-NOTAS (ESPARSAS) SOBRE PEDRO E INÊS (DE CASTRO).
OS TÚMULOS DE ALCOBAÇA.
AFONSO LOPES VIEIRA, AUGUSTO ROSA E M. VIEIRA
NATIVIDADE.
BIBLIOGRAFIA
E MÚSICA INESIANAS-
Fleming
de Oliveira
É sobejamente conhecido da história
que D. Afonso IV, após algumas hesitações e a instâncias de conselheiros, deu autorização para a morte
de Inês de Castro, que
ocorreu em Coimbra, a 7 de janeiro de 1355, consumando-se um caso triste e dino de memória.
Há quem defenda que a morte se deu
por apunhalamento e foi assim
descrita,
durante muito tempo.
Todavia, estudando com pormenor o túmulo de D. Pedro, Manuel Vieira Natividade, in Pedro e Inês perante a Iconografia dos seus
Túmulos, defendeu
a tese que se tratou de degolação.
Não é nosso propósito fazer uma abordagem do episódio e/ou seus contornos, matéria de que se ocuparam com muito mais interesse e
mérito, poetas, dramaturgos, pintores, cineastas e até músicos, mas
referir alguns factos com ele relacionados e com Alcobaça, menos conhecidos, mas nem por isso desprovidos de interesse.
Inês de Castro, tanto quanto se
sabe, nunca veio a Alcobaça. Em vida, como é óbvio. Mas D. Pedro vinha muitas vezes ao
Mosteiro, não só no tempo em que se lavrava a sepultura, como depois da
transladação de Inês.
Afonso Lopes Vieira, grande amigo
de Alcobaça e profundo conhecedor
do seu passado, além de poeta, foi um excelente prosador. À pena de Lopes
Vieira deve-se uma bela obra da nossa literatura, A PAIXÃO DE PEDRO, O CRU.
Natural de Leiria, esteve muito
afetivamente ligado à sua província
bem amada e toda povoada de mosteiros, castelos e memórias. Lopes
Vieira confessava-se, um bom
português e (sem razão)
mau poeta, pois, de acordo com os críticos, era tão bom numa, como
na outra coisa.
Monárquico por formação e
convicção, veio a sentir-se como digno
aluno de Camões, quando
foi preso por defender a oposição ao Estado Novo do seu venerado herói Paiva
Couceiro, numa Europa chata de
caixeiros e lojistas de Estado.
Sem que se possa considerar ainda
de europeísta, Lopes Vieira chamou a si a tarefa de contribuir para reaportuguesar Portugal, tornando-o europeu.
Sabe-se que possuía, num relicário sobre a
sua mesa de trabalho, uma madeixa
do cabelo de Inês de Castro. Naquela sua obra, refere-se a Alcobaça, nos
termos seguintes:
Poderosa
como uma fortaleza, vasta como uma nobre Vila, farta como um
celeiro assentando no vale de terras férteis que os monges brancos tinham
desbravado por suas mãos nos tempos heroicos da colonização, logo
depois de Dom Bernardo de Claraval os ter mandado de França, brilhava
no reino como cabeça sapiente e governava, através de largos coutos
e povoados, boa parte da terra portuguesa. Afeiçoara-se Dom Pedro a estes
monges e renovara-lhes ricas doações; talvez a amizade começasse
no tempo em que Afonso, o Bravo, os processara, cerceando-lhes
rudemente o senhorio. Foi, pois, no Mosteiro de Alcobaça, que Dom
Pedro logo pensou; havia de ser na sua Igreja -a mais vasta da Ordem
de Cister- que Dona Inês ficaria sepultada como Rainha de Portugal,
aos pés do altar da Capela de São Pedro, no cruzeiro. Desde logo
também determinou fazer, quando morresse, ao lado dela, a fim de testemunhar
pela presença dos seus ossos, a verdade do santo enlace que
os unira.
Não há provas seguras do casamento de D. Pedro e Inês de Castro, embora ele tenha declarado, sob juramento,
terem casado em
segredo.
Parece crível que D. Pedro nunca a
tenha realmente esquecido,
ele que viveu ainda mais 12 anos. Todavia, dois anos após a execução de Inês de Castro, nasceu um filho
de D. Pedro e Teresa Lourenço, dama galega, que viria a ser o Mestre de Aviz. No testamento, D. Pedro determinou que fosse sepultado em
Alcobaça e, no lugar onde temos a nossa
sepultura, mandou
escrever o seu
adeus, Até ao Fim do Mundo (leitura de M.
Vieira Natividade)
A relação de D. Pedro
com os frades de Alcobaça, era estreita. Tendo-lhes seu pai, D. Afonso IV,
tirado alguns territórios que considerava sonegados à coroa, eles foram-lhes restituídos por D.
Pedro.
O funeral de D. Inês
foi descrito por Fernão Lopes, in Crónica de D. Pedro I, e por Frei Manuel dos Santos, de
forma algo semelhante.
O corpo veio do Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, e ao
longo das dezassete léguas do caminho,
passou por fileiras de pessoas em silêncio e de círio aceso. O cadáver foi transportado em liteira ou andas, à frente do clero e da nobreza mais importante do
reino.
E
apeando-se os da comitiva
à porta do Mosteiro foram por o corpo da Rainha na Igreja sem
fazer por então outra coisa. No outro dia oficiou os funerais em Pontifical
o Bispo de Viseu; e no fim fez El-Rei descobrir o cadáver, acomodando-o
como puderam em uma cadeira e trazendo o Abade uma coroa
prevenida outra vez deram princípio a nova e celebradíssima cerimónia
de beijarem a fina mão de D. Inês, como sua Rainha, todos os que
eram presentes; por remate da acção depositaram o real cadáver na elegante e
soberbíssima sepultura, que o esperava; e nela descansa até ao último dia da
ressureição universal ( Frei Manuel dos Santos, in Alcobaça Ilustrada).
Seria bem assim, ou
aqui se fez eco da lenda entretanto consolidada?
Note-se que a transladação do corpo de Inês de
Castro para Alcobaça, ocorreu a 2 de abril de 1361, o que é pouco compatível com o beija-mão,
daquela que depois de morta foi rainha.
Sobre os túmulos de D.
Pedro e Inês de Castro muito se tem dito e escrito, pois são reputados como das obras
mais importantes, por mais belas, da escultura funerária do ocidente.
Apesar da extensão da
bibliografia nacional e
estrangeira que o drama inspirou, os túmulos não tinham sido objeto de nenhum
estudo detalhado até 1910, como referimos com Manuel Vieira Natividade, in Inês de Castro e Pedro, o Cru, perante a
Iconografia dos seus Túmulos.
Segundo Dom Maur
Cocheril, in Alcobaça-Abadia Cisterciense de Portugal, inicialmente os túmulos estavam
colocados lado a
lado, no braço sul do transepto, com os pés virados para nascente, sendo o de D. Inês à direita do de
D. Pedro.
Possivelmente em 1827,
foram transferidos para a Sala dos
Túmulos (Panteão) e aí colocados um em frente do outro, criando-se assim a lenda que esta era a forma de os
amantes se reencontrarem no dia do Juízo Final. A atual localização,
o de D. Inês no lado norte e o de D.
Pedro no lado sul do transepto, remonta apenas a 1956, após as últimas obras no Mosteiro, por alturas da visita
de Isabel II.
No Panteão Real, em
Alcobaça, onde se encontram sepultados D. Afonso II e D. Afonso III, sua mulher
e filhos, há ainda três pequenos
sarcófagos, não identificados, eventualmente destinados a crianças.
Nenhum historiador
conceituado, os atribui aos filhos de Inês de Castro, mas Beckford em 1794, a fantasiosa Princesa
Rattazi que visitou o Mosteiro em 1879 e Ramalho Ortigão em 1886, aceitaram como boa, mais essa
lenda romântica.
Beckford, na descrição
da receção e do banquete que lhe foram oferecidos em 7 e 8 de junho de 1794,
escreveu (com ligeireza), acerca das laranjeiras do Claustro D. Dinis, da maior
coelheira do mundo, duma bela cantora, outrora algo leviana, chamada Francisca,
que trocara Queluz por este obscuro
retiro e de uma representação teatral sobre a vida e morte de Inês
de Castro.
Para nossa surpresa,
quiçá espanto, diz ter assistido, escrita por um italiano, a uma cruciante tragédia de Dona Inês de Castro e
do cruel assassinato daquela adorada dama e dos seus inocentes filhos. Será
representada no palco. O papel de Dona Inês é feito pelo Sr. Agostinho José.
Vejamos o registo nos
deixou a Princesa Rattazi, sobre Inês de Castro, aquando da sua visita ao
Mosteiro de Alcobaça, em 1879.
Os túmulos de Inês de Castro e do seu real esposo são
maravilhosos! É de pedra, marfim, renda? Os dois sarcófagos estão de pés de um
para os do outro, a fim de no dizer da lenda, quando no dia do Juízo Final a
trombeta do arcanjo acordar os dois amantes, o seu primeiro olhar seja um olhar
de amor. A estátua de Inês de Castro é jacente, sustentada por anjos que a
olham chorosos, segurando uma coroa sobre a sua cabeça. Na mão direita tem um
colar de pérolas. A seus pés vêm-se vestígios de cães, que foram partidos ou
arrancados e que deviam simbolizar a fidelidade. Os quatro lados do túmulo,
estão cobertos de baixo-relevos admiráveis. O túmulo propriamente dito, está
apoiado em seis esfinges, cujas faces destruídas e sem relevo, testemunham a
curiosidade dos visitantes. O sarcófago de D. Pedro, o Justiceiro, está seguro
por seis leões. A sua figura nobre respira suavidade, a mão direita empunha uma
espada. A seus pés estira-se um cão de caça. Nos cantos da capela, encontram-se
três arcas em pedra, restos mortais dos três filhos de Inês de Castro.
Estes túmulos foram
abertos mais que uma vez.
Em 1524, por ordem de D. João III, na sua presença e
depois, por D. Sebastião, em 1 de agosto de 1569. Vieira Natividade, in Mosteiro de Alcobaça escreveu
que D. Sebastião por uma doida fantasia de criança andou pelo
reino, vendo os restos mortais dos seus
antepassados. Sobre
este acontecimento
chegaram várias versões. O de D. Inês foi então danificado no tampo pelos pedreiros.
Como dissessem a D. Sebastião que o sepulcro de
D. Pedro não se podia abrir sem quebra dos ricos lavores que o ornavam,
D. Sebastião disse: Deixem-no, não lhe toquem porque nem nele, nem no outro há
que ver ou tirar proveito; pois além de nenhum (referia-se ao túmulo de D. Afonso
II) acrescentar por armas um palmo de
terra ao reino, um com amar mulheres e outro com as perseguir, deram
assás trabalho e deixaram pouco que imitar a seus sucessores (Fonseca Benevides, in Rainhas
de Portugal).
Conta-se ainda que um
frade presente terá censurar D. Sebastião, pelo que foi castigado pelo Abade, embora todos
reconhecessem que estava a declarar
alto o que todos diziam nas
costas do monarca.
A delapidação dos
túmulos mais
conhecida, e também a mais grave, ocorreu aquando da 3a. Invasão Francesa, em 1810. A soldadesca do Conde
de Erlon, sediada em Peniche, assaltou
o Mosteiro e, entre outros atos de vandalismo, arrombou os túmulos e destruiu de forma
irreparável algumas das suas edículas. Os corpos foram retirados e profanados. Diz-se que o do rei
estava mumificado e
revestido com um manto de púrpura. A cabeça de D. Inês ainda conservava alguns cabelos alourados. O
conjunto dos túmulos é, afinal, tão grandioso que não se repara, para além das grandes mutilações, que
lhes faltam cerca de
100 cabeças das suas figuras.
Voltando a Afonso Lopes
Vieira, parece interessante lembrar ainda um Serão Literário e
Musical
organizado em 17 de agosto de 1913 por Vieira Natividade, no qual aquele proferiu a conferência Inês
de Castro
na Poesia e na Lenda.
No Claustro de D.
Dinis, Augusto Rosa, uma das
glórias do teatro lisboeta, recitou sonetos de Camões, bem como o Ato V de A Castro. Foi de luxo,
o elenco dos demais artistas
presentes, com destaque para o pianista Alexandre Rey Colaço e filhas Alice e Amélia que tocaram e cantaram peças de
Bach e Schubert. Augusto Rosa, mais tarde na sua obra Memórias e Estudos, deixou algumas notas sobre este Serão.
Às nove horas da noite, na
Igreja e no Claustro, tudo estava concluído e os que iam assistir ao Serão
ficaram deslumbrados com a magnificência do Mosteiro, realçada
pela beleza e sumptuosidade da iluminacão (...). O Serão
começou pela admirável conferência feita por Afonso Lopes
Vieira, Inês de Castro na Poesia e na Lenda. Um dos pontos
interessantes e novos dessa conferência é a
evocação e a aproximação dos amores de Tristão
e Isolda, os namorados imortais, dos amores de D. Pedro e Inês. Afonso
Lopes Vieira, trabalha num pequeno poema em prosa em que o conto
medieval é singelamente narrado, no género do célebre livro de Bedier,
Le Roman de Tristan et Iseult. Há em toda a conferência um encanto,
uma poesia, uma saudade, uma tal profusão de sentimentos finos,
subtis, delicados, que o público que assistiu à leitura, comovido e delicado,
aplaudiu entusiasticamente o grande poeta, quando ele terminou
(...). Estava terminado o Serão. A maior parte das
pessoas que assistiram à festa
retirou-se, ficando apenas umas quarenta, mais íntimas,
que foram convidadas para assistir a uma piedosa romaria. Distribuíram
brandões acesos a todas essas pessoas que, atravessando o templo,
se dirigiram à Sala dos Túmulos, onde repousam Pedro e Inês. Aí,
eu, no alto piso da ogiva que domina os dois sarcófagos, recitei à luz das
tochas, dominado por uma íntima comoção, o magnífico e impressionante
soneto de Afonso Lopes Vieira, escrito para esta solenidade, trabalhado sobre o tema do adeus esculpido na rosácea do túmulo de D. Pedro e que vou transcrever:
Até ao fim do mundo! A grande amada//Escuta o adeus da
grande voz sentida//Santa e Rainha, aguarda aquela vida//Que
só depois do fim é começada.
Pedra de sonho e cor, foste lavrada//Pela
saudade imensa aqui vivida// Guarda a saudade,
pois, da despedida// É a esperança da hora desejada.
Guarda a saudade que jamais acaba// Que
o dia há-de vir, de amor contente //Os
que dormem aqui vão esperando.
E no fragor dum mundo que desaba //Hão-de
acordar, sorrindo eternamente //Os olhos um no
outro enfim pousando.
Sobre
Inês de Castro foram também produzidas várias peças musicais, com destaque para
a Inês de Castro, de Persiani, que estreou no teatro San Carlo, de
Nápoles, a 28 de janeiro de 1835. Esta ópera, em três atos, um pouco esquecida,
foi apresentada no Pátio da Universidade de Coimbra, a 6 e 7 de junho e a
seguir nas escadarias do Mosteiro de Alcobaça, a 10 de junho de 2003.
Inês
de Castro continuou a interessar compositores contemporâneos, sendo de
mencionar a peça de James MacMillan, a primeira ópera deste compositor escocês
e católico, nascido em 1959, apresentada no Coliseu do Porto, no âmbito do Porto Cidade Europeia de Cultura-2001.
Narrado
por Fernão Lopes, trovado por Garcia de Resende, dramatizado por António
Ferreira, mitificado por Manuel Faria de Sousa, o episódio de Inês de Castro
entrou profundamente no imaginário nacional português, bem como no Europeu.
Em
1974, Ruy Belo encenou-a em A Margem da Alegria. Ruy Belo defende que
Alcobaça é a maior igreja portuguesa
e alicerça essa grandeza//Nas três naves que no silêncio talha com a precisão
duma navalha// E na desproporção entre a pouca largura e a altura.
Com o
seu colo de garça, no dizer de Lopes
Vieira e de alabastro no de Camões,
Inês de Castro repousa em Alcobaça até
à eternidade.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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