quarta-feira, 30 de abril de 2014

MÚSICA EM ALCOBAÇA NO TEMPO DO PREC. ZECA AFONSO, OS ESPANHÓIS “AGUAVIVA” E OUTROS.


 
MÚSICA EM ALCOBAÇA NO TEMPO DO PREC.
ZECA AFONSO, OS ESPANHÓIS “AGUAVIVA” E OUTROS.

Fleming de Oliveira

Portugal viveu no PREC dias conturbados, mas onde a música acabaria por não desempenhar papel muito duradouro.
Num período que se manteve quase inalterado, o facto de os mais reputados agrupamentos portugueses do pop/rock verem o seu papel limitado, em termos de espetáculos ao vivo a atuações em bailes de finalistas (segundo José Alberto Vasco) “Alcobaça teve, em 1975, aquele que terá sido o seu melhor baile na Escola Secundária, com a atuação da banda portuense Smoog, que incluía António Pinho Vargas e Miguel Graça Moura nos teclados, o baixista Alberto Abreu e o baterista Álvaro Azevedo. Na primeira parte do espetáculo, atuou uma das bandas que marcou a época em Alcobaça, na área pop/rock, Os Jamha, da Maiorga”.

Nesse campo, será de recordar os vestiarienses  “Solredo”, que atingiram alguma relevância local embora de curta duração, e a sua atividade se centrasse mais na participação em eventos de cariz popular, como festas de aldeia e afins, o papel em 1971, do I Concurso de Música Pop de Alcobaça, apresentado no Cineteatro, pedrada no charco da monotonia local, a exemplo do que foi, no mesmo ano, a nível nacional, a primeira edição do Festival de Vilar dos Mouros. 

Em 7 de junho de 1975, assistiu-se ao I Ciclo de Música de Alcobaça, cuja importância poderia ter sido marcante noutros contexto e objetivo.
Nessa noite, atuou o conhecido agrupamento espanhol Aguaviva, no Pavilhão Gimnodesportivo.
O Aguaviva foi um agrupamento fundado no início da década, que sob a direção e produção do cantor e compositor Manolo Diaz, se dedicava a composições, em que se aliavam a música popular rural, especialmente andaluza, e a música popular urbana, utilizando poetas como Blas de Otero e Garcia Lorca. Um dos elementos do grupo dinamizador da iniciativa (cujo nome não apurei), deu conta ao esquerdista “Voz de Alcobaça”, dos objetivos pedagógicos que se pretendiam atingir com a presença deste grupo e iniciativas.
“(…) Fazendo a música parte integrante do espírito popular e havendo em Alcobaça raízes de tradições musicais, um grupo interessado em arrancar esta terra ao seu adormecido de largos anos, está tentando realizar nesta vila um ciclo de musica que responda às necessidades atuais. A arte deve estar ao serviço do povo e deixar os seus restritos círculos de elite”.
“(…) Também tem de se consciencializar das suas necessidades e participar, pois que poderemos ter grandes espetáculos que se o povo não aderir, não participar, não comparecer, os artistas não poderão transmitir a sua mensagem. Ao tentarmos organizar este Ciclo preocuparam-nos questões como: Música para quem? De quem? Em Alcobaça há um ano a música servia interesses comerciais, sendo a que normalmente chegava ao povo e sobretudo aos jovens, música alienante, que nada dizia. Havia, sem duvida, música não abastardada e música com uma mensagem a transmitir, mas nem uma, nem outra cumpriam a sua missão, pois que uma estava encerrada em grupos restritos de privilegiados e a outra impedida de chegar ao povo que, sem dúvida a saberia entender. Era necessário que o povo não pensasse. (…)”
Os espetáculos, redundaram num enorme fracasso de bilheteira, pois apesar da propaganda feita pelos organizadores, o público não correspondeu.
A assistência, maioritariamente composta por pessoas de fora, apenas chegou para preencher alguns lugares da bancada central do pavilhão.

José Alberto Vasco evocou-me uma sessão da LUAR, realizada num dos salões da ala norte do Mosteiro, com a presença de Palma Inácio e Camilo Mortágua, e ainda o advogado radical Pessanha Gonçalves, que a organizou.
Esteve presente José (Zeca) Afonso (aliás tinha sido professor liceal em Alcobaça), que cantou algumas canções, começando por “Venham Mais Cinco” e encerrando com o inevitável “Grândola Vila Morena”, entoado em pelos cerca de 50 presentes.

Ainda nesse ano, Alcobaça colheria alguns sopros do vento que agitava o país, tendo Ermelinda Duarte, intérprete de “Uma Gaivota, Voava, Voava”, e José Viana, ator de revista, atuado nas comemorações locais do 1º de maio.
Esse espetáculo do Dia do Trabalhador, foi concluído com a estreia da Orquestra Típica da Maiorga, sob a direção do maestro Ricardo Cunha.
Em 1 de junho de 1975, o público alcobacense teve a oportunidade de assistir a um concerto do Ensemble Convivium Musicum, que, incluindo no seu elenco o tenor alcobacense Fernando Serafim, bem como a compositora e pianista Constança Capdeville, inseriu no repertório composições de Luís de Freitas Branco, Cláudio Carneyro e Lopes-Graça (Canções Heroicas).
A 10 de julho, o Ballet Gulbenkian apresentou-se no Cine-Teatro de Alcobaça e a 25 atuou no Mosteiro de Alcobaça, os Petits Chanteurs de Paris, ambos com muito agrado e boa afluência, como recorda Fleming de Oliveira que antigo intérprete de um grupo coral esteve presente neste último.

Sobre José Afonso, e a música antes e depois de abril, José Alberto Vasco é autor de alguns apontamentos.
Entre os discos editados em Portugal nos primeiros meses após o 25 de Abril, um muito esperado foi o primeiro LP de José Afonso. Com uma vida marcada pela luta contra o regime de Salazar e Caetano, José Afonso era um símbolo vivo da resistência contra o regime, vindo a ser também da Revolução. Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas, José Afonso exerceu o professorado em várias localidades, entre as quais Alcobaça, acabando por ser expulso do ensino oficial em 1968, por motivos políticos. A sua carreira artística iniciou-se no final da década de 1940, quando frequentava o 6º Ano liceal, começando por cantar em serenatas e outras deambulações boémias e académicas. Fez parte do Orfeon Académico, com o qual ainda gravou um disco, dedicou-se ao Fado de Coimbra, evoluindo posteriormente para a balada e daí para a canção de intervenção.
“Coro dos Tribunais” foi o título do primeiro disco editado por José Afonso após o 25 de abril, gravado em Londres, durante os meses de novembro e dezembro de 1974, com arranjos e direção musical de Fausto. Nessa produção, José Afonso voltava a enveredar pelo surrealismo, opção artística iniciada em 1971, no álbum “Cantigas do maio”, e aprofundada dois anos mais tarde em “Venham Mais Cinco”, atitude que lhe mereceu mordazes críticas de setores mais puristas e conservadores da música popular urbana. “Tenho Um Primo Convexo” é, segundo José Alberto Vasco “um dos mais preciosos temas” incluídos por José Afonso em “Coro dos Tribunais”, sendo marcado pela opção estética surrealista e pelo facto de os seus primeiros 4 compassos serem baseados num tema musical de Phototi.

José Afonso e a sua arte são (passe a vulgaridade do comentário) indissociáveis do “Espírito de abril”.
“Grândola Vila Morena”, foi uma canção gravada em França, em 1971, editada no ano seguinte, integrando o álbum “Cantigas do maio”, ainda hoje por alguns considerado um dos melhores discos da música popular portuguesa, realizados até então. Nesse disco (de acordo com José Alberto Vasco), José Afonso começou a enveredar por uma instrumentação conotada com a pop e pelo surrealismo no respeitante às letras, revelando preocupação e cuidado na pesquisa e manipulação de temas tradicionais, construída a partir de um refrão popular e beneficiada por um arranjo musical de José Mário Branco, que conhecera dois anos antes, em Paris.
Paulo de Carvalho também figura da Revolução de abril, dado que “E Depois do Adeus”, foi a senha utilizada aos microfones dos EAL-Emissores Associados de Lisboa, para o início das operações do MFA.
O tema foi gravado e editado em 1970, quando Paulo de Carvalho iniciou a carreira a solo, depois de ter passado como baterista e vocalista de agrupamentos, como os Sheiks, o Thilo’s Combo e o Fluído, chamava-se “Waiting For The Bus” e é a face B de um single, em que Paulo de Carvalho cantava, em inglês, temas de autoria do espanhol Manolo Diaz, uma trave-mestra do espanhol “Aguaviva”.
A melancolia da canção é, segundo o referido crítico, um retrato marcante do ambiente tristonho que se vivia no país, numa época em que além da ditadura e da repressão política e social, se encontrava forçado a viver praticamente isolado do mundo. Em “Waiting For The Bus”, um amargurado Paulo de Carvalho espera sombriamente por um autocarro e por uma vida melhor...



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