NOS TEMPOS DO PREC.
DE QUE LADO NÃO ESTAVA O POVO.
SAUDADES DE VELHOS MILITANTES DO PPD/ALCOBAÇA.
Fleming de Oliveira
A história e o significado das primeiras eleições livres
(25 de Abril de 1975) em 48 anos, confundem-se com o tempo vivido após o 11 de
março, uma fase do processo que mais tarde será atacada e defendida em termos
que refletem tentativas de reinterpretar, reescrever ou fixar a história.
Caracterizada como já inserida na escalada totalitária, redimida em 25 de
novembro, ou como o tempo da autêntica revolução proletária, durante a qual as
massas tomaram a condução do processo, resta a ideia força da nacionalização
dos setores básicos da economia, a banca, os seguros, a ocupação de casas
devolutas e inacabadas, os milhares de hectares no Ribatejo, Alentejo e a
inconsciente autogestão.
Portugal lembrava, no dizer pitoresco de alguém, um “jardim zoológico visitado por perplexos
jovens estrangeiros da Europa capitalista, a medir a temperatura da revolução”.
A partir das eleições de 25 de Abril para a Assembleia
Constituinte, o vento tentou mudar e a legitimidade revolucionária cedeu o
passo à legitimidade das urnas, embora a contragosto do Conselho da Revolução,
de Cunhal, da UDP e companhia.
A questão fulcral era saber de que lado está(va) o Povo,
uma entidade tão abstrata, quanto intangível. Se existiu, indubitavelmente,
Povo nas violentas e despudoradas ocupações de propriedades, nas
nacionalizações, nas manifestações de rua, o único critério para aferir, de
forma objetiva e democrática, de que lado está o Povo, só se encontra nas
eleições. E as eleições para a Constituinte, que tiveram uma afluência popular
única e irrepetível, mostraram claramente, “de
que lado o Povo não estava”.
O PPD ganhou novo ânimo e força. Para quem contestou as
eleições, ainda que participando nelas com o alegado objetivo de as denunciar
ou não perder o comboio, e para os militares que defendiam teses idênticas, era
o tempo do início da derrota do PREC, que irá culminar a 25 de novembro.
Eram tempos alucinantes, em que parecia não haver
certezas, nem verdades.
Não é exagero dizer que, em Alcobaça, havia muita gente
que tinha os olhos postos no PPD local, que odiava ou confiava nos seus
dirigentes, ainda que pouco experientes, que recebiam com frequência ameaças
por telefones anónimos ou cartas. A sede do PPD estava à noite sempre aberta e
por lá desfilavam muitos, cujo comprometimento formal com o partido não era
pedido, nem necessário.
Era útil, pois, traziam as novas que depois eram
analisadas, canalizadas para Leiria ou Lisboa e se necessário vinham para a
rua. Quem eram?
À distância, podem reconhecer-se pessoas que discordavam
de Salazar ou de Caetano, mas que não militavam na praça pública ou numa organização
de esquerda, uma pequena e média burguesia urbana e principalmente rural, a
priori anticomunista, dos Montes, Ataíja, Vimeiro, Cela, Casal Velho, Turquel
ou Évora de Alcobaça, que se tornou expansiva e reivindicativa, quando
desapareceram as barreiras à censura, à liberdade de expressão.
Já falei de alguns companheiros da primeira hora do PPD.
Corro o risco de esquecer muitos mais, tão valorosos quanto esses. Dando uma
volta pelo Concelho, recordo com saudade na Maiorga, o Henrique Casimiro Guerra
e o José Eduardo André, em Alcobaça, o Mário Tanqueiro, o Eduardo Marques “Chabita”, o António Chaves Ferreira, o
Augusto Simões e o Carvalho Lino, nos Montes, o José Acácio dos Santos, o
Firmino Franco e o António Malhó, na Benedita, o José Serralheiro, na Cela, o
Rui Paulino, em Évora de Alcobaça, o Joaquim Carneiro.
Era gente que se identificava ou se reconhecia pelo amor
à Terra ou à sua terra, que bebia o vinho do pipo, trabalhava sem fazer contas
ao labor, desprovida de segurança social e com péssima assistência na doença,
sabia o que é ter o suor no rosto, usava cabeça coberta com boné (mesmo debaixo
de telha) e orgulhosamente mostrava as mãos calejadas do uso de uma enxada ou
arado. Talvez por isso, em face da ameaça à sua cultura, enfileiravam no PPD,
sem pedir mais nada em troca, que a solidariedade, nem à espera de chamamento.
A adesão ao PPD, em termos de filiação, em 1974 e 1975
era grande.
Inscrevia-se muita gente, normalmente após as sessões de
esclarecimento, para onde se levavam sempre os respetivos impressos, de tal
maneira que ainda hoje, há filiados, que vem desses tempos. Mas nem todos os
que se queriam inscrever eram aceites. Já em junho de 1974, altura em que o PPD
era pouco mais que um embrião, houve necessidade de definir algumas regras,
tendo-se para isso publicado na imprensa que,
“Considerando que
frequentemente têm vindo a lume, nos órgãos de informação, diversas notícias
referindo pessoas como tendo aderido ao Partido Popular Democrático, sem que
tal corresponda à verdade, cumpre tornar público que:
1)-A adesão ao PPD depende da decisão nesse
sentido da respetiva Comissão de Admissão;
2)-Consequentemente, qualquer informação no
sentido acima referido, só poderá considerar-se fidedigna quando prestada
através dos órgãos competentes do Partido”.
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