quarta-feira, 16 de abril de 2014

-A EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS (Lisboa) E A EXPOSIÇÃO COLONIAL (Porto). O MODELADOR ALTINO RIBEIRO (alcobacense)-

 
-A EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS (Lisboa) E A EXPOSIÇÃO COLONIAL (Porto).
O MODELADOR ALTINO RIBEIRO (alcobacense)-

Fleming de Oliveira

Os anos 40 (talvez a década mais vibrante do Estado Novo), foram marcantes no campo arquitetónico pelo programa de obras públicas, o que o tornou numa das faces mais visíveis do regime. Ao invés da I República, aqui investiu-se muito.
Em plena guerra civil de Espanha, quando os regimes autoritários pareciam impor-se na cena política europeia, o Estado Novo consolidava-se também. É neste ambiente que, em 27 de março de 1938, Salazar anuncia a realização para o ano de 1940, de uma grande comemoração do duplo centenário da Independência/1140 e da Restauração/1640, a Exposição do Mundo Português a ocorrer entre o Mosteiro dos Jerónimos e o Rio Tejo. Em 27 de fevereiro de 1939 (um pouco a prepará-la), realizou-se uma grande manifestação nacional de apoio a Salazar, promovida pelos sindicatos corporativos de todo o País. O concelho de Alcobaça, graças ao empenho de Manuel da Silva Carolino, esteve representado pelas Casas do Povo de Alfeizerão e Benedita.
A iniciativa da dupla comemoração da Independência e Restauração, assumiu, em termos de recursos materiais e humanos, uma dimensão inédita (para alguns pareceu assustadora e megalómana), tornando-se talvez o mais importante acontecimento político-cultural do Estado Novo. O empenhamento nas comemorações resultou da compreensão do que se desejava colocar em jogo, passar ao ato em forma de comemoração, a consagração pública de uma legitimidade representativa própria, desta feita, eminentemente ideológica e histórica. Ao invés da legitimidade eleitoral dos regimes democráticos, esforçou-se o Estado Novo por associar os traços mais marcantes do seu nacionalismo, autoritarismo, elitismo, paternalismo conservadorismo, a um passado mítico legitimador do presente.
Augusto de Castro (Comissário Geral) no seu discurso de inauguração, sintetizou o grande propósito do certame: Podem dar-se a esta Exposição três objectivos: em primeiro lugar, a projecção sobre o passado, como galeria de imagens heróicas da função universal, cristã e evangelizadora, da Raça, da glória marítima e colonial, do Império; em segundo lugar, a afirmação das forças morais, políticas e criadoras do presente; em terceiro lugar, um acto de fé no futuro. O único País convidado foi o Brasil, por razões óbvias.

Entre junho e setembro de 1934, o Palácio de Cristal, no Porto, havia acolhido a Exposição Colonial que visou mostrar aos portugueses e ao mundo o seu forte Império, glória da história e aposta no futuro.
O Comissário da Exposição Colonial, foi Henrique Galvão, que apreendeu bem as instruções e objetivos do SPN e o empenho de Salazar, que visitara previamente os jardins do Palácio, para conceder a aprovação final.

A Exposição do Mundo Português, buscou, pela mão dos artistas e a pena dos historiadores, difundir as linhas (invisíveis) da continuidade, que uniam a grandeza do passado, do presente e do futuro. Corolário da política de espírito, assistiu-se à mais conseguida conciliação da arte com a política no Estado Novo. Efémera e irrepetível, contudo. Ninguém escondia ou desconhecia 0o valor propagandístico da Exposição, que António Ferro sintetizaria como 1140 (…) explica 1640, como 1640 prepara 1940. Evocação histórico-ideológica dos momentos edificantes, recheados de heróis e lições exemplares. Espécie de fábula contada em imagens, símbolos, frases e palavras.
A Exposição ficaria como marco crucial da cumplicidade dos artistas com o Estado Novo, ensaiada nos anos 30 (século XX) e, simultaneamente, o seu ponto final e de viragem. O certo é que, enquanto em Junho os portugueses assistiam à inauguração da sua cidade mítica, nas chancelarias europeias acendera-se já o alarme, a guerra alastrava por toda a Europa. A Exposição viera afinal comemorar, em apoteose, o considerado por muitos, como o fim do ciclo mais sólido da vida do Regime.

O alcobacense Altino da Cunha Ribeiro, trabalhou em 1939 e durante quase um ano, nos preparativos da Exposição, fazendo com outros modeladores/estucadores (aliás essa era a sua grande especialidade), as estátuas do certame. Ganhava 10$00 à hora, podendo trabalhar quantas quisesse. No campo um homem ganhava apenas 20$00 por dia, com direito a vinho. A oficina onde trabalhava, situava-se num antigo Quartel de Cavalaria desativado, em Pedrouços. As maquetes eram elaboradas em barro, inicialmente em tamanho reduzido, pelo escultor Leopoldo de Almeida que depois as passava a gesso. Em seguida, Altino e os outros modeladores, utilizando um pantógrafo manual, passavam-nas para o tamanho desejado, numa forma perdida. Essa forma era, por sua vez, cheia de gesso, sendo enviada para o canteiro ou para um fundição, no caso das estátuas de pessoas, sereias ou monstros marinhos.
Com os muitos modeladores de barro e a preparar-lhes o serviço, trabalharam como meros serventes, amassadores, Mário Pereira, que fora campeão nacional de boxe, na classe de levíssimos e um outro pugilista, cujo nome Altino já não recorda que fora, por sua vez, campeão nacional de pesados. Ora, um dia, por uma razão fútil qualquer, a verdade é que os dois se envolveram numa briga a sério, sem luvas e para gáudio dos colegas que fizeram um pequeno círculo num ring improvisado, tendo o levíssimo Pereira dado uma valente tareia no pesado. Parece que, depois deste incidente, ambos foram despedidos…

Além da Exposição de 1940, Altino Ribeiro, embora natural de Alcobaça e com família em Alpedriz onde passou parte da infância, trabalhou por conta de outrem como modelador em Caldas da Rainha, Coimbra, Elias e Paiva Ldª (Fervença), Olaria de Alcobaça, Ldª. (nestas duas durante cerca de 16 anos ao mesmo tempo, metade da semana numa, o restante na outra) e Raul da Bernarda Ldª. (nesta pouco tempo) e até teve, por conta própria, uma pequena fábrica de louça, em Alpedriz.

O catálogo da Exposição (disponho um exemplar), destacava (enfática) e encomiasticamente que Portugal dá ao Mundo ignoradas regiões, à História outras fontes para dessedentar-se; à vida novos ritmos. À carreira restita de Mediterrâneo, sucede a estrada enorme do Atlântico.
Na Exposição do Mundo Português estiveram representados todos os territórios ultramarinos de Portugal, em termos de artesanato, habitação, vestuário, etc.. O governo fez questão de deslocar a Lisboa, nativos de todas as possessões. As mulheres eram especialmente apreciadas pelo público masculino, pelo exotismo da postura e pela pouca roupa que usavam. Chegaram a fazer-se concursos de beleza, entre as africanas. Os nativos presentes, nunca se adaptaram bem ao clima europeu pelo que e foi frequente vê-los, em pleno mês de Agosto de 1940, em volta de improvisadas fogueiras, o que para os visitantes eram mais um motivo de atração e curiosidade.

Altino Ribeiro lembra que se dizia que prevendo-se que a Exposição custasse cerca de 35 mil contos, nunca seria possível recuperar o investimento e o País ficaria endividado durante anos. A verdade é que, não obstante o muito reduzido número de visitas de estrangeiros, os refugiados tinham mais com que se preocupar, a Europa estava em guerra, a França no dia anterior à inauguração da Exposição rendeu-se aos alemães, em Espanha a guerra civil terminara há pouco), a Exposição encerrou com lucro. Os visitantes nacionais foram cerca de 3 milhões. Os ingressos por um dia custavam 2$50.

Não sou nada contrário a comemorações, e hoje reconheço que, para comemorar certas coisas, nem é preciso pretexto especial. O nosso País, nunca foi dado a grandes comemorações, e por vezes quando o faz, parece sempre assumir algumas reservas e uma indisfarçável noção de culpa/vergonha.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS


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