SILVESTRE, O “ARGUTO E INOVADOR” PRESIDENTE DA CMA
UTILIZAVA UMA BIC VERMELHA.
OS INTERNADOS DO LAR RESIDENCIAL (que só davam despesa)
DEVERIAM IR TRABALHAR COMO COVEIROS.
A (progressista) CA DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA(maio
de 1975)
Fleming de Oliveira
Jorge Silvestre, o presidente da “BIC Vermelha”, era pessoa de sentido de oportunidade e senso
político muito especiais.
Em setembro de 1974, a CA da Câmara deliberou remeter um
ofício ao Ginásio Clube de Alcobaça, secundando um despacho conjunto dos
Ministério da Administração Interna e do Ministério da Comunicação Social,
relativo à disciplina dos recintos desportivos.
Silvestre escreveu que, na qualidade de entidade proprietária do Estádio Municipal, desde já
avisamos que em caso de infração ao disposto no nº 5 do despacho, não
procederemos à construção de quaisquer vedações. Isto porque ao contrário do
regime fascista - que aproveitava o espetáculo desportivo como
fator de adormecimento da consciência coletiva do País e vazadouro de recalcamentos
- entendemos que os campos de futebol devem deixar de ser palco de cenas menos
dignas para se transformarem em recintos de confraternização entre pessoas que
gostam de ver jogar futebol.
Este é um caso com tratamento paradigmático dos tempos
do PREC em Alcobaça, altura em que, tal como pelo País fora, tudo parecia
justificar-se na ara das grandes transformações e na procura utópica,
fantástica, da ordenação social.
O Presidente da CA contou que, por alturas do mês de
agosto de 1974, foi procurado por Duarte Chita, Diretor do Lar Residencial, que
ofereceu colaboração entre esta instituição de assistência e a Câmara. Nesse
sentido, o Lar Residencial passaria a utilizar o Matadouro Municipal para o
abate dos animais, especialmente suínos, que necessitava para alimentação dos
seus internados, com dispensa do pagamento das respetivas taxas. Por outro
lado, Duarte Chita, oferecia, em troca, a disponibilidade da mão de obra dos
internados que só acarretam despesa ao
erário público e nada produzem.
Para quê? quis saber o Presidente da CA da Câmara. Para
colaborarem com o mal pago coveiro de 1ª classe do cemitério da Vila, que
auferia 3.700$00 por mês, no serviço de inumação dos seus companheiros e de
outros. Na Câmara, prevaleceu desta vez o bom senso e foi declinada a oferta,
embora agradecendo-se a boa-vontade demonstrada por tão progressista
personalidade, aliás nunca revelada antes do 25 de Abril, de cujo regime foi um
servil e fiel seguidor. Todavia, as propostas do Diretor do Lar Residencial não
se limitaram a esta. Dado que os cadáveres dos internados no Lar Residencial,
para serem enterrados necessitavam de utilizar o acesso que circundava o cemitério pelo lado poente, e
porque os proprietários confinantes aceitavam proceder ao seu alargamento e
arranjo, Duarte Chita propôs à Câmara o fornecimento de um veículo do Lar
Residencial para o transporte dos materiais, bem como mão de obra.
Não consegui apurar qual a sequência desta proposta, mas
a verdade é que, desta vez, a CA da Câmara não a rejeitou liminarmente.
Assim, foram encarregados os Serviços Técnicos de
estudar a sua viabilidade e a forma de rentabilizar o pessoal do Lar
Residencial.
Duarte Chita foi publicamente acusado pelo CDS de
Alcobaça, de perseguir um militante seu
por meras razões políticas, já mesmo depois do 25 de novembro de 1975.
Tratou-se da perseguição de que teria sido alvo um
militante do CDS, retomado de Angola, e que trabalhava desde há meses, como
servente de pedreiro no Lar Residencial. Duarte Chita, virado simpatizante do
MDP/CDE e cuja fotografia correu mundo ao ser publicada no Paris Match, quando
assistiu ao famoso comício do PC, em agosto de 1975, no Pavilhão
Gimnodesportivo, a partir do momento em que aquele trabalhador se apresentou ao
serviço, ostentando um pequeno emblema do CDS, retirou-o da tarefa de servente
de pedreiro e colocou-o a cavar ao lado dos internados, em condições tidas como
vexatórias. O alegado fundamento pretexto desse afastamento foi o de já não
haver serviço/vaga de servente de pedreiro eventual, o que não era verdade,
pois uma vaga veio a ser preenchida por um cabo-verdeano, solteiro, mas afeto a
um partido de esquerda, MDP/CDE, que lhe fazia alguns serviços em casa. Foi criado um
ambiente tão hostil ao trabalhador que se viu forçado a abandonar o serviço.
A zona de Paredes da Vitória, já por alturas de 1974,
sofria forte pressão urbanística e era muito cobiçada, como local de lazer, não
só pela população de Pataias, como também de outros pontos da região ou mesmo
do País. A Câmara Municipal de Alcobaça, por mais que uma vez, mandou elaborar
projetos para o seu aproveitamento, aliás, nunca concretizados. Pessoas haviam
ocupado terrenos mal demarcados, e sobre eles faziam negócios de importância e
construíam clandestinamente, à revelia de qualquer plano de urbanização ou de
projeto aprovado.
Possuída de alegadas motivações de cariz social, a CA da
CMA, pretendeu no verão de 1974 mandar efetuar um novo Plano de Urbanização
para a Praia de Paredes da Vitória, aproveitando aquele bem com que a natureza dotou o concelho de Alcobaça, no
dizer muito florido de Jorge Silvestre.
Segundo este, no que foi acompanhado pela totalidade da
vereação, deveriam ser fornecidas ao Gabinete Urbanístico, as seguintes
diretivas fundamentais:
-A Praia de Paredes
da Vitória deverá servir primeiro, e fundamentalmente, as populações
trabalhadoras, quer da nossa região, quer de outros concelhos;
-A conceção das
estruturas a implantar, terá de obedecer a outro critério, que não o seguido em S. Martinho do Porto
ou S. Pedro de Muel, em que sobressai o fator opulência que aqui não se deseja,
prevendo-se, consequentemente, entre outras características, a existência de
terrenos baratos para instalação da massa trabalhadora e de modestos recursos,
piscinas e parques de campismo destinadas sobretudo a pessoas do mesmo nível
económico daqueles referidos trabalhadores, que assim teriam fácil acesso aos
benefícios da praia.
Costa e Sousa, que trabalhou com esta equipa e assistia
por dever de ofício e por vezes enfastiado às reuniões, considera que a nova
classe política que ia surgindo, era de sonhadores e idealistas, que foram
perdendo qualidades perante as realidades do dia a dia.
E nem sempre bem intencionados.
Jorge Silvestre, pediu a demissão do cargo que ocupava
desde 17 de julho de 1974.
O motivo invocado foi ter sido requisitado para
trabalhar de novo na Secretaria de Estado da Agricultura, a cujo quadro de
pessoal pertencia. Despediu-se da Câmara, na sessão de 31 de janeiro de 1975,
foi-se embora e não mais voltou…, mas deixou muitas BIC na secretária e, em
aberto, a questão de se saber qual seria o processo de escolha do seu
substituto.
Pessanha Gonçalves, militante da LUAR, mas com um estilo
de vida muito burguês, amigo dos copos, conhecido pelo radicalismo das
posições, pela palavra fácil, poucas contas e gargalhadas sonoras, afirmou que
“uma vez que a Comissão em exercício,
sancionada pelo Governo, foi designada depois de plenário realizado na sede do
Concelho, e como tal representativa da população, na hipótese de a substituição
de alguns elementos da Comissão ser feita por indicação do Partido Popular
Democrático apresentará de imediato o seu pedido de demissão”.
Na verdade, se assim o anunciou, assim o fez e em 26 de
fevereiro de 1975, apresentou a sua demissão de Vereador da Câmara, com uma
bombástica e pitoresca declaração:
“(…) A saída por
motivo oficial do Presidente desta Comissão Administrativa e, consequentemente,
a vacatura do lugar, deu lugar aquilo que poderemos chamar, utilizando uma
linguagem muito em voga após o 25 de Abril, a um verdadeiro assalto às
autarquias locais, neste caso, assalto ao lugar aberto. De acordo com uma
reunião com o Excelentíssimo Senhor Governador Civil, foi declarado que o lugar
em aberto, mais o lugar do vogal Excelentíssimo Senhor Dr. João Lameiras de
Figueiredo, seriam preenchidos por membros a designar pelo Partido Popular
Democrático e pelo Partido Socialista. Estes partidos pretendem tomar de
assalto os dois lugares em questão, não aceitando a decisão do plenário que
levaria a que os mesmos fossem substituídos pelos elementos sucessivamente mais
votados, independentemente da filiação partidária (…)”
O plenário a que aludia Pessanha Gonçalves foi o que se
realizou em maio de 1974 em Alcobaça para a escolha dos membros que iriam
integrar a CA e que tanto “dividiu”
António Nabais Pinheiro. Ora, segundo Pessanha Gonçalves, “a democracia não começa, nem passa pelo Partido Popular Democrático e
se a sua permanência neste governo faz parte de um equilíbrio de forças,
próprio do Governo de burgueses, não pode aceitar em consciência de modo algum,
que partidos defensores da burguesia e do capital tenham lugar na presente
administração (…)”.
Com a demissão de Silvestre, interinamente passou a
ocupar o lugar Gilberto Magalhães Coutinho, Vice-Presidente e Vereador dos
Mercados e Feiras, do Abastecimento Público e dos Serviços Municipalizados. Os
Vereadores António da Silva Rosa, Alberto Serrano e Lameiras de Figueiredo,
apresentaram as respetivas demissões em 2 de abril de 1975, pelo que, se
impunha constituir uma nova CA para a CMA. Após demoradas e pouco pacíficas
negociações, já que mais uma vez o Governador Civil queria favorecer
determinadas forças, veio a ser empossada em 6 de maio de 1975 uma nova CA para
a Câmara Municipal, com a seguinte composição:
PRESIDENTE: José Pinto Júnior, PC.
VOGAIS: Gilberto Magalhães Coutinho e Celeste Vilhena
Costa, MDP/CDE, Vitalino Casinhas e Leonel Afonso Belo, PS, Alfredo Carvalho
Lino, PPD, e José Ventura Duarte, Independente.
José Pinto Júnior, comerciante estabelecido em Alcobaça,
no nº 11 da Rua 16 de outubro, com a Casa das Meias. Era filiado no PC e, aos
55 anos de idade, reconhecia que não tinha preparação para o lugar e que, por
isso, nunca havia pensado ser Presidente da Câmara. Ele próprio também
reconhecia a sua falta de perfil e empolava o sacrifício que fazia, em
cumprimento de uma tarefa partidária, que até lhe fez perder uns quilos.
As reuniões da Câmara Municipal eram, em geral, muito
pouco produtivas, com discussões estéreis e intermináveis, normalmente muito
politizadas, especialmente quando se faziam com a presença de público ou das
Juntas de Freguesia. José Pinto assim chegou,à conclusão que o sistema tinha de
ser mudado, dado acarretar prejuízo para o andamento dos trabalhos e para o
despacho dos assuntos pendentes. Começavam às 21 horas e prolongavam-se até às
4 e 5 horas da manhã, com cansaço e mesmo alguma fome por parte dos
intervenientes. Isto veio a determinar que os funcionários municipais que
deveriam estar presentes, passassem a receber horas extraordinárias.
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