EM QUE SE FALA DA REFORMA AGRÁRIA E DE OCUPAÇÕES.
EM ALCOBAÇA NÃO HOUVE OCUPAÇÕES, POIS CLARO!
Fleming de Oliveira
Em 9 de fevereiro de 1975, o PC realizou, em Évora, a I
Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul.
Milhares de trabalhadores, provenientes dos distritos de
Évora, Beja, Portalegre, Setúbal e Santarém, participaram na conferência e no
comício de encerramento.
A Conferência e as decisões nela tomadas, entre as quais
se destacava a de avançar para uma Reforma Agrária que entregasse a “terra a quem a trabalha”, constituíram o
primeiro passo no caminho da construção concreta da Reforma Agrária,
alegadamente substituindo o desemprego e a miséria, pela produção, o trabalho e
o pão.
Aquele acontecimento parecia coroar a difícil e
persistente luta, na qual esteve sempre presente o PC, organizando-a e
dirigindo-a.
Levada a cabo pelo proletariado agrícola do Sul, sob o
lema “A Terra a quem a Trabalha”, que
foi parte do combate travado contra o salazarismo que, por isso, a reprimiu com
perseguições, prisões e torturas, onde se destacam os assassinatos dos
militantes comunistas como Alfredo Lima (Alpiarça, 1950), Catarina Eufémia (Baleizão,
1954) e José Adelino dos Santos (Montemor-o-Novo, 1958).
A “grande” História
da Reforma Agrária, tal como a do PREC, pode ser contada, sob mais do um
ângulo. Em comum, só talvez o de não ser propriamente uma situação nova, pois
na I República, em 1912 e 1917, houve levantamentos de trabalhadores no
Alentejo a que se seguiram ocupações de propriedades. Um dado adquirido, é que
em geral os camponeses viviam muito mal até ao 25 de abril e, que os
proprietários das grandes herdades, praticavam uma agricultura de baixo nível,
quando comparado com a dimensão da terra, que só uma minoria as geria
pessoalmente e que a maioria, na cidade, apenas retirava a cortiça de sete em
sete anos.
Passados cerca de 40 anos, a ocupação de terras no
Alentejo e Ribatejo é um processo fechado, embora com cicatrizes.
O PC faz questão de não esquecer essa página “heroica”. Partidos como o PSD ou o CDS
não têm interesse especial (se não memorialista), em retomarem a questão, e o
Bloco de Esquerda ainda não existia.
Quanto ao PS, um dos primeiros impulsionadores da
Reforma Agrária, a mudança de orientação política poucos meses após as
primeiras ocupações e a promulgação da Lei Barreto, é tema que não aprecia
comentar.
“A terra a quem a
trabalha!” foi a frase mais
ouvida no Alentejo e temida no resto do País.
Em Alcobaça creio que não, se bem que em boa parte do
Ribatejo e uma parcela de Castelo Branco foi replicada na prática. Os que
viveram aqueles tempos, como Joaquim “Barbeiro”,
contam que, ao fim de semana “era um mar
gente a ver como é que era isso no Alentejo! E a fazer perguntas! E a querer
respostas!”
No Oeste, o PC nunca se aventurou a defender expressa e
publicamente ocupações de terras ou casas.
O meio era-lhe hostil.
Os agricultores de Alcobaça, não estavam preparados para
esse processo, mesmo os que viviam com maiores dificuldades, nada tinham de
proletários, pelo que a ação de agitação do PC, abordava outros temas, mais soft.
Por iniciativa do partido de Cunhal, realizou-se no
domingo 9 de março de 1975 no ginásio da Escola Secundária de Alcobaça, a I
Conferência de Camponeses do Distrito de Leiria que reuniu cerca de 250
camponeses em discussão sobre os seus problemas principais (que não a ocupação
de terras).
A conferência iniciou-se de manhã com a presença de
Joaquim Gomes, do CC do PC, estando dividida em secções que englobavam os
problemas mais prementes da classe.
Das conclusões da reunião, destaca-se a que propõe “que as propriedades do Estado, hoje na mão
do Instituto de Reorganização Agrária e outras, sejam entregues aos
trabalhadores rurais e pequenos agricultores para formas avançadas de
exploração da terra, bem como a criação de centros de investigação agrícola a
serem utilizados como escolas do ensino agrícola”.
Mas isto nada tinha a ver com o Oeste.
Piedade Neto, tem presente que na Freguesia de Coz,
certos ativistas, como o Barbosa Rodrigues, (truculento articulista de o VOZ DE
ALCOBAÇA a quem já me referi doutras vezes) anunciavam, para breve, a ocupação
de casas de habitação, caso os proprietários possuíssem mais do que uma, pois
era necessário “repartir a riqueza, uma
casa, é mais que suficiente”.
O sogro de Piedade Neto, pessoa de idade, ficou
intimidado com a perspetiva de perder uma (o que aliás não se concretizou).
Mas isso não passava de inconsequente agitação verbal.
António Barbosa, de Coz, disse-me que ”nunca ninguém se atreveu a ameaçar-me neste
sentido, pois, se o fizesse…”
E quem o conhece, admite que não era só conversa, se o
fizesse.
Os camponeses, que ocuparam mais de milhão e meio de
hectares no Alentejo, avançaram cedo para esta solução.
Álvaro Cunhal, especialista na questão agrária considerava o levantamento popular do
Alentejo como uma das principais alavancas para derrubar o regime de Salazar.
Se antes do 25 de Abril, os movimentos de massas
camponeses no Alentejo deram ao PC vitórias e prestígio, depois foi obrigado a
correr atrás de milhares de trabalhadores que supunham ter chegado a sua hora,
a de ter um salário mínimo e trabalho durante todo o ano e, principalmente,
terras para cultivar.
Logo a 5 de julho de 1974, aconteceram fenómenos de
ocupação no Distrito de Beja.
A ocupação que assinala o início do processo da Reforma Agrária foi a da herdade do Monte do
Outeiro, a 10 de dezembro de 1974. Pela primeira vez, ocorreu a convergência
entre os fatores que caracterizaram as ocupações, terras abandonadas,
trabalhadores sem emprego, sindicatos agrícolas a dar apoio e militares do MFA
a impor e legalizar a nova ordem.
Na noite de 9 para 10 de dezembro, uma comissão composta
por sindicatos, um representante dos agricultores e outro do Ministério da Agricultura,
deslocou-se às proximidades da herdade do Monte do Outeiro e, perante os
trabalhadores, definiu que havia condições para criar mais emprego.
Foi invocado, por analogia, a aplicação do Dec. 670/74,
que permitia intervir em empresas industriais, caso houvesse situação de
sabotagem económica. No dia seguinte, um plenário na herdade inaugurou o
processo de ocupações e abriu caminho para um dos momentos do PREC que mais
controvérsia suscitou. 40 anos depois da ocupação da herdade do Monte do Outeiro,
o panorama é de triste abandono, um pouco como na agricultura de outras áreas
do país.
Os que ocuparam a terra para trabalhar, entretanto
reformaram-se ou morreram. Os filhos abandonaram o interior e os netos vêm com
mais agrado a vida na cidade, ainda que com muitas dificuldades, que o cabo de
uma enxada ou um trator.
Para Manuel Joaquim, vulgo “Cabreiro”, nos seus mais de oitenta anos, residente perto de
Sousel, entende que “não compensou a
canseira enorme esforço que tivemos em 1974/1975. As propriedades voltaram para
os donos, as cooperativas faliram fecharam, os pequenos agricultores que tinham
os terrenos atribuídos pelo Estado, voltaram ao ponto zero, pois foram
obrigados a assinar um contrato com os proprietários, válido por apenas dez anos.
O grande problema que se verificou, teve
origem na pressão por parte dos latifundiários que exigiram que a gente
comprasse as terras”.
Manuel “Cabreiro”
desiludiu-se com o PC, revoltou-se com o rumo da Reforma Agrária e o atual
estado da pequena agricultura, “porque o
setor está em perfeito descalabro, graças à CEE e ao português Durão Barroso”.
António Barreto, Ministro da Agricultura, autor da
célebre e contestada pelo PC, Lei Barreto, declarou que “nunca concordou com a Reforma Agrária, como a que foi feita em 1975,
nunca! Nem um dia! Tudo foi feito ilegalmente e com um destino político. Muita
gente era contra, inclusivamente, por exemplo, o velho Professor Henrique de
Barros, antigo defensor das ideias de reforma agrária e que nunca se reconheceu
naquilo”.
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