A IMPRENSA EM ALCOBAÇA NO TEMPO DA DITADURA
NACIONAL E DO ESTADO NOVO.
A VOZ DOS MONTES.
ECO DE S. MARTINHO.
A BANDEIRA DA REPÚBLICA.
VOZ DE ALCOBAÇA.
ECOS DO ALCOA.
COMARCA DE ALCOBAÇA.
O ALCOA.
O JORNAL DE ALCOBAÇA.
Fleming
de Oliveira
Como
era a imprensa local em Alcobaça, nos tempos da Ditadura Militar e do Estado
Novo?
Não é
fácil encontrar registos ou memórias especialmente interessantes sobre esses
tempos, p. Na Biblioteca Municipal existem apenas alguns números soltos do Voz
de Alcobaça, correspondentes ao período que vai de 1930 a 1934, altura em que
cessou a publicação, proibido pelo Regime. Tratou-se de um título que
reapareceu depois do 25 de abril, com algumas características que vulgarmente
se poderão rotular de esquerda, já não se assumido propriamente como
anticlerical. A 1ª. Série do Voz de
Alcobaça, que foi de 1 de novembro de 1930 a 19 de abril de 1934,
correspondeu a um semanário republicano, do
reviralho e anticlerical, de forte combate político-ideológico muito datado
e personalizado (na tradição da I República), panfletário e pouco noticioso. Proclamava-se
pequeno semanário, grande jornal
político, regional e literário. Não vamos enchê-lo com reportagens, tendo
como redatores principais Mário Sá e Carlos de Oliveira Figueiredo, editor
Fernando Afonso Ramos, e administrador José de Oliveira Júnior. Era composto e
impresso na Tipografia Alcobacense, então na Praça do Município, vendido por
assinatura (ano 20$00/semestre
10$00), com pagamento adeantado. Grande parte dos seus textos, obviamente com
exceção da publicidade (como por exemplo, Está
a funcionar caldeira para destilação de vinho, borras, engaço de José Martelo, na travessa Miguel Bombarda-Alcobaça), eram da autoria de pessoas cultas
como Vasco da Gama Fernandes, João Lameiras de Figueiredo ou Bernardo
Vila-Nova, exprimiam uma linguagem radical, saudosista da I República e de
alguns dos seus pilares. Era, de facto, uma linguagem combativa, seja relativamente
ao Regime, à Igreja ou a personalidades, apesar de Censurado em Leiria, como constava sempre destacadamente ao fundo
da primeira página.
Os
ataques por parte dos republicanos à Igreja Católica, mesmo em plena Ditadura
Militar e não obstante a Censura Prévia, podem sintetizar-se em apontamentos como um Decálogo que resume a missão da Igreja Católica e que como
tal deveria ter a maior propaganda entre os alcobacenses, a fim de despertar o
rural da enorme inconsciência em que vive:
1º)-[AM1] A Igreja é a empresa
mais poderosa da terra para realizar negócios e fazer política de
conveniências// 2º)-A Igreja é a defensora incansável dos
inimigos de todas as reformas de todos os tempos// 3º)-A Igreja inimiga da Luz, opta pelo pensamento obscurantista e pelas
acções que tudo significam para ela// 4º)-A igreja oferece a felicidade para depois da morte aos que renunciam
ser felizes na vida; por isso necessita dos pobres de espírito, dos bem
aventurados e dos patifes// 5º)-A
Igreja proporciona o viático para ir para o céu, a troco do pagamento de
entrada, em boa moeda corrente// 6º)-A
Igreja é a instituição mais importante para abastardar o carácter e estorvar a
evolução, missão recomendada
exclusivamente por Deus// 7º)-A
Igreja é a única agência comercial e a
única industrial protegida que não paga contribuição// 8º)-A Igreja é a inimiga da ciência e do livre
pensamento; a história dos seus crimes e perseguições não nos diz outra coisa//
9º)-A Igreja é imperialista,
monárquica, republicana, bolchevista, qualquer coisa; a questão é estar com o
governo// 10º)-Cidadão: se na tua
terra há uma ou várias igrejas… frequenta antes uma biblioteca, que te será
mais útil.
Folheando
o Voz de Alcobaça, vê-se que os
articulistas queriam informar (admite-se), mas partiam de tantas certezas ou
pressupostos que limitavam o ângulo de abordagem, de tal modo que pouco ou nada
contribuíam para a elaboração de opções próprias dos leitores. Este tipo de
jornalismo, passível de ser qualificado de panfletário, tem alguma coisa em
comum com os comícios políticos de massas, sessões de esclarecimento, também
fora de moda, destinava-se aos
iniciados, aos já convencidos, com o objetivo de lhes dar mais alguns
argumentos para discussão nas tertúlias de café, farmácia ou barbeiro, mas
principalmente para aquecer a alma. No
que se condescende de meritório neste jornalismo, é tão só o de admitir que
pode ser autêntico, no limitado sentido de sincero. O articulista é inteiro na
sua mensagem, embora embarace (impeça), uma tomada de decisão responsável.
Neste aspeto, assume alguma semelhança,
com o jornalismo sensacionalista. O panfletário, parte de ideais, é
sumamente ideológico, enquanto que o sensacionalista, age como um agente das
forças dominantes, políticas ou económicas.
O Voz de Alcobaça-1ª série, está pleno de
alusões heréticas e picardias, que
atingiam tanto a Igreja, como a Monarquia ou pessoas, como se fossem faces da
mesma moeda e que censura deixava ainda passar.
Bernardo
Vila Nova, depois do encerramento compulsivo do Voz de Alcobaça, passou a colaborar, no Ecos do Alcoa e no Comarca de
Alcobaça. Aquele jornal, impresso na Nazaré, Tipografia Alcoa, foi fundado,
editado e propriedade de Manuel da Silva Carolino, Presidente da Câmara. O
diretor era Alberto Trindade e o jornal auto assumia-se a partir de 20 de novembro
de 1928, quando iniciou a publicação, como um jornal da Situação, anti-republicano
e anti-bolchevista, defensor da União Nacional, o de maior tiragem e expansão de todos os jornais do Concelho.
Como contraponto
ao Voz de Alcobaça, seu oponente direto,
o Ecos do Alcoa reclamava-se também
radical e muito político-ideológico, pois que gostava de deixar as marcas dos
caninos dos seus colaboradores.
Manuel
da Silva Carolino era um intransigente defensor do Estado Novo. Nomeado
Administrador do Concelho, Presidente da Comissão Administrativa Municipal,
Presidente da Câmara, exerceu funções autárquicas durante dezassete anos, em
períodos críticos, e de forma por vezes controversa e férrea, criando amigos e inimigos.
Na primeira página do número 100 do Ecos
do Alcoa (26 de novembro de 1931) citava Basílio Teles, o liberalismo é e será sempre absolutamente
incapaz de organizar e construir. Ao mesmo tempo os diretores Trindade e
Manuel Carolino, lançavam o alerta Conservador
Amigo: Vais vendo o que se vai passando em diferentes pontos do Distrito? Vai
dormindo ou acamaradando com os inimigos de sempre e depois grita que não te
defendem.
É,
mais noticioso que o Voz de Alcobaça,
sem prejuízo da sua parcialidade. Encontram-se nele notícias e comentários
absolutamente facciosos ou ambíguos, sempre na linha da política do governo de
Salazar.
Em
plena II Guerra (ano de 1943), destaco do Ecos
do Alcoa, comentários do género que as
forças que só pretendem fazer mal ao mundo (isto é, os soviéticos) têm conseguido alguns êxitos contra as
tropas da Alemanha.
Na
primeira página do jornal, Manuel da Silva Carolino não hesitava em convidar os
leitores e alcobacenses: Quereis servir a
Pátria e prestigiar a República, filiai-vos na União Nacional !!! Nem mais
nem menos…
Vou
recordar, alguns textos tanto do Voz de
Alcobaça-1ª. Série, como de o Ecos do
Alcoa, onde se revelavam ódios antigos, recíprocos, se lançavam injúrias
inflamantes, insultos obscenos, se arriscavam/procuravam consciente, quiçá
fundadamente, uns bons murros ou umas bengaladas, como diria o Eça. Esse
tratamento por parte do Voz de Alcobaça era
especialmente dirigido, à Igreja, não especificamente aos Monges de Cister. O Ecos do Alcoa não ficava atrás, dava
troco com a mesma moeda. Estes ainda, não eram os tempos da liberdade suficiente como Salazar veio a
caracterizar, para consumo externo e das democracias, dos artigos do
panfletário Rocha Martins (quando fala o Rocha, Salazar fica à brocha), nos
anos quarenta e tais, que incendiavam as tertúlias da oposição.
Vejamos
arbitrariamente é certo, alguns apontamentos do Voz de Alcobaça, provavelmente da autoria do redator principal,
Mário Sá:
O sr. Nicolau Pereira Barreto, é na Batalha,
o tesoureiro da Câmara Municipal e um beato que não se cansa de benzer e bater
com as mãos no peito. Pois há dias sucedeu que Frei Nicolau (Pereira Barreto) não
tolerasse que um nosso amigo se não descobrisse quando passava o senhor e
insultou o anticatólico com palavras incorrectas e malcreadas pouco dignas de um
crente. É isto a tolerância dos católicos? Deve ser, pelo menos, assim o
demonstrou, o sr. Nicolau Pereira Barreto, numa série de religiosos
impropérios. Benza-o Deus!...
Em 1
de dezembro de 1935, apareceu o jornal Comarca
de Alcobaça, cujo Diretor e Editor foi José Domingues Trindade. Este jornal
interrompeu a publicação cerca de um ano depois, reaparecendo entre 1946 e 1951
com o mesmo diretor, ano em que cessou de vez a publicação.
O Comarca de Alcobaça tinha uma linha
política conservadora e de direita, mais aberta que o Ecos do Alcoa, e destinava-se ainda a um grupo importante de
leitores da Nazaré. Dava notícias, relacionadas com personalidades e factos da
oposição republicana e respeitava pessoas como João d’ Oliva Monteiro, João
Lameiras de Figueiredo, Vasco da Gama Fernandes ou Bernardo Villa Nova.
O Dr.
Vasco da Gama Fernandes teve escritório de Advogado num primeiro andar da rua
16 de outubro, Alcobaça, quase na esquina com a rua Alexandre Herculano, aonde
o colega Dr. Amílcar Magalhães, chegou as ir por razões profissionais.
O Dr.
Amílcar Magalhães, não era propriamente um amigo do Dr. Vasco da Gama
Fernandes, muito menos correligionário, mas eram colegas que se estimavam e
respeitavam. O Dr. Amílcar Magalhães, que o conheceu bem e com quem trabalhou
muitas vezes profissionalmente, contou-me depois do 25 de abril que, por
alturas de 1936, quando ambos já advogavam, o Dr. Vasco da Gama foi defender
uma mulher de Alpedriz, acusada de infanticídio. A mulher foi condenada apenas em 120 dias de prisão, mas foi
notável, talentosa, a defesa que o Dr. Vasco da Gama produziu.
O Dr.
Magalhães recordava também do Dr. Vasco da Gama Fernandes, uma causa que
respeitava a uma mulher dos Montes, de nome Maria Carreira, acusada de
agressão. O numeroso público, maioritariamente dos Montes, que assistiu com
alguma paixão à audiência (nas antigas instalações na ala norte do Mosteiro),
não apreciou as referências, tidas por injustas, feitas a esta localidade e
seus habitantes. Ossos do ofício,
comentava condescendente e sabiamente o Dr. Magalhães.
O Comarca de Alcobaça, em pleno período de
implantação do Estado Novo (janeiro de 1936) e no sentido supra referido,
referia na primeira página, pela pena do Dr. Manuel A. Pinto, da Nazaré, que abomino as folhas politiqueiras que saiem do
prelo a fungar demónios contra o adversário. Elas são a viva imagem duma
desastrada época de ralhos e descomposturas mútuas, quasi morta, e em que o
País estiolou e ensandeceu. Longe de terem alma de apóstolo, as malditas tem-na
de regateira, carrejão ou galego de esquina, sempre a desentranharem-se em
doestos e grosserias truculentas. Outra é a função dos jornais, sob pena de
serem um mal que corrói e dissolve almas e consciências. Em vez de inocularem
veneno, devem instilar ideias elevadas e sãs, instruindo, educando, doutrinando
e pondo em equação os grandes e pequenos problemas, em ordem a promover o progresso
material e moral duma região ou de um país. Sempre o jornalismo português,
designadamente o da província, me deu a impressão dum repugnante e ascororoso
lavar de roupa suja, dum enorme e nojento soalheiro, de dize tu, direi eu. Por isso o abomino. (…) Por isso simpatizo com o jornal de que V. é
director (…). Meses depois, em Editorial do seu Diretor, escreveu-se que quando como agora, erguemos a voz para
gritarmos a toda a força dos nossos pulmões, a nossa aversão à política, não queremos evidentemente, isso seria
idiotice, combater a imperiosa necessidade da verdadeira e sã política, a arte
difícil de administrar e governar os povos (…). Há política e política. O
que nós combatemos, aquilo que toda a gente com mentalidade deve condenar, é a
nefasta política de café ou barbeiro, vício ruim que enferma a sociedade e que
outra utilidade não tem senão a de servir para justificar a triste ignorância
do grande número e a ebulição de odiosas paixões que conduzem, sempre,
fatalmente, à exaltação de esporádicos movimentos de opinião, perpretação de
crimes e prática de actos e acções na maioria dos casos inconscientes.
Depois
da Guerra surgiu em Alcobaça o semanário O
Alcoa, mais propriamente em 27 de dezembro de 1945, tendo como Diretor, o
Engº. João Maria Sousa Brito, Admnistrador e Editor António A. Ramos, e que era
impresso na Tipografia O Almonda, de Torres Novas, até 1965, altura em que
passou a ser impresso em Alcobaça.
A
partir de 1948, o Pe. Manuel José Vitorino assumiu-se como seu Administrador,
enquanto que o Engº. Sousa Brito passou a acumular as funções de Diretor e
Editor até falecer em 1962.
A partir de Fevereiro de 1964, Tarcísio Trindade assumiu
as funções de Diretor. Embora não fosse um jornal com as características
panfletárias do Voz de Alcobaça ou o Ecos do Alcoa, nem com a independência do
Comarca de Alcobaça, que mesmo assim tinha uma Página Anti-Comunista, O Alcoa era um periódico noticioso, com
correspondentes nas freguesias e uma boa Secção Agrária, conservador assumido, sem
dar espaço à oposição, com um Cantinho da Mulher, alinhado com o regime e a
Igreja. Tinha em cada número uma Secção Religiosa.
Ao
lado do regime, participou num frustrado projeto de constituição de uma
Federação da Imprensa Nacionalista e do seu congresso constitutivo. Numa
reunião preparatória em Lisboa com vista à constituição dessa Federação, Manuel
Múrias, um velho batalhador do
nacionalismo português e Director da mais bem apetrechada trincheira do nosso
jornalismo nacionalista, isto é o Diário da Manhã, apresentou a ideia e
para a sua concretização, pondo à disposição a sua casa em Lisboa, o Diário da Manhã. Por sua vez, Ulisses Cortez, da
Comissão Executiva da UN afirmou, entre muitos aplausos, que a imprensa se encontra no primeiro plano das
preocupações políticas e é de vital importância para o futuro do regime.
O Alcoa, pouco
condescendia com notícias respeitantes à oposição. As campanhas de Quintão
Meireles, contra Craveiro Lopes, tal como a de Delgado, contra Américo Tomás,
não mereceram, nem pequenas notícias, ainda que na perspetiva do regime.
Craveiro
Lopes era incensado pela prolixa e floreada pena do Marquês de Rio Maior, que o
definiu como sendo felicíssima a escolha
e auspiciosa a anuência (do candidato, ao aceitar a escolha). O Marquês de
Rio Maior, escreveu ainda a propósito desta candidatura e com algum lirismo ou
suposta candura que na Roma antiga o
candidato a algum cargo electivo, usava durante o período eleitoral a toga
cândida, branqueada por processo que lhe dava alvura especial. Tinha-a por
único vestido para evitar suspeitas de que trouxesse escondido dinheiro
destinado a subornar eleitores, e mais facilmente pudesse mostrar ao povo as
cicatrizes dos ferimentos em defesa da Pátria. Há quem diga que a alvura da
toga cândida, simbolizava a lealdade do candidato (…).
A
política local era noticiada com exageros e floreados, como o elegante volume em que se acaba de
publicar O Relatório da Câmara Municipal,
ou a notícia da tomada de posse do novo
presidente da Câmara que teve lugar no dia 4 do corrente trouxe à vila de Alcobaça um movimento
intenso, pois vieram representações de todas as freguesias para dar apoio
decidido a quem, na interinidade, soube dar provas de interesse pelas
necessidades locais e estimular iniciativas que levaram à execução de obras de
grande utilidade pública. O povo deste Concelho, provou, assim, por expontânea
deliberação e com sacrifício dos seus afazeres, estar unido com o novo
Presidente da Câmara a dar-lhe toda a colaboração (…). Enquanto as bandas percorreriam as ruas e grandes massas de povo se
deslocavam para os Paços do Concelho, uma numerosa caravana de automóveis
dirigiu-se para os limites do Concelho afim de receber condignamente o Sr.
Governador Civil do Distrito tomando parte nela as autoridades e os elementos
representativos de todas as classes sociais (…).
Não
obstante alguns anos antes, o mesmo O
Alcoa a propósito de Manuel da Silva Carolino, que tanto elogiara durante
os mandatos, escrevia que em vida fora
alvo de dois sentimentos opostos, admiração e antipatia. Se não isento de
defeitos, quem não os tem, manda no entanto o respeito pela verdade reconhecer
que o guiava a dedicação à sua terra e que o nosso concelho muito lhe deve…
No
número de 26 de fevereiro de 1972, assumem respetivamente as funções de diretor
Mário de Campos Vazão, em lugar de Adélio Maranhão (o qual no dizer daquele tinha algumas diferenças de opinião com
Tarcísio Trindade), e editor o Pe. Alexandre Siopa, que rendeu o Cap. Ribeiro
Giraldez, mantendo-se como secretário da redação A. Sousa Coelho, passando de
semanário a quinzenário. Segundo Mário Vazão, assumi a direcção de O Alcoa por convite do Reverendo Padre Alexandre
Siopa, que queria alguém independente para que O Alcoa deixasse de ser o
jornal do Padre, para em conjunto vermos se conseguíamos que o jornal não
acabasse. Não havia dinheiro, havia dívidas na tipografia, não havia móveis,
não havia arquivo, não havia máquinas, havia uma única máquina de escrever,
poucos anunciantes e só alguns pagavam, os assinantes andavam pelos 900 e quase
todos tinham as contas atrasadas.
Segundo
M. Vazão, a situação do jornal era muito crítica e parecia não haver ninguém
que quisesse continuar.
Os poucos colaboradores da altura tinham
resolvido irem-se embora. Com Adélio Maranhão saiu um pequeno grupo de
colaboradores mais directos, uns cinco ou seis, não sei se por solidariedade
política ou por não gostarem da minha pessoa. Comigo nunca falaram. Nós com um
pouco de sorte e muito trabalho, conseguimos equilibrar a situação económica e
relançar O Alcoa e atingir uma tiragem invejável.
O Alcoa, para
sobreviver, não podia desalinhar do regime. Citando Mário Vazão, só se publicava aquilo que eles queriam. O
Alcoa practicamente, e comigo, não teve grandes preocupações com a censura que,
antes de os jornais saírem à rua, eram lidos por pessoas da confiança do
regime, em Leiria, que não deixavam passar nada que fosse contra o regime, e
também descrições de crimes violentos, suicídios, pornografia ou ideologia
comunista. Como sabíamos o que a casa gastava tínhamos que ter cuidado com o
que se enviava para publicação pois um corte pela censura, ocasionava-nos
percas de tempo, despesas e atrasos.
Em Abril de 1971, Tarcísio
Trindade, fez surgir o Jornal de Alcobaça.
Aparentemente,
pareceu ser uma dissidência de O Alcoa,
dadas as semelhanças do estilo e paginação. Mas em breve se revelou como o
jornal de propaganda do Diretor, Editor e Proprietário, etc. etc., dando todo o
destaque às suas iniciativas camarárias, num mais que evidente culto da
personalidade (embora não muito truculentamente), salvo esporádicas e
personalizadas questões ou momentos. Beneficiava de publicidade institucional,
nomeadamente municipal, bem como da de entidades privadas com interesses no
município. O chefe da redação, era José Luís Machado, que também colaborara com
O Alcoa, tendo um corpo de
colaboradores/redatores reduzido, mas onde se destacava o Juiz Silvino
Vila-Nova.
Em novembro desse
ano, Trindade foi buscar a O Alcoa,
António Sousa Coelho para Administrador, o qual também escrevia de vez em quando.
Cumpre registar que desde junho, o Arq.
Manuel da Bernarda (que viria a ser vereador municipal no período final do
marcelismo), assumira as funções de Editor, que irá manter até ao 25 de abril,
substituído por António de Sousa Coelho.
Para além da
diferença de propósitos com O Alcoa,
que era um jornal de feição conservadora e católica, o Jornal de Alcobaça, assumia-se como um defensor do Presidente da Câmara, do marcelismo, arauto de uma pretensa
abertura do regime e das personalidades que lhe eram afetas. Com o fim do
marcelismo e um ano após o 25 de abril, o jornal deixou de ter espaço e
encerrou a publicação.
Registe-se que este
título, não era de todo original, porquanto no fim da I República e durante uns
breves três anos, publicou-se na vila, um periódico republicano com o mesmo
nome, cujo Diretor, Editor e Proprietário foi Horácio da Silva Eliseu.
Pouco
antes do golpe militar de 28 de maio de 1926, chegou a publicar-se (efemeramente
e meia dúzia de números que ofereci à Biblioteca Municipal), o jornal A Voz dos Montes. Tratava-se de um periódico alegadamente de propaganda (republicana) regionalista e defensor dos interesses dos
Montes, cujo diretor era Joaquim Gomes Loureiro e tendo como redatores
principais José Libertador Monteiro da Silva e Aurélio Chagas Franco.
Nele
chegou a colaborar o conhecido advogado lisboeta, Fernando Mayer Garção. Era
propriedade de Os Amigos dos Montes,
vendia-se avulso a 50 ctv. e era impresso
em Lisboa, onde funcionava a redação.
Com
pequena expressão também e pela mesma altura, publicou-se o Eco de S. Martinho, fundado por Dr. José
Rodrigues de Matos e Henrique d’Almeida do Carmo, destacando-se, do respetivo
corpo editorial, o Dr. José Pedro de Saldanha (Marquês de Rio Maior) e José
Júlio Lopes de Oliveira.
Era um
jornal, alegadamente, independente (conservador
e de direita) e de propaganda regional, mas
que passou logo a apoiar o novo regime militar, saído do golpe de 28 de maio.
Em 5
de outubro de 1930, publicou-se em Alcobaça, A Bandeira da República, jornal de oito páginas, com um número único comemorativo da gloriosa
Revolução de 5 de Outubro de 1910, editado a expensas do Povo Republicano de
Alcobaça.
Foram
responsáveis por este único número (que ofereci à Biblioteca Municipal), cujo
custo era de um escudo, Tomás Alves Trindade (Diretor), João Neves Vasco
(Editor) e Fernando Afonso Ramos (Redator).
A redação
encontrava-se sedeada na Praça D. Afonso Henriques, e de acordo com uma Nota da
Redação este número único (que teve
de passar pela Censura em Leiria), é
essencialmente doutrinário e comemorativo, nele se faz a apologia duma Idêa e a
comemoração duma data. Nem um só ataque pessoal, apenas a defesa duma causa que
consideramos justa. Julgamos estar no nosso direito e cumprir o nosso dever.
Pretendemos que, tomando esta iniciativa – inspirados no meio republicano local
– seja levada a efeito na máxima legalidade. Não somos jornalistas. Não temos
vocação, nem habilitações necessárias. Somos apenas Idealistas, que nada
supõem, nada propõem: expõem… Que nos relevem todos os nossos leitores
quaisquer deficiências, dada a nossa inexperiência e a pressa com que isto foi
feito.
Se não
havia imprensa livre, paredes não faltavam em Alcobaça e no País que sempre
foram o local mais livre de censura ou peias, onde se pode escrever, a cloreto
de potássio, o ajustado à divulgação de mensagens úteis, inúteis ou mesmo fúteis,
que tanto podem ir da publicidade, como ao politicamente incorreto ou não. A
sua visibilidade tornou-as (como que revitalizadas no PREC), um excelente alvo
de propaganda e crítica subversiva.
Escrever
nas paredes tinha reais riscos, pois um Abaixo
o Fascismo, Queremos Pão, Liberdade e
Democracia, podia custar uma ida para Caxias.
Há
mais de um século, Guerra Junqueiro, republicano, traçou um sibilino retrato
que durante anos, não viu a luz do dia: (…) Um
povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo,
burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes
de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, energia de um coice, pois
que já nem com as orelhas é capaz de sacudir as moscas (…)
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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