranja.
Logo de manhã, a população de Alcobaça foi acordada pelo
som estridente do foguetório lançado do Castelo e pela animação das bandas de
música da Vestearia e da Maiorga, a desfilar pela rua.
“Vamos ou não
participar no desfile?”
Como sempre, as questões discutiam-se na sede do PPD,
como em plenário improvisado, pelo que após acalorado debate (em cima da hora),
com as manifestações já a decorrer, foi decidido que o PPD, depois de grande
instigação de Silva Carvalho e do casal Evangelista (Natália Evangelista saiu a
empunhar uma bandeira do PPD, o que lhe acarretou momentos de “glória” quando alguém a quis
tirar-lhe), e não obstante os apelos à moderação de parte de Gonçalves Sapinho,
iria integrar o desfile, ainda que sujeito ao risco de uns mimos verbais e
físicos, como aliás veio a acontecer, com Natália Evangelista e Fleming de
Oliveira.
Ao fim e ao cabo, à escala de Alcobaça, expressavam-se
contradições de um processo que teve o seu ponto mais elevado no Estádio 1º. de
maio, em Lisboa.
Na verdade, ocorreram lá confrontos graves entre grupos
de manifestantes alinhados com a Intersindical, que reclamavam a unicidade, a
exclusiva representação dos trabalhadores e os defensores de um sindicalismo
livre, com destaque para Mário Soares, Salgado Zenha e o PS. Os dirigentes do
PS foram impedidos de entrar na tribuna do Estádio por militares e pelo PC.
Como que à moda das claques de futebol, gritava-se do lado do PS “socialismo sim, ditadura não” e do MFA e
PC “socialismo sim, vigarice não”.
“(...) Quando
Mário Soares, com Salgado Zenha e outros dirigentes do PS, se dirigiu à tribuna
do Estádio 1º. de maio, onde decorriam as festividades e onde se comemorava o
que ali tinha acontecido um ano antes, não o deixámos entrar na tribuna. (...) Ele não ia entrar no palco para falar no
Estádio 1º. de maio. Aquele povo era nosso, e nós precisávamos dele. Na tribuna
estavam, entre outros, o Presidente da República Costa Gomes, Vasco Gonçalves e
Álvaro Cunhal, para além dos dirigentes da Intersindical. Na véspera, o governo
tinha aprovado o decreto da unicidade sindical. (...) Eles tinham chegado com a manifestação dos que não queriam a unicidade
sindical. (...) Quando Mário Soares,
com Salgado Zenha e outros dirigentes do PS, se dirigiu à tribuna do Estádio
1º. de maio, onde decorriam as festividades e onde se comemorava o que ali
tinha acontecido um ano antes, não o deixámos entrar na tribuna. (...) Ele não ia entrar no palco para falar no
Estádio 1º. de maio”, como conta Zita Seabra in “Foi Assim”.
Ao cair da tarde, em Alcobaça, lambidas algumas feridas
e com os ânimos mais serenados, houve um espetáculo de variedades com um José
Viana “engagé”, Ermelinda Duarte (Uma
gaivota voava, voava), e a estreia da Orquestra Típica da Maiorga, sob a
regência do Maestro Ricardo Cunha.
A Comissão Política Concelhia de Alcobaça do PPD, reuniu
e emitiu um seguinte comunicado, pleno de expressões ideológicas, bem de acordo
com a terminologia da época:
“A
RAZÃO DA FORÇA SUBSTITUI A FORÇA DA RAZÃO
Dominada por forças
partidárias, comemorou-se também em Alcobaça, o 1º. de maio, a Festa dos
Trabalhadores, monopolizada pelos apregoados antimonopolistas PC, MDP/CDE. O
PPD de Alcobaça, consciente da sua responsabilidade e do apoio que o eleitorado
inequivocamente lhe conferiu no País e, nomeadamente, no Distrito e no
Concelho, pretendeu sem reservas, associar-se às manifestações, apesar de ter
conhecimento prévio que a sua presença seria contestada por tais anti
monopolistas PCP e MDP/CDE. Durante o comício que inaugurou as cerimónias,
pelas 15 horas, com a presença do MFA, não se registaram incidentes, tendo
estes surgido apenas durante o desfile que percorreu as ruas da vila.
Inicialmente, verificaram-se insultos vários a militantes do PPD, os quais atingiram
o ponto máximo diante do edifício da Conservatória do Registo Civil. Ali, as
forças antidemocráticas organizaram o ataque físico comandado com altifalantes.
Usando o microfone como arma, um destacado membro do PCP local, agrediu um
militante do PPD o que fez também a soco e a pontapé. Dois militantes do PPD
vieram a ficar feridos, tendo um deles ido receber tratamento no Hospital desta
Vila. Pensamos que estas forças antidemocráticas agem apenas movidas por
despeito e que a única via que se lhes oferece, e que aproveitam, é a razão da
força. E isto tem de ser definitivamente desmascarado pelos verdadeiros
democratas que só aceitam a força da razão.
ABAIXO O
SOCIAL-FASCISMO!
ABAIXO A DITADURA!
VIVA A
SOCIAL-DEMOCRACIA!
VIVA PORTUGAL!”
De acordo com o Voz de Alcobaça, as coisas não se
passaram assim. A festa foi muito solidária, abrangente e agradável, “para um dia recordar com muito afeto”.
Bandas na rua, um comício, uma manifestação, uma tarde
de pintura infantil, vários espetáculos e muitas horas de confraternização
popular, assim foi assinalado o 1º. de maio de 1975, em Alcobaça.
Este programa foi organizado pelo PC, PS e MDP,
correspondendo a um apelo da União dos Sindicados do Distrito de Leiria. No
comício, que teve lugar pelas 15h, falaram Armando Correia, pela União dos
Sindicatos Livres do Distrito de Leiria, Basílio Martins, do MDP/CDE, Rui
Alexandre, do PC, Joaquim Matias Ferreira, do PS e Ten. Carvalhão, em
representação do MFA.
Gilberto de Magalhães Coutinho, disse-me anos mais tarde
que, “na época, as coisas viviam-se muito
intensamente, com paixão, e às vezes surgiam aqui e acolá excessos,
comportamentos menos serenos, palavras menos corretas”.
Mas o panfletário/esquerdista Voz de Alcobaça, nas suas
notícias passava ao lado desses pequenos pormenores.
Vergílio Ferreira, numa carta a Vasco Gonçalves, após as
acidentadas comemorações do 1º de maio de 1975, criticou a tese de contrapor
uma cultura elitista a uma cultura popular, pois que cultura é uma só.
“É bom que assim
seja, para que nela ao menos nos sintamos irmãos e o povo tenha acesso ao que
foi dos privilegiados”.
Timóteo de Matos em diferentes momentos, veio a sofrer
todas as punições constantes dos Estatutos do PC, exceto a da expulsão, “certamente porque não tenho feitio para
defender continuamente a opinião da maioria, só porque é a da maioria”.
Só em março do ano seguinte, voltou ao Partido, perante
uma acesa discussão sobre a sua expulsão da Concelhia, reentrando pela mão de
dois dirigentes do Comité Central, Osvaldo Castro e Lancinha, “dirigente e homem de grandes qualidades,
infelizmente já falecido e de quem vim a ser muito amigo e companheiro de
muitas lutas e de alguns momentos de grande alegria. Voltei pois, cheio de
força, de ideias e de ideais. Que diabo! Os tempos que se seguiram ao 11 de
março, eram necessariamente, para qualquer revolucionário, por mais ofendido
que se encontrasse, tempos que não podia ignorar. Estar de fora nessas lutas,
teria sido para mim inimaginável, embora deva confessar que nunca fui daqueles
que confiavam que o socialismo fosse instalado em Portugal, assim já ali, ao
virar da esquina. Sempre via (e ainda vejo) o PCP mais como um partido com uma
influência decisiva na sociedade e na política portuguesa, mas muito mais no
aspeto de não deixar descambar tudo para a direita, o que necessariamente
aconteceria com o PS que temos, do que na assumpção do poder, num momento em
que o capitalismo está por cima, pesem embora os óbvios disparates e
manigâncias em que cada vez se enterra mais, na ânsia de sobrevivência”.
A partir daí, e durante cinco ou seis anos, manteve-se
em bastante atividade, tendo chegado a membro da Comissão Nacional de Desporto.
O PC, no Concelho de Alcobaça, atingiu, no seu melhor
momento, os cerca de duzentos e cinquenta militantes, com considerável força no
norte e centro e muito pequena no sul do Concelho onde, especialmente nas
freguesias da Benedita, Turquel e Vimeiro, “ser
comunista equivalia a ter problemas no dia a dia”.
Depois do 11 de março, as nacionalizações, a reforma
agrária, manifestações gigantescas e o PREC, a luta entre a direita e a
esquerda agudizaram-se. É opinião de Timóteo de Matos, agora de conteúdo muito
benévolo/reciclado, enfim cauteloso e politicamente correto, que “em todos os casos em que duas fações entram
em confronto, a razão deixa frequentemente de imperar e as respostas são,
muitas vezes, desproporcionadas em relação às ações que pretendem combater.
Em Portugal, a linha do PC em relação à
PIDE e ao fascismo em geral, sempre foi, após o 25 de Abril, a da defesa do
julgamento justo e não a da vingança. Substituir, nos comícios, a palavra de
ordem MORTE À PIDE! por JUSTIÇA! foi coisa que a extrema-esquerda nunca pode
tolerar e que a maioria dos militantes comunistas tiveram dificuldade em
engolir”.
Timóteo de Matos justifica-o, porque acabava-se de ver o
que ocorrera no Chile de Allende, “onde a
extrema-direita tinha perseguido selvaticamente os elementos da esquerda e os
democratas em geral, os comunistas portugueses, ou melhor, alguns deles, não deixaram,
aqui e ali, de responder com violência às provocações e, por vezes, serem eles
próprios a iniciarem-nas. Mas pode dizer-se que, na Revolução Portuguesa, os
que estavam do lado dos vencedores levaram mais do que deram”.
Logo no 1º. de maio de 1975 as coisas azedaram.
“Estava marcada uma
manifestação, pelas ruas de Alcobaça, integrada numa festa na Praça D. Afonso
Henriques, com razoável número de presenças e em que recordo que o ator José
Viana foi um dos animadores. Da Praça partia-se para a manifestação, junto ao
Café Trindade e à então sede do PPD. Como é sabido, nestas manifestações, o
colorido de bandeiras e faixas tem papel primordial, em conjunto com as
palavras de ordem que se gritam e o número de manifestantes. E lá estavam as
bandeiras de alguns sindicatos, de alguns partidos de extrema-esquerda, também
do PS e grande quantidade do PC. Aconteceu então descerem da sede do PPD com o
fim de se integrarem na manifestação com outros manifestantes da sede do seu
partido, Gonçalves Sapinho com uma bandeira nacional e Fleming de Oliveira
empunhando a do PPD. Fruto do acaso, a distribuição das bandeiras? Ou “ratice”
maior de Gonçalves Sapinho? O que é certo é que a presença da bandeira do PPD
foi contestada imediatamente por parte do funcionário do PCP (Manuel Beja) que
se atribuía o papel de comandante da manifestação e que era portador de um
megafone para melhor iniciar as palavras de ordem. Não estavam pelos ajustes os
do PPD e travaram-se de razões os de um e outro lados. Razões de rua, bem
gritadas, mal ouvidas, as coisas aqueceram e o megafone experimentou a dureza
de duas ou três cabeças. Lembro-me que o principal agredido foi o Dr. Fleming.
Não me recordo, mas estou em crer que a bandeira se manteve na manifestação,
até ao fim”.
Manuel campos, inscrito no MDP/CDE, mas sem renegar
totalmente o Estado Novo, reconhece que neste 1º de maio, houve “turbulência” em Alcobaça, que não
aprovou.
Não participou na manifestação, tendo-se limitado a
assistir do passeio, mas destaca o momento em que viu “um grupo no qual seguia à frente o dr. Fleming, com uma bandeira do
PPD, se ter envolvido em desavença com outro afeto ao PC.”
Quanto aos acontecimentos com Natália Evangelista,
embrulhada na bandeira laranja e correndo ao longo da rua, não se apercebeu de
nada, mas ouviu falar deles.
Com a finalidade de esclarecer a opinião pública sobre a “verdade” das comemorações do 1º, de
maio em Alcobaça, que alegadamente deveriam ser de concórdia e unidade entre os
trabalhadores, independentemente do credo político, a Secção de Alcobaça do PS,
veio a público informar que este foi contactado no sentido de organizar com o
PC e o MDP/CDE, os respetivos festejos. O PPD,
obviamente, não foi convidado, o que não o impediu de comparecer na
festa. O PS defendeu que as
comemorações deveriam ser apenas obra dos trabalhadores, levada a cabo por
intermédio dos sindicatos, embora com o apoio dos partidos, que participando,
não deveriam assumir a direção dos trabalhadores. Acontece que acabou por não ser esse o entendimento que prevaleceu
pelo que só o respeito pela classe operária, impediu que, pelo menos, no seu
dizer o PS não abandonasse a organização.
O PS informou os alcobacenses que discordou da
instalação de stands dos partidos com fins lucrativos, aliás no seu stand
apenas foram distribuídos cravos vermelhos, e alertou para o perigo que poderia
resultar da inclusão de bandeiras partidárias no desfile. O PS tinha razão e o
mau exemplo não lhe pode ser imputado.
As comemorações foram, enfim, programadas nas costas do
PS, sendo a reunião uma mera e vazia formalidade, pois que terminou na
madrugada do dia 29 e o programa deu entrada na tipografia na manhã desse mesmo
dia.
Tudo isto acarretou, segundo o PS, graves incidentes,
imputados à cegueira partidária de alguns como PC e MDP/CDE.
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