quarta-feira, 30 de abril de 2014

EM QUE SE FALA DA REFORMA AGRÁRIA E DE OCUPAÇÕES. EM ALCOBAÇA NÃO HOUVE OCUPAÇÕES, POIS CLARO!


 


EM QUE SE FALA DA REFORMA AGRÁRIA E DE OCUPAÇÕES.
EM ALCOBAÇA NÃO HOUVE OCUPAÇÕES, POIS CLARO!

Fleming de Oliveira


Em 9 de fevereiro de 1975, o PC realizou, em Évora, a I Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul.
Milhares de trabalhadores, provenientes dos distritos de Évora, Beja, Portalegre, Setúbal e Santarém, participaram na conferência e no comício de encerramento.
A Conferência e as decisões nela tomadas, entre as quais se destacava a de avançar para uma Reforma Agrária que entregasse a “terra a quem a trabalha”, constituíram o primeiro passo no caminho da construção concreta da Reforma Agrária, alegadamente substituindo o desemprego e a miséria, pela produção, o trabalho e o pão.

Aquele acontecimento parecia coroar a difícil e persistente luta, na qual esteve sempre presente o PC, organizando-a e dirigindo-a.
Levada a cabo pelo proletariado agrícola do Sul, sob o lema “A Terra a quem a Trabalha”, que foi parte do combate travado contra o salazarismo que, por isso, a reprimiu com perseguições, prisões e torturas, onde se destacam os assassinatos dos militantes comunistas como Alfredo Lima (Alpiarça, 1950), Catarina Eufémia (Baleizão, 1954) e José Adelino dos Santos (Montemor-o-Novo, 1958).
A “grande” História da Reforma Agrária, tal como a do PREC, pode ser contada, sob mais do um ângulo. Em comum, só talvez o de não ser propriamente uma situação nova, pois na I República, em 1912 e 1917, houve levantamentos de trabalhadores no Alentejo a que se seguiram ocupações de propriedades. Um dado adquirido, é que em geral os camponeses viviam muito mal até ao 25 de abril e, que os proprietários das grandes herdades, praticavam uma agricultura de baixo nível, quando comparado com a dimensão da terra, que só uma minoria as geria pessoalmente e que a maioria, na cidade, apenas retirava a cortiça de sete em sete anos.

Passados cerca de 40 anos, a ocupação de terras no Alentejo e Ribatejo é um processo fechado, embora com cicatrizes.
O PC faz questão de não esquecer essa página “heroica”. Partidos como o PSD ou o CDS não têm interesse especial (se não memorialista), em retomarem a questão, e o Bloco de Esquerda ainda não existia.
Quanto ao PS, um dos primeiros impulsionadores da Reforma Agrária, a mudança de orientação política poucos meses após as primeiras ocupações e a promulgação da Lei Barreto, é tema que não aprecia comentar.
“A terra a quem a trabalha!” foi a frase mais ouvida no Alentejo e temida no resto do País.

Em Alcobaça creio que não, se bem que em boa parte do Ribatejo e uma parcela de Castelo Branco foi replicada na prática. Os que viveram aqueles tempos, como Joaquim “Barbeiro”, contam que, ao fim de semana “era um mar gente a ver como é que era isso no Alentejo! E a fazer perguntas! E a querer respostas!”

No Oeste, o PC nunca se aventurou a defender expressa e publicamente ocupações de terras ou casas.
O meio era-lhe hostil.
Os agricultores de Alcobaça, não estavam preparados para esse processo, mesmo os que viviam com maiores dificuldades, nada tinham de proletários, pelo que a ação de agitação do PC, abordava outros temas, mais soft.

Por iniciativa do partido de Cunhal, realizou-se no domingo 9 de março de 1975 no ginásio da Escola Secundária de Alcobaça, a I Conferência de Camponeses do Distrito de Leiria que reuniu cerca de 250 camponeses em discussão sobre os seus problemas principais (que não a ocupação de terras).
A conferência iniciou-se de manhã com a presença de Joaquim Gomes, do CC do PC, estando dividida em secções que englobavam os problemas mais prementes da classe.
Das conclusões da reunião, destaca-se a que propõe “que as propriedades do Estado, hoje na mão do Instituto de Reorganização Agrária e outras, sejam entregues aos trabalhadores rurais e pequenos agricultores para formas avançadas de exploração da terra, bem como a criação de centros de investigação agrícola a serem utilizados como escolas do ensino agrícola”.
Mas isto nada tinha a ver com o Oeste.

Piedade Neto, tem presente que na Freguesia de Coz, certos ativistas, como o Barbosa Rodrigues, (truculento articulista de o VOZ DE ALCOBAÇA a quem já me referi doutras vezes) anunciavam, para breve, a ocupação de casas de habitação, caso os proprietários possuíssem mais do que uma, pois era necessário “repartir a riqueza, uma casa, é mais que suficiente”.
O sogro de Piedade Neto, pessoa de idade, ficou intimidado com a perspetiva de perder uma (o que aliás não se concretizou).

Mas isso não passava de inconsequente agitação verbal.
António Barbosa, de Coz, disse-me que ”nunca ninguém se atreveu a ameaçar-me neste sentido, pois, se o fizesse…”
E quem o conhece, admite que não era só conversa, se o fizesse.

Os camponeses, que ocuparam mais de milhão e meio de hectares no Alentejo, avançaram cedo para esta solução.
Álvaro Cunhal, especialista na questão agrária  considerava o levantamento popular do Alentejo como uma das principais alavancas para derrubar o regime de Salazar.
Se antes do 25 de Abril, os movimentos de massas camponeses no Alentejo deram ao PC vitórias e prestígio, depois foi obrigado a correr atrás de milhares de trabalhadores que supunham ter chegado a sua hora, a de ter um salário mínimo e trabalho durante todo o ano e, principalmente, terras para cultivar.

Logo a 5 de julho de 1974, aconteceram fenómenos de ocupação no Distrito de Beja.
A ocupação que assinala o início do processo da Reforma Agrária foi a da herdade do Monte do Outeiro, a 10 de dezembro de 1974. Pela primeira vez, ocorreu a convergência entre os fatores que caracterizaram as ocupações, terras abandonadas, trabalhadores sem emprego, sindicatos agrícolas a dar apoio e militares do MFA a impor e legalizar a nova ordem.

Na noite de 9 para 10 de dezembro, uma comissão composta por sindicatos, um representante dos agricultores e outro do Ministério da Agricultura, deslocou-se às proximidades da herdade do Monte do Outeiro e, perante os trabalhadores, definiu que havia condições para criar mais emprego.
Foi invocado, por analogia, a aplicação do Dec. 670/74, que permitia intervir em empresas industriais, caso houvesse situação de sabotagem económica. No dia seguinte, um plenário na herdade inaugurou o processo de ocupações e abriu caminho para um dos momentos do PREC que mais controvérsia suscitou. 40 anos depois da ocupação da herdade do Monte do Outeiro, o panorama é de triste abandono, um pouco como na agricultura de outras áreas do país.

Os que ocuparam a terra para trabalhar, entretanto reformaram-se ou morreram. Os filhos abandonaram o interior e os netos vêm com mais agrado a vida na cidade, ainda que com muitas dificuldades, que o cabo de uma enxada ou um trator.

Para Manuel Joaquim, vulgo “Cabreiro”, nos seus mais de oitenta anos, residente perto de Sousel, entende que “não compensou a canseira enorme esforço que tivemos em 1974/1975. As propriedades voltaram para os donos, as cooperativas faliram fecharam, os pequenos agricultores que tinham os terrenos atribuídos pelo Estado, voltaram ao ponto zero, pois foram obrigados a assinar um contrato com os proprietários, válido por apenas dez anos. O grande problema que se verificou, teve origem na pressão por parte dos latifundiários que exigiram que a gente comprasse as terras”.
Manuel “Cabreiro” desiludiu-se com o PC, revoltou-se com o rumo da Reforma Agrária e o atual estado da pequena agricultura, “porque o setor está em perfeito descalabro, graças à CEE e ao português Durão Barroso”.

António Barreto, Ministro da Agricultura, autor da célebre e contestada pelo PC, Lei Barreto, declarou que “nunca concordou com a Reforma Agrária, como a que foi feita em 1975, nunca! Nem um dia! Tudo foi feito ilegalmente e com um destino político. Muita gente era contra, inclusivamente, por exemplo, o velho Professor Henrique de Barros, antigo defensor das ideias de reforma agrária e que nunca se reconheceu naquilo”.




Sem comentários: