MÚSICA EM ALCOBAÇA NO TEMPO DO PREC.
ZECA AFONSO, OS ESPANHÓIS “AGUAVIVA” E OUTROS.
Fleming de Oliveira
Portugal viveu no PREC dias conturbados, mas onde a
música acabaria por não desempenhar papel muito duradouro.
Num período que se manteve quase inalterado, o facto de
os mais reputados agrupamentos portugueses do pop/rock verem o seu papel
limitado, em termos de espetáculos ao vivo a atuações em bailes de finalistas (segundo
José Alberto Vasco) “Alcobaça teve, em
1975, aquele que terá sido o seu melhor baile na Escola Secundária, com a
atuação da banda portuense Smoog, que incluía António Pinho Vargas e Miguel
Graça Moura nos teclados, o baixista Alberto Abreu e o baterista Álvaro
Azevedo. Na primeira parte do espetáculo, atuou uma das bandas que marcou a
época em Alcobaça, na área pop/rock, Os Jamha, da Maiorga”.
Nesse campo, será de recordar os vestiarienses “Solredo”, que atingiram alguma relevância
local embora de curta duração, e a sua atividade se centrasse mais na
participação em eventos de cariz popular, como festas de aldeia e afins, o
papel em 1971, do I Concurso de Música Pop de Alcobaça, apresentado no
Cineteatro, pedrada no charco da monotonia local, a exemplo do que foi, no
mesmo ano, a nível nacional, a primeira edição do Festival de Vilar dos
Mouros.
Em 7 de junho de 1975, assistiu-se ao I Ciclo de Música
de Alcobaça, cuja importância poderia ter sido marcante noutros contexto e
objetivo.
Nessa noite, atuou o conhecido agrupamento espanhol
Aguaviva, no Pavilhão Gimnodesportivo.
O Aguaviva foi um agrupamento fundado no início da
década, que sob a direção e produção do cantor e compositor Manolo Diaz, se
dedicava a composições, em que se aliavam a música popular rural, especialmente
andaluza, e a música popular urbana, utilizando poetas como Blas de Otero e
Garcia Lorca. Um dos elementos do grupo dinamizador da iniciativa (cujo nome
não apurei), deu conta ao esquerdista “Voz de Alcobaça”, dos objetivos
pedagógicos que se pretendiam atingir com a presença deste grupo e iniciativas.
“(…) Fazendo a
música parte integrante do espírito popular e havendo em Alcobaça raízes de
tradições musicais, um grupo interessado em arrancar esta terra ao seu
adormecido de largos anos, está tentando realizar nesta vila um ciclo de musica
que responda às necessidades atuais. A arte deve estar ao serviço do povo e
deixar os seus restritos círculos de elite”.
“(…) Também tem de
se consciencializar das suas necessidades e participar, pois que poderemos ter
grandes espetáculos que se o povo não aderir, não participar, não comparecer,
os artistas não poderão transmitir a sua mensagem. Ao tentarmos organizar este
Ciclo preocuparam-nos questões como: Música para quem? De quem? Em Alcobaça há
um ano a música servia interesses comerciais, sendo a que normalmente chegava
ao povo e sobretudo aos jovens, música alienante, que nada dizia. Havia, sem
duvida, música não abastardada e música com uma mensagem a transmitir, mas nem
uma, nem outra cumpriam a sua missão, pois que uma estava encerrada em grupos
restritos de privilegiados e a outra impedida de chegar ao povo que, sem dúvida
a saberia entender. Era necessário que o povo não pensasse. (…)”
Os espetáculos, redundaram num enorme fracasso de
bilheteira, pois apesar da propaganda feita pelos organizadores, o público não
correspondeu.
A assistência, maioritariamente composta por pessoas de
fora, apenas chegou para preencher alguns lugares da bancada central do
pavilhão.
José Alberto Vasco evocou-me uma sessão da LUAR,
realizada num dos salões da ala norte do Mosteiro, com a presença de Palma
Inácio e Camilo Mortágua, e ainda o advogado radical Pessanha Gonçalves, que a
organizou.
Esteve presente José (Zeca) Afonso (aliás tinha sido professor liceal em Alcobaça), que
cantou algumas canções, começando por “Venham
Mais Cinco” e encerrando com o inevitável “Grândola Vila Morena”, entoado em pelos cerca de 50 presentes.
Ainda nesse ano, Alcobaça colheria alguns sopros do
vento que agitava o país, tendo Ermelinda Duarte, intérprete de “Uma Gaivota, Voava, Voava”, e José
Viana, ator de revista, atuado nas comemorações locais do 1º de maio.
Esse espetáculo do Dia do Trabalhador, foi concluído com
a estreia da Orquestra Típica da Maiorga, sob a direção do maestro Ricardo
Cunha.
Em 1 de junho de 1975, o público alcobacense teve a
oportunidade de assistir a um concerto do Ensemble Convivium Musicum, que,
incluindo no seu elenco o tenor alcobacense Fernando Serafim, bem como a
compositora e pianista Constança Capdeville, inseriu no repertório composições
de Luís de Freitas Branco, Cláudio Carneyro e Lopes-Graça (Canções Heroicas).
A 10 de julho, o Ballet Gulbenkian apresentou-se no
Cine-Teatro de Alcobaça e a 25 atuou no Mosteiro de Alcobaça, os Petits
Chanteurs de Paris, ambos com muito agrado e boa afluência, como recorda Fleming
de Oliveira que antigo intérprete de um grupo coral esteve presente neste
último.
Sobre José Afonso, e a música antes e depois de abril,
José Alberto Vasco é autor de alguns apontamentos.
Entre os discos editados em Portugal nos primeiros meses
após o 25 de Abril, um muito esperado foi o primeiro LP de José Afonso. Com uma
vida marcada pela luta contra o regime de Salazar e Caetano, José Afonso era um
símbolo vivo da resistência contra o regime, vindo a ser também da Revolução.
Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas, José Afonso exerceu o
professorado em várias localidades, entre as quais Alcobaça, acabando por ser
expulso do ensino oficial em 1968, por motivos políticos. A sua carreira
artística iniciou-se no final da década de 1940, quando frequentava o 6º Ano
liceal, começando por cantar em serenatas e outras deambulações boémias e
académicas. Fez parte do Orfeon Académico, com o qual ainda gravou um disco,
dedicou-se ao Fado de Coimbra, evoluindo posteriormente para a balada e daí para
a canção de intervenção.
“Coro dos Tribunais” foi o título do primeiro disco editado por José Afonso
após o 25 de abril, gravado em Londres, durante os meses de novembro e dezembro
de 1974, com arranjos e direção musical de Fausto. Nessa produção, José Afonso
voltava a enveredar pelo surrealismo, opção artística iniciada em 1971, no
álbum “Cantigas do maio”, e
aprofundada dois anos mais tarde em “Venham
Mais Cinco”, atitude que lhe mereceu mordazes críticas de setores mais
puristas e conservadores da música popular urbana. “Tenho Um Primo Convexo” é, segundo José Alberto Vasco “um dos mais preciosos temas” incluídos
por José Afonso em “Coro dos Tribunais”,
sendo marcado pela opção estética surrealista e pelo facto de os seus primeiros
4 compassos serem baseados num tema musical de Phototi.
José Afonso e a sua arte são (passe a vulgaridade do
comentário) indissociáveis do “Espírito
de abril”.
“Grândola Vila
Morena”, foi uma canção
gravada em França, em 1971, editada no ano seguinte, integrando o álbum “Cantigas do maio”, ainda hoje por alguns
considerado um dos melhores discos da música popular portuguesa, realizados até
então. Nesse disco (de acordo com José Alberto Vasco), José Afonso começou a
enveredar por uma instrumentação conotada com a pop e pelo surrealismo no
respeitante às letras, revelando preocupação e cuidado na pesquisa e
manipulação de temas tradicionais, construída a partir de um refrão popular e
beneficiada por um arranjo musical de José Mário Branco, que conhecera dois
anos antes, em Paris.
Paulo de Carvalho também figura da Revolução de abril,
dado que “E Depois do Adeus”, foi a
senha utilizada aos microfones dos EAL-Emissores Associados de Lisboa, para o
início das operações do MFA.
O tema foi gravado e editado em 1970, quando Paulo de
Carvalho iniciou a carreira a solo, depois de ter passado como baterista e
vocalista de agrupamentos, como os Sheiks, o Thilo’s Combo e o Fluído,
chamava-se “Waiting For The Bus” e é
a face B de um single, em que Paulo de Carvalho cantava, em inglês, temas de
autoria do espanhol Manolo Diaz, uma trave-mestra do espanhol “Aguaviva”.
A melancolia da canção é, segundo o referido crítico, um
retrato marcante do ambiente tristonho que se vivia no país, numa época em que
além da ditadura e da repressão política e social, se encontrava forçado a
viver praticamente isolado do mundo. Em “Waiting
For The Bus”, um amargurado Paulo de Carvalho espera sombriamente por um
autocarro e por uma vida melhor...
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