-A EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS (Lisboa) E A
EXPOSIÇÃO COLONIAL (Porto).
O MODELADOR ALTINO RIBEIRO (alcobacense)-
Fleming de Oliveira
Os
anos 40 (talvez a década mais vibrante do Estado Novo), foram marcantes no
campo arquitetónico pelo programa de obras públicas, o que o tornou numa das
faces mais visíveis do regime. Ao invés da I República, aqui investiu-se muito.
Em
plena guerra civil de Espanha, quando os regimes autoritários pareciam impor-se
na cena política europeia, o Estado Novo consolidava-se também. É neste
ambiente que, em 27 de março de 1938, Salazar anuncia a realização para o ano
de 1940, de uma grande comemoração do duplo centenário da Independência/1140 e
da Restauração/1640, a Exposição do Mundo Português a ocorrer entre o Mosteiro
dos Jerónimos e o Rio Tejo. Em 27 de fevereiro de 1939 (um pouco a prepará-la),
realizou-se uma grande manifestação nacional de apoio a Salazar, promovida
pelos sindicatos corporativos de todo o País. O concelho de Alcobaça, graças ao
empenho de Manuel da Silva Carolino, esteve representado pelas Casas do Povo de
Alfeizerão e Benedita.
A
iniciativa da dupla comemoração da Independência e Restauração, assumiu, em
termos de recursos materiais e humanos, uma dimensão inédita (para alguns
pareceu assustadora e megalómana), tornando-se talvez o mais importante
acontecimento político-cultural do Estado Novo. O empenhamento nas comemorações
resultou da compreensão do que se desejava colocar em jogo, passar ao ato em
forma de comemoração, a consagração pública de uma legitimidade representativa
própria, desta feita, eminentemente ideológica e histórica. Ao invés da
legitimidade eleitoral dos regimes democráticos, esforçou-se o Estado Novo por
associar os traços mais marcantes do seu nacionalismo, autoritarismo, elitismo,
paternalismo conservadorismo, a um passado mítico legitimador do presente.
Augusto
de Castro (Comissário Geral) no seu discurso de inauguração, sintetizou o
grande propósito do certame: Podem dar-se
a esta Exposição três objectivos: em primeiro lugar, a projecção sobre o
passado, como galeria de imagens heróicas da função universal, cristã e
evangelizadora, da Raça, da glória marítima e colonial, do Império; em segundo
lugar, a afirmação das forças morais, políticas e criadoras do presente; em
terceiro lugar, um acto de fé no futuro. O único País convidado foi o
Brasil, por razões óbvias.
Entre
junho e setembro de 1934, o Palácio de Cristal, no Porto, havia acolhido a Exposição
Colonial que visou mostrar aos portugueses e ao mundo o seu forte Império, glória da história e aposta no
futuro.
O
Comissário da Exposição Colonial, foi Henrique Galvão, que apreendeu bem as
instruções e objetivos do SPN e o empenho de Salazar, que visitara previamente
os jardins do Palácio, para conceder a aprovação final.
A
Exposição do Mundo Português, buscou, pela mão dos artistas e a pena dos
historiadores, difundir as linhas (invisíveis) da continuidade, que uniam a
grandeza do passado, do presente e do futuro. Corolário da política de espírito, assistiu-se à mais conseguida conciliação da
arte com a política no Estado Novo. Efémera e irrepetível, contudo. Ninguém
escondia ou desconhecia 0o valor propagandístico da Exposição, que António
Ferro sintetizaria como 1140 (…) explica 1640, como 1640 prepara 1940.
Evocação histórico-ideológica dos momentos edificantes, recheados de heróis e
lições exemplares. Espécie de fábula contada em imagens, símbolos, frases e
palavras.
A
Exposição ficaria como marco crucial da cumplicidade dos artistas com o Estado
Novo, ensaiada nos anos 30 (século XX) e, simultaneamente, o seu ponto final e
de viragem. O certo é que, enquanto em Junho os portugueses assistiam à
inauguração da sua cidade mítica, nas chancelarias europeias acendera-se já o
alarme, a guerra alastrava por toda a Europa. A Exposição viera afinal
comemorar, em apoteose, o considerado por muitos, como o fim do ciclo mais
sólido da vida do Regime.
O
alcobacense Altino da Cunha Ribeiro, trabalhou em 1939 e durante quase um ano,
nos preparativos da Exposição, fazendo com outros modeladores/estucadores
(aliás essa era a sua grande especialidade), as estátuas do certame. Ganhava
10$00 à hora, podendo trabalhar quantas quisesse. No campo um homem ganhava
apenas 20$00 por dia, com direito a vinho. A oficina onde trabalhava,
situava-se num antigo Quartel de Cavalaria desativado, em Pedrouços. As
maquetes eram elaboradas em barro, inicialmente em tamanho reduzido, pelo
escultor Leopoldo de Almeida que depois as passava a gesso. Em seguida, Altino
e os outros modeladores, utilizando um pantógrafo manual, passavam-nas para o
tamanho desejado, numa forma perdida. Essa forma era, por sua vez, cheia de
gesso, sendo enviada para o canteiro ou para um fundição, no caso das estátuas
de pessoas, sereias ou monstros marinhos.
Com os
muitos modeladores de barro e a preparar-lhes o serviço, trabalharam como meros
serventes, amassadores, Mário Pereira, que fora campeão nacional de boxe, na
classe de levíssimos e um outro pugilista, cujo nome Altino já não recorda que
fora, por sua vez, campeão nacional de pesados. Ora, um dia, por uma razão
fútil qualquer, a verdade é que os dois se envolveram numa briga a sério, sem
luvas e para gáudio dos colegas que fizeram um pequeno círculo num ring
improvisado, tendo o levíssimo Pereira dado uma valente tareia no pesado.
Parece que, depois deste incidente, ambos foram despedidos…
Além
da Exposição de 1940, Altino Ribeiro, embora natural de Alcobaça e com família
em Alpedriz onde passou parte da infância, trabalhou por conta de outrem como
modelador em Caldas da Rainha, Coimbra, Elias e Paiva Ldª (Fervença), Olaria de
Alcobaça, Ldª. (nestas duas durante cerca de 16 anos ao mesmo tempo, metade da
semana numa, o restante na outra) e Raul da Bernarda Ldª. (nesta pouco tempo) e
até teve, por conta própria, uma pequena fábrica de louça, em Alpedriz.
O
catálogo da Exposição (disponho um exemplar), destacava (enfática) e
encomiasticamente que Portugal dá ao Mundo
ignoradas regiões, à História outras fontes para dessedentar-se; à vida novos
ritmos. À carreira restita de Mediterrâneo, sucede a estrada enorme do
Atlântico.
Na
Exposição do Mundo Português estiveram representados todos os territórios
ultramarinos de Portugal, em termos de artesanato, habitação, vestuário, etc..
O governo fez questão de deslocar a Lisboa, nativos de todas as possessões. As
mulheres eram especialmente apreciadas pelo público masculino, pelo exotismo da
postura e pela pouca roupa que usavam. Chegaram a fazer-se concursos de beleza,
entre as africanas. Os nativos presentes, nunca se adaptaram bem ao clima
europeu pelo que e foi frequente vê-los, em pleno mês de Agosto de 1940, em
volta de improvisadas fogueiras, o que para os visitantes eram mais um motivo de
atração e curiosidade.
Altino
Ribeiro lembra que se dizia que prevendo-se que a Exposição custasse cerca de
35 mil contos, nunca seria possível recuperar o investimento e o País ficaria
endividado durante anos. A verdade é que, não obstante o muito reduzido número
de visitas de estrangeiros, os refugiados tinham mais com que se preocupar, a
Europa estava em guerra, a França no dia anterior à inauguração da Exposição
rendeu-se aos alemães, em Espanha a guerra civil terminara há pouco), a
Exposição encerrou com lucro. Os visitantes nacionais foram cerca de 3 milhões.
Os ingressos por um dia custavam 2$50.
Não
sou nada contrário a comemorações, e hoje reconheço que, para comemorar certas
coisas, nem é preciso pretexto
especial. O nosso País, nunca foi
dado a grandes comemorações, e por vezes quando o faz, parece sempre assumir
algumas reservas e uma indisfarçável noção de culpa/vergonha.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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