segunda-feira, 28 de abril de 2014

UMA ALCOLBACENSE PROFESSORA PRMÁRIA DO ANTIGAMENTE, “GIRA” E AFÁVEL. PIEDADE NETO.

 

UMA ALCOBACENSE PROFESSORA PRIMÁRIA DO ANTIGAMENTE, “GIRA” E AFÁVEL.
PIEDADE NETO.


Fleming de Oliveira


Piedade Neto, define-se como pessoa corajosa, afável, “amiga do meu amigo”, de convicções claras pelas quais luta, sendo capaz de fazer frente aquilo com que não concorda “e até já sofri na pele por causa disso”, não se deixa abater com facilidade e vai à luta, “sou progressista, porque o mundo evolui, mas há aspetos que considero intemporais e de que não abdico. Nunca me filiei em partidos políticos, embora tenha tido convites, pois não aprecio a disciplina partidária, gosto de pensar pela minha cabeça”.
Reformada do exercício do ensino básico, faz uma vida social intensa, colaborando há anos na rádio local, inicialmente com um programa infantil, depois de música clássica e atualmente na área do jornalismo, político, económico e social.
Avó, gostaria segundo me disse de poder dedicar mais tempo ao neto, mas não sendo apreciadora de cozinha e de atividades domésticas, no mais, é uma normal dona de casa.
Começou a trabalhar em 1972 no então chamado ensino primário, colocada na Maiorga, numa época em que no setor tudo era diferente. Era uma professora “gira” e sem dúvida, transmitia uma lufada de ar fresco, na forma de se relacionar com os meninos.

Há quase quarenta anos, era assim uma sala de aula de Escola Primária. À direita na parede do fundo, a fotografia do Presidente da República, Alm. Américo Tomás. Ao centro, o crucifixo e o quadro preto de ardósia. Nesta imagem, já falta Salazar, substituído em 1968 por Caetano.

Piedade Neto tinha uma relação informal com os seus meninos, capacidade de comunicação, mas sabia delimitar os espaços.
Um antigo aluno, aliás como muitos que sempre que a encontram cumprimentam-na muito saudosa e afavelmente, conta que uma vez estava toda a gente na brincadeira e em algazarra, quando ela entrou e pediu silêncio. Sem obter resultado, à terceira, pegou numa pasta que trazia consigo, levou-a à altura da cabeça e deixou-a cair sobre a secretária. Os miúdos estremeceram com o barulho, calaram-se e “quando olhei para ela, estava a rir-se da nossa reação”.
O mesmo ex-aluno, acrescenta que “sabia dar um berro para impor a ordem”.
Neste aspeto, não era caso único. Havia casos de outros professores, com carisma, boa capacidade de se entenderem com os alunos mais fracos e de controlar os mais inquietos, que por vezes apenas com a presença, uma graça ou algo inesperado, conseguia dobrar.
“Os malandrecos tinham respeito pela autoridade natural da prof. Piedade e batiam baixinho a bola”.

Em Alenquer, a profª. Margarida Matias, também reformada, conta que um dia teve de castigar um rapaz mal comportado.
“Agora vais ficar aqui, até limpares e arrumares a porcaria (papeis no chão e riscos na secretária) que fizeste”.
Como o garoto tivesse começado a choramingar, a professora disse-lhe que “fizeste esta bagunça toda, mas não é preciso ficar assim”. E o aluno, “é que assim perco o treino de andebol e não posso jogar no sábado”. Então acalmou-o, “acaba depressa o que tens de fazer, que eu levo-te de carro ao treino. Onde é?”

Os programas escolares do ensino primário traduziam princípios e práticas ancestrais, a que não era estranha a trilogia Deus, a aceitação da pobreza, a humildade, o Céu e o Inferno, Pátria, o nacionalismo, a fundação da nacionalidade, o espírito patriótico, a gesta dos descobrimentos e o Grande Império uno e indivisível do Minho a Timor, o respeito incondicional aos chefes, e Família, a predominância do Chefe da Família e a capitis diminutio da mulher.
Com o 25 de Abril, a rutura não foi imediata, mas atordoou os professores, que se viram empurrados para atitudes, antes impensáveis, e com as quais Piedade Neto, nem sempre se identificava.
“Todavia, a pressão politica e social desenvolvida por alguns grupos minoritários era muito forte, o que criava constrangimentos, desde logo pela imputação de comportamentos alegadamente retrógrados ou fascizantes, incompatíveis com os novos tempos e a nova alvorada”.

Isto, ao fim de algum tempo, alterou o tipo de relações entre o professor e alunos, pois que eram tidas como desajustadas conotações com a religião e certas práticas sociais de boa civilidade, como fascistas ou fascizantes.
Os programas iam sendo revistos, com destaque para a componente de história, onde foi patente o branqueamento ou reescrever de alguns episódios. Os professores, tinham de ser objeto de apressada atualização/formação, por parte do MDP/CDE e Ministério da Educação, que os convocavam para debater, no coletivo, os novos problemas adequados à época. Mestres como Camões, foram desvalorizados, dando lugar a outros, ainda que não portugueses, mas de pensamento progressista, tais como Agostinho Neto e Amílcar Cabral, referências do movimento de libertação da opressão do colonialismo português e agora da cultura portuguesa…
A iniciação musical, tinha por base modinhas tradicionais que Piedade Neto cultivava, amorosamente, com os meninos, mas que começaram a ser arredadas, para dar lugar a temas, como a célebre Gaivota, de Ermelinda Duarte, repetida ad nauseam na rádio.

Uma das primeiras iniciativas revolucionárias, que teve de aceitar na escola, foi a abolição do uso da bata. Os alunos, meninas e meninos, usavam bata, tal como os professores, o que era aceite naturalmente pois, “na minha opinião, esta prática tinha sentido, pois que para além de ser higiénica, criava menos desigualdades”.
Como cidadã (“o 25 de Abril entusiasmou-me, criou-me expectativas. A alegria era contagiante, e era impossível fugir a essa onda. Ainda hoje considero o 25 de Abril, na sua essência, uma das mais bonitas datas da nossa História” ), deu-lhe novas perspetivas, nomeadamente no que diz respeito à situação da mulher na sociedade e no trabalho.
No ensino secundário, aconteceram pois grandes mudanças, fruto de novos ideais. Os professores mais antigos e com referências eram por alguns colegas considerados fascistas e retrógrados, porque representavam um sistema se queria banir.
O marido de Piedade Neto, foi professor na Escola Secundária de Alcobaça, atualmente Dona Inês de Castro, e não sendo alinhado com os excessos de alguns colegas, a correspondência que lhe era dirigida e entregue trouxe, uma vez, uma cruz suástica desenhada no envelope.

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