MOVIMENTAÇÕES POPULARES ANTI COMUNISTAS PELO PAÍS.
CALDAS DA RAINHA, LEIRIA, RIO MAIOR, BATALHA, PORTO DE
MÓS COM OS VALENTES COMPANHEIROS DE MONTES-ALCOBAÇA.
Fleming de Oliveira
Em comunicado distribuído em Alcobaça, o PPD convidava
os seus militantes e simpatizantes a comparecerem e a incorporarem-se, ao
princípio da tarde de 21 de julho, no funeral do comerciante António Ramalho
Júnior, que morreu em consequência de ferimentos contraídos durante uma
discussão em que se envolveu por razões partidárias.
O PPD de Alcobaça fez-se representar por uma delegação
composta por Fleming de Oliveira, Silva Carvalho, Firmino Franco e Carvalho
Lino, tendo apresentado condolências aos companheiros da Concelhia de Caldas da
Rainha. O Ramalho, incitava a população de Caldas da Rainha a tomar de assalto
a sede do PC, quando Mário Fernandes de Sousa, também comerciante, após uma
breve troca de palavras, o esfaqueou no peito, com uma faca de ponta e mola.
Dizia-se que o homicida era militante do PC e a vítima adepto do PPD.
Nesse dia, cerca de 10.000 pessoas assistiram em Leiria
a um comício do PPD, enquanto que a sede do PC era guardada por militares
armados.
Após a intervenção de vários oradores, entre os quais
Ferreira Júnior e Oliveira Dias, que criticaram as opções do MFA, sob o slogan
“socialismo sim, ditadura não”, “isto é do povo não é de Moscovo”, “Cunhal para a Sibéria”, foi aprovada uma
moção para ser entregue ao MFA, na qual o PPD exigia a constituição de um
governo que garanta o exercício das liberdades e da democracia, a imediata
remodelação dos meios de informação
(transformando-os em órgãos nacionais, isentos e imparciais), medidas de
respeito e dignificação da Assembleia Constituinte, a destituição das Câmaras e
Juntas arbitrariamente constituídas e a instauração de novos corpos
administrativos em eleições que constituam a vontade do povo.
Na tarde de 13 de julho, cerca de 200 pessoas, “a mando de caciques locais”, assaltaram as sedes do PC e FSP, de Rio Maior, de
onde resultaram cinco feridos, todos do PC.
Quando souberam que estavam a decorrer estes
acontecimentos, Américo Malhó e Jorge Mateus, foram dos Montes ver o que se
passava. Sempre que possível, não perdiam uma oportunidade, até diziam que “já estavam a ganhar-lhe o gosto” e
podiam dizer que tinham cicatrizes feitas nas trincheiras partidárias.
Antes de chegarem à entrada da vila, depararam com um
grupo de soldados um dos quais os mandou parar, sair do carro e abrir a mala
para ver o que continha. Américo Malhó disse que a não abria, tanto mais que o
carro que conduzia, um Peugeot, não era seu, mas do amigo e conterrâneo Jorge
Mateus. O soldado com ar irado e ameaçador, disse-lhes que ou a abriam ou lhes
dava um tiro. Como Américo Malhó e o Jorge Mateus continuavam a nada fazer,
diziam para o militar, “abre-a tu se
quiseres”, o soldado tentou abrir a mala, para o que colocou a arma ao
ombro. Américo Malhó, saído à pouco da PM, com toda a facilidade, sacou-a e
disse ao soldado “então diz lá agora,
quem é que dá um tiro?” Depois de terem sacado a arma, meteram no carro o
pobre diabo que mudo e calado nem protestava, e rumaram em direção a Rio Maior,
aonde se propunham soltá-lo, com uma “palmada”
no traseiro, sem todavia lhe restituírem a arma. Porém, quando entraram num
café, viram outros militares armados, a cavaquear amenamente e tendo
reconhecido um, que era dos Montes (o nosso conhecido 70), foi a este que o entregaram, com a arma e algum sarcasmo.
José
“Póvoa”, Hermínio Fortes, António Malhó e Firmino Franco, queriam estar na
primeira linha dos acontecimentos, pelo que foram para Rio Maior.
Ao chegarem perto de Rio Maior, pela EN 1,
por alturas do Alto da Serra, já o trânsito estava condicionado, pelo que tiveram
que deixar a viatura antes do cruzamento para Caldas da Rainha. Fizeram o
restante caminho a pé até à entrada norte da Vila, onde começava a concentração
de populares. O movimento ainda estava algo desorganizado, era apenas uma
manifestação da CAP, contra a ocupação e controlo do Grémio da Lavoura, por
elementos afetos ao PC. Os manifestantes queriam cortar o acesso de alimentos a
Lisboa, ocupavam a via pública e, com determinação, não permitiam a passagem a
qualquer viatura. Foi o início do famoso corte de estrada de Rio Maior que
provocou a divisão do país em dois, com o forte slogan “Aqui começa Portugal ”, ou seja, dali para baixo não era
reconhecido como solo português, mas sim, terra ocupada por estranhos.
Com o passar do tempo os manifestantes
tornaram-se mais organizados e objetivos, tomando força através da colocação de
máquinas e viaturas pesadas, a obstruir a estrada.
Os montenses, que estiveram a dar o apoio,
regressaram satisfeitos ao final do dia a casa, e para se prepararem para voltar
à noite às barricadas, pois estavam cansados.
Dois dias depois, grupos de pessoas, onde se encontravam
bastantes beneditenses conhecidos de José Vinagre que ficara na Benedita a
trabalhar no seu estabelecimento comercial, rasgaram e queimaram maços de
jornais transportados pelas carrinhas do Diário de Lisboa, destinados ao centro
e norte do País, como desagravo pela forma (tendenciosa) como os vespertinos
lisboetas DP e DL, relataram os assaltos às sedes do PC e FSP, como escreviam, “por hábeis e perniciosos elementos
agitadores contra revolucionários”, na linha de um comunicado do COPCON.
“O Povo de Rio Maior ” também emitiu um comunicado em
que pretendeu justificar aquelas ações pois foi alvo de humilhante e insidiosa
adjetivação, através da Rádio, TV e da Imprensa.
Os montenses passaram várias noites de
vigília em Rio Maior
engrossando as fileiras dos resistentes. Ali, juntavam-se grupos à volta de
fogueiras, onde não faltava pão, febras ou chouriço, sardinhas e vinho,
trazidos por gente solidária e repartir comunitariamente. De vigília, com as
armas por perto, passavam a noite entre histórias e anedotas. Também havia
acordeão ou viola. Entre os resistentes encontravam-se pessoas que, não podendo
passar, se juntavam a eles para conviverem e manifestarem o apoio.
José Acácio dos Santos contava que, numa
dessas noites, estava um senhor de meia-idade, sentado junto à fogueira, mas
nada dizia, triste e de olhar fixo no fogo. Começaram a pensar se ele não
pertencia ao outro lado da barricada, pelo facto do seu comportamento ser algo
estranho, até que alguém não se conteve e perguntou-lhe o que se passava, se
concordava ou não com eles. Ele respondeu, de forma simultaneamente altiva e
dolorosa, que “vinha do Porto para o
Alentejo, onde possuía uma pequena herdade, tendo ficado ali retido.
Entretanto, tinha recebido um telefonema da esposa a anunciar-lhe que a sua
herdade tinha sido ocupada e que durante a ocupação, a mãe dele tinha morrido,
ao ser arrastada à força para fora da sua casa. Era essa a razão da sua
profunda tristeza, estava totalmente solidário com o movimento de Rio Maior,
mas queria ir para junto da família enlutada”.
-Que, após o 25 de
Abril os comunistas portugueses foram recebidos na sociedade de braços abertos,
nomeadamente no caso de Rio Maior.
-Que antes do 13 de
julho de 1975 (incidentes de Rio Maior) os Partidos Políticos aqui implantados
viviam um salutar clima de democracia, tendo até, todos, organizado diversas
atividades em conjunto, recreativas, culturais e até políticas.
-Que perante uma
convocação para um plenário de agricultores, com a assistência do IRA,
delegação de Alpiarça, no referido dia 13, em que o PC tomou para si a
responsabilidade da organização fazendo convocatórias à socapa e mandando umas
circulares entre 6000 agricultores inscritos no então Grémio da Lavoura, para o
plenário, o clima político, salutar, estragou-se pois o POVO, que o sr. Dr.
Cunhal diz considerar acima de tudo, descobriu as suas manobras.
-Que o PC a nível de
Rio Maior, também pretendia ser a VANGUARDA do processo político, e não a
vanguarda dos trabalhadores portugueses, tão, dizemos nós, dominado por PC’s.
-Que isto vem
reafirmar ou confirmar, a declaração do Camarada Mário Soares, ao dizer que os
lugares chaves da vida Portuguesa estavam ou ainda estão, entregues a um só
partido.
-Que o PC, na
verdade, tinha intenção de se infiltrar em todo o aparelho de Estado e dai
contrariar a seu belo prazer a revolução portuguesa, sem se importar de regar
os cravos de 25 de Abril com o generoso sangue dos portugueses.
-Que disso é uma
prova o assalto às armas, facto que o sr. dr. Cunhal sempre se esquivou a
definir a posição do seu partido, no Frente a Frente realizado na T. V.
-Os ódios fomentados
em Portugal desde o 25 de Abril, precisamente por o PC não aceitar as regras do
jogo, são um índice de que a sociedade portuguesa está em crise moral aliada à
crise económica a que o PC não é ilibado de responsabilidades com o seu sistemático
incitamento aos honestos trabalhadores portugueses, a ocuparem terras, que, se
o PC não sabe devia saber, não têm possibilidades técnicas, de desenvolver.
-Isto é um convite
ao suicídio, e não um pacto com os trabalhadores.
-Os trabalhadores
militantes do PS em Rio
Maior repudiam as afirmações do sr. dr. Cunhal, quando diz
que o seu partido tem uma aliança com a direita.
-Por outro lado
disse que o PS tinha uma aliança com o MRPP e AOC o que é falso.
Serão estes partidos
de direita?
-O programa do PS, é
claro, quando diz que é pela liberdade e respeito por todas as ideologias.
-Será que o sr. dr.
Cunhal confunde alianças com respeito pela maneira de pensar dos outros?
-Os trabalhadores
militantes do PS em Rio
Maior repudiam a autonomeação de um Partido Político como
único defensor da classe operária.
-Os trabalhadores
militantes do PS em Rio
Maior repudiam a discriminação feita pelo sr. dr. Cunhal ao
Povo Português, e aqui também incluem os militares, na sua classificação de
reacionários e progressistas.
-Os trabalhadores
militantes do PS em Rio
Maior solidarizam-se com o secretário-geral do PS, camarada
Mário Soares, na defesa intransigente do socialismo em liberdade e na sua
determinação em querer, acima de tudo, salvar este país da situação em que
presentemente se encontra.(…)”
Para apoiar a luta dos batalhenses
organizou-se, no dia 17, um grupo nos Montes, composto, entre outros, pelos
primos e companheiros Américo e António Malhó, José Firmino Franco, bem como
Jorge Mateus, em cujo carro se deslocaram.
Ao chegarem de carro à Batalha, e antes da entrada na
vila ouviram dizer que os comunas da Marinha já vinham a caminho, pelo que
decidiram voltar a casa, para buscar as caçadeiras ou o material que houvesse.
No regresso à Batalha, ao passarem no Juncal, já se dizia que à entrada da
Batalha havia brigadas populares a revistar os carros. Por isso, o António
Malhó disse que ia “fazer uma mija, vou
ali e já venho” e, resolveu enterrar num pomar junto à estrada, a pistola,
aliás ilegal, que possuía e tinha ido buscar.
Chegaram à Batalha, pelo lado de S. Jorge, e antes mesmo
de entrarem na vila começaram a ouvir tiros, pelo que o Jorge Mateus parou o
carro, querendo estacionar, para fazer o resto a pé, já que estrada estava
barricada por populares armados de caçadeiras. O José Franco disse para o Jorge
Mateus “segue até lá para ver se nos deixam passar”. Ao aproximarem-se,
reconheceram um dos populares que estava na barricada de caçadeira em punho com
os canos virados para o solo. “Olha quem
está ali”, disseram uns para os outros. Ao chegarem junto desse popular, o
Franco sacou da pistola que trazia e da janela do carro apontou-lha, tentando
que o gesto não desse muito nas vistas e disse “oh pá, deixa passar a malta e vê lá se tens juizinho na tola, não penses levantar a caçadeira senão já
sabes o que acontece, e não queiras experimentar, digo-te eu que sei”. Este
defensor da revolução, que por acaso era dos Montes, mas pouco valente, gritou
para os seus camaradas “deixem passar
estes, que é malta fixe”. Em seguida foram até ao Mosteiro sem problemas de
maior com o carro e o Jorge que o conduzia, começou às voltas no adro, onde
apenas se encontravam alguns militares armados e uns poucos civis dispersos. O
Américo enervou-se, pelo que disse ao Jorge Mateus para parar imediatamente,
pois tal movimentação podia entender-se como provocação e criar-se ali um
incidente estúpido e desnecessário. Quando saírem do carro, depararam um grupo
de militares, mais uma vez e como ia sendo corrente nos demais sítios onde tinham
estado com ar jovem, indeciso e desmotivado, pelo que o José Firmino se dirigiu
a um e perguntou como ar meio sério, meio zangado, se sabia de eram são as armas que traziam.
Sem receber resposta, acrescentou já mais à vontade e
confiante, “meu grande cabrão, quando
saíres daqui vais bater com os cornos numa lage, quando fores à procura de
emprego”.
Américo Malho, mais tarde disse-me que José Franco tinha
dito (…) “daqui vais bater com os cornos
num chaparro (…)”.
Seja como for, sem ninguém saber bem o que isto
significava, se é que significava alguma coisa, a verdade é que os militares
nada fizeram e as coisas permaneceram calmas.
Para Américo Malhó, segundo me contou, “José Firmino revelou coragem pois se algo
corresse mal não tínhamos ninguém que nos defendesse. Nem o meu rico Stº.
António ou Santa Marta”.
Para quem o conhece de perto, José Firmino Franco parece
um inato contestatário, sem receio de dizer verdades, apreciador de uma boa
discussão e incapaz de guardar rancores.
O próprio admitiu perante mim que tem noção do ridículo,
que por vezes se admira de atitudes que tomou, mas, como seu pai, raramente
delas se arrepende.
Em seguida, encaminharam-se para a saída de Fátima e
estacionaram num pequeno largo junto da Adega Cooperativa. Estava a anoitecer
e, de tempos a tempos, ouviam-se algumas rajadas de metralhadora, disparadas
para o ar. O Jorge Mateus deu uma segunda chave do carro ao Franco, “nunca fosse o diabo tece-las”.
Separaram-se em dois grupos, o Jorge Mateus e o Américo Malhó, para um lado o
Franco e o António Malhó para outro, por que corria que a Estalagem tinha sido
ocupada e o dono, Engº Monteiro, atirado pela janela (boataria). Quando se
aproximaram, encontraram um furriel de barba e cabeleira fartas, que exprimia a
sua alegria disparando a sua FBP,
como se se tratasse de uma festa de casamento talibã. Franco aproximou-se dele
e perguntou-lhe “quando acaba a festa e o
barulho que estás a fazer”. O furriel, em euforia incontida, acabou de
despejar o carregador e respondeu “olha,
acabaram!” Foi o que Franco gostou de ouvir, pelo que encostou-lhe a sua
pistola à barriga e com ar muito meigo e voz suave, ordenou que lhe entregasse
tudo, a Walter incluída, e “não pias,
senão limpo-te o sebo, estás a ouvir? Ficas aqui quietinho encostado à esquina,
não sais daqui, senão arrefeço-te e entrego-te esticado ao padre”.
O militar, perdeu a genica e a confiança, passou-lhe as
duas armas para as mãos e nem “piou”.
Esconderam as armas debaixo da roupa, embora fizessem um
certo e indisfarçável volume e avançaram, até avistarem dois soldados perto dum
prédio em construção. A
noite já tinha caído. Depois de verificarem que ninguém os estava a ver,
abordaram os dois soldados, o José Firmino Franco encostou a pistola às costas
de um e sacou a ambos as metralhadoras. De seguida, para que estes não criassem
problemas, obrigou-os a despir a farda, fazendo-lhes adequadas recomendações,
para que não fizessem barulho. “Como quem
tem cu tem medo”, estes militares, ali ficaram, sem reagir. Perante a
situação, o António Malhó mal conseguiu conter o riso, pois nem queria
acreditar no que estava a acontecer. Dirigiram-se rapidamente para o automóvel
para guardar as armas e esconderam-se, para não abusarem da sorte. Entretanto,
começaram a ouvir gritos, vindos do centro da vila, de que andava alguém a
roubar armas. Quem “piara”? Nessa
altura, o Jorge Mateus e o Américo Malhó, apercebendo-se que as coisas podiam
aquecer, regressaram rapidamente ao automóvel. Sem mais, saíram todos da
Batalha, na direção de Fátima e voltaram para Montes, via Porto de Mós.
Chegados a Montes, param junto ao antigo café do Firmino Franco (Pai), onde
esconderam as armas. O Jorge Mateus e o Américo Malhó não sabiam que traziam
armas no carro e só, muito mais tarde, o José Franco lhes contou a história,
que não acaba aqui.
Após os incidentes relacionados com o assalto à sede do
PC em Alcobaça, foram presos vários alcobacenses, levados para Leiria, os quais
depois foram transferidos para Caxias, como noutro local contarei. Quando
chegaram a Lisboa, apurou-se que não havia nenhum documento que formalizasse a
detenção (não havia mandados ou estes eram em branco) ou mesmo a libertação.
Para tentar resolver a situação, organizou-se um grupo de pessoas de vários
pontos do Concelho de Alcobaça, afim de se deslocarem a Leiria. Foram várias
pessoas, entre as quais, os Franco (pai e filho), pelos Montes, o Joaquim
Zeferino Lucas, por Alcobaça e o António Barbosa Ribeiro, por Cós. O José
Franco foi, com o pai Firmino e Joaquim Zeferino Lucas com o António Barbosa no
Ford Escort branco deste, ainda de matrícula francesa, pois regressara há pouco
de França, onde estivera a trabalhar. Chegados ao quartel pediram para falar
com o responsável, pelo que veio falar com eles um tal Tenente O (…), que tinha
metido o “chico”, e que o José
Firmino conhecia do tempo da recruta, a quem disse “sei onde estão as armas que foram roubadas na Batalha, que serão
entregues, quando os documentos dos alcobacenses forem para Lisboa. De acordo? Trocas?”
O Ten. O (…), que era tido por um grande “fascista” antes do 25 de Abril, virara
para o outro lado da barricada e agora o próprio comandante da unidade até o
receava. O Barbosa batia as palmas, “boa
Franco, dá-lhe”. Mais tarde António Barbosa, que nunca se meteu em
políticas, mas dizia não pactuar com comunas que lhe “fazem nervoso”, confessava-me que tinha gostado tanto daquele
momento, que “era capaz de estar ali o
dia todo a gozar e a bater palmas”.
O Ten. O (…) prometeu-lhes que os papéis seriam enviados
ainda nesse dia para Lisboa (mas ao que consta não havia nenhuns), pelo que o
José Firmino Franco foi na Ford aos Montes para levar a Leiria, as armas
apreendidas na Batalha, embrulhadas num saco de serapilheira. Ao chegar à porta
de armas, chamou o soldado, atirou com o saco para o chão e com as armas
espalhadas, disse-lhe que ali estava uma prenda para que Ten. O (…) e o
Comandante gozassem bem.
Na Batalha, centenas de pessoas que se juntaram na EN 1,
obrigaram a parar a carrinha de distribuição do jornal República, não deixando a mesma prosseguir,
enquanto “não lermos o jornal”.
Como o jornal noticiava que os incidentes tinham sido
provocados por forças reacionárias, foram destruídos, deitados à rua e
queimados todos os exemplares, pelo que o carro depois seguiu, sem nenhum aproveitável.
Com carrinha de A Capital também houve problemas. Embora
tendo seguido um percurso diferente do habitual, o Manuel Antunes, seu
condutor, foi localizado e intercetado por populares no Alqueidão, conduzido
até à Batalha, onde os jornais foram destruídos. Só de manhã foi restabelecida
a ordem. Ao mesmo tempo, umas centenas de pessoas, assaltaram e destruíram, em
Porto de Mós, a sede da contestada Associação 1º. de maio.
A 29 de julho, foi atacada e destruída a sede do
MDP/CDE, em Sever do Vouga, houve um assalto às instalações dos Sindicatos dos
Metalúrgicos, em Águeda, bem como à Associação Recreativa Cultural de Amor, nos
arredores de Leiria.
A 30 de julho, durante a madrugada, tropas das Regiões
Militares do Norte e Centro tentaram, sem sucesso, que uma multidão de cerca de
3.000 pessoas, incendiada com palavras de ordem como “vamos dar cabo dos comunas”, destruísse sucessivamente as sedes do
OCMLP, PC e MES.
No mesmo dia, em Évora, a casa do teorizador e promotor
da Reforma Agrária, o Deputado Constituinte Dinis Miranda, do PC, foi destruída
numa explosão que causou vários feridos, seus familiares. Este alegadamente
nunca percebeu a razão do evento, que não merecia, nem se justificava…Ai não!
Nos assaltos as sedes do PCP e MDP/CDE, em Póvoa do
Lanhoso, a 1 de agosto, encontravam-se dois conhecidos militantes do PS, o que
este partido negou sem convicção, pois era verdade e estava documentado por
fotografias. Esses socialistas, ideologicamente pouco ou nada tinham de comum
com o PS, antes eram pessoas perfeitamente identificados com o anterior Regime.
Um deles até tinha sido Presidente da uma Junta de Freguesia e o outro membro
da União Nacional.
No lugar de Bouças, Alpedriz, em meados de agosto de
1975, correu a notícia que, numa casa abandonada, encontrava-se escondido um
arsenal de armas desviadas, pelo que pessoal do Andam, decidiu confirmar in
loco se era mesmo verdade, escondendo-se por perto e esperando para ver. A
certa altura da tarde, chegou uma camioneta, que começou a carregar bidões, que
iam sendo retirados da casa. Quando terminou o serviço, deixaram-na partir, mas
avisaram o pessoal amigo de Rio Maior, que ia a caminho um carregamento de
talvez de armas, pelo que a camioneta deveria ser intercetada, o que aliás
aconteceu. Não constou, porém, que levasse armas. “Mas os bidões eram de quê?” interroga-se Américo Malhó, que até hoje nunca soube a resposta, pelo que continua
intrigado.
Sobre os incidentes de Leiria, Óscar Santos, Presidente da Junta de Freguesia dos Montes
em dois mandatos, grande e interessante contador de histórias, muito
respeitador da memória do pai e seus companheiros, recordou-me que há 40 anos,
normalmente, as notícias urgentes e importantes chegavam via telefone para a
casa do Firmino Franco ou do Café do Francisco Catarino. Dessa vez, elas vinham
do PPD, de Leiria, num “toca a reunir para o assalto à sede do PC”.
Seu pai, José Acácio dos Santos, mais conhecido como Zé
“Póvoa”, homem digno e muito
respeitado, desaparecido prematuramente, militante do PPD da primeira hora, que
nunca deixava de responder a um apelo, reuniu dois ou três fiéis companheiros,
desta vez sem o filho que muitas vezes o acompanhava, partiram de imediato rumo
a Leiria.
Ao chegarem ao largo fronteiro à Rodoviária, encontraram
algumas centenas de populares que, sem desfalecer ou perder o ritmo, se
animavam e gritavam palavras de ordem. A concentração durava há várias horas,
sem indiciar desfecho, já que a sede do PC se encontrava guardada por militares
que ripostavam com tiros para o ar, cada vez que alguém tentava atravessar a
estreita ponte que ligava as duas margens. As horas iam passando, a noite
chegava e tornava-se cada vez mais claro que naquele dia as coisas não teriam
qualquer desfecho, pelo que alguns manifestantes começavam a desmotivar e a
desmobilizar.
“A alguns metros do
meu pai (contou-me Óscar
Santos) um jovem de 18 ou 20 anos gritou
que se não conseguimos atacar o PC vamos ao MDP. A maioria das pessoas, nem
sabiam onde se situava a sede do MDP e olhavam uns para os outros, como que a
perguntar o que fazemos”.
Mas os presentes não queriam, melhor dizendo, não
podiam, recusar esta fortíssima sugestão e apelo. Entretanto, o mesmo rapaz
voltou a lançar a dita palavra de ordem e, juntamente com outro colega, também
bastante jovem começaram a correr, dirigindo-se para a rua lateral à Sé.
José Acácio dos Santos (segundo me contou o filho) sem saber para onde ia, começou a
correr e juntamente, com uma ou duas dezenas de populares, encetaram a corrida
atrás dos jovens. Pouco a pouco, todos os manifestantes se aperceberam do que
estava a acontecer e seguiram-nos. A sede do MDP situava-se no final da rua,
num primeiro andar de varandas baixas. Os dois jovens da frente lançaram-se em
voo, e agarrando-se às grades da varanda treparam, arrombando a porta. José
Acácio apercebeu-se que havia iluminação dentro da sede e passados alguns
segundos os dois rapazes saíram em voo da varanda e caíram com aparato no chão.
Os que assistiam, julgaram, inicialmente, que eles tinham sido agredidos e
mandados pela varanda por elementos que se encontravam dentro do edifício. Mais
tarde, perceberam que estavam armados com um enxame de abelhas no interior da
casa e que a luz estava acesa para poderem atuar. Entretanto, a tropa destacada para defender a sede do PC, ao
constatar o que estava a ocorrer, deu a volta pela rua que dá acesso ao Castelo
e desceu pela calçada até ao Largo da Sé, parando expectante ao lado dos
manifestantes.
O oficial que comandava o grupo, à medida que vinha a
descer disparava rajadas de tiros para o ar, na tentativa de se acalmar a si
próprio e amedrontar a multidão, o que de facto conseguiu, pois as balas batiam
no telhado e na parede da casa em frente, fazendo cair pedaços de telha em cima
das pessoas. Nessa altura, um homem munido de uma máquina fotográfica, talvez
jornalista estrangeiro, destacou-se da multidão, posicionou-se junto à dita
casa, de frente para as tropas, tentando obter em exclusivo fotografias
espetaculares. O oficial continuava a disparar descontroladamente rajadas de
tiros que atingiam a parede e o telhado da casa. O fotógrafo foi atingido na
cabeça, caindo de imediato morto, enquanto o sangue e os miolos escorriam pela
parede.
Terá sido acidente?
A José Acácio dos Santos custou a acreditar. Óscar
Santos é da mesma opinião. As pessoas que estavam à frente começaram a recuar,
forçando o grupo a comprimir e andar para trás. “Zé” Acácio encontrava-se no
grupo da frente e contou que a força era tanta, que as pessoas eram arrastadas
quase sem tocar com os pés no chão e nesse movimento alguém lhe pisou o sapato
que ele puxou com a ponta do pé, até conseguir atingir o vão duma porta que lhe
proporcionou abrigo, permitindo-lhe voltar a calçá-lo e seguir caminho. A rua
era pequena para tanta gente e aqueles que tentavam empurrar para trás, eram
não obstante forçados a avançar. Decorreu algum tempo, até que alguém conseguiu
novamente trepar para a varanda do MDP/CDE, entrar e abrir a porta do rés do
chão que lhe dava acesso. Deste modo, alguns manifestantes começaram a lançar
papéis e pequenos móveis para meio da praça, com grande entusiasmo, vivas e palmas.
O fogo foi ateado, o material continuou a voar pela janela. E “Zé” Acácio
concluiu que “os militares assistiram,
não voltaram a disparar e desmobilizaram”.
Estes militares não estavam, nem podiam estar, ao mesmo
tempo com o MFA e com o Povo. Eram Povo, em primeiro lugar.
Fleming de Oliveira, deslocou-se nesse dia pela primeira
e única vez para assistir a uma sessão da tarde da Assembleia Constituinte e
reunir com Gonçalves Sapinho e dirigentes do PPD.
Cheguei antes das três e entrei em direção às instalações
do grupo parlamentar, onde estive à conversa com Costa Andrade. Acontece,
porém, que a sessão foi suspensa por cerca de meia hora, devido a ameaça de um
engenho explosivo, que depois de aturadas buscas não se encontrou, mas criou
alguma excitação, que persistiu mesmo depois de reiniciado o plenário.
Sapinho, pelo menos pareceu-me, imperturbável.
Em Famalicão, arderam toda a noite fogueiras ateadas
para queimar os livros, papéis e móveis do MDP/CDE e PC.
Durante a noite automóveis e motorizadas pertencentes a
elementos de esquerda, foram vandalizados, bem como assaltados escritórios e
estabelecimentos de pessoas ligadas àqueles partidos.
E em
Rio Maior onde, “Aqui
começa Portugal?”
Com as barricadas de Rio Maior, tratores, pedras, pneus
velhos, tudo o que vinha à mão, pretendeu-se impedir que operários da cintura
industrial de Lisboa, o COPCON ou “ocupas”
da Reforma Agrária, avançassem em direção ao norte do País, como retaliação
para os ataques que o PC e agrupamentos satélites ou de esquerda, estavam a
sofrer sem piedade.
O ambiente que nelas se vivia era de excitação, camaradagem e solidariedade. Nunca
faltava o frango assado, as febras, uns pastéis de bacalhau, um casqueiro, uma
navalha de bolso e um garrafão de tinto do produtor. E alguma música.
Aí estiveram, os indefetíveis dos Montes, Joaquim
Evangelista (de Alcobaça), e Luís Graça (da Ataíja, que se fez a pulso, ainda
salazarista, homem bom, solidário, respeitado e que colaborava com o PPD). Este
contou-me que a determinada altura, foi localizado um bem conhecido alentejano,
que vinha em apoio da Reforma Agrária, do slogan “A Terra Para Quem a Trabalha, Abaixo os Latifundiários” e contra os
empedernidos reacionários que defendiam o seu património, como os da Benedita
até Ataíja, passando pelo Vimeiro e Alfeizerão, e entendiam que ali começava,
ou acabava, Portugal. Este sujeito estava referenciado, pelo facto de antes do
25 de Abril ter vendido uma propriedade e aproveitando-se da maré das
ocupações, ter de novo voltado a quere-la, agora pela força. Quando o localizaram, percebeu-se que
de imediato iriam surgir problemas, pois os populares ao aproximarem-se
começaram a mimoseá-lo com nomes que, não apenas fariam corar, mas ofendiam a
mãe o pai ou a mulher e a ameaçá-lo fisicamente. A GNR ainda interveio, para o defender, mas o povo chocado com uma
presença que reputava de provocatória, tentava atingi-lo, o que se conseguiu,
causando-lhe ferimentos, mais ou menos dolorosos. A agressão só terminou,
quando a GNR compadecida do alentejano, pediu para que fosse deixado em paz, o
que aconteceu no meio de enorme assuada, sem mais ser visto por ali, ao que se
diz até hoje.
Francisco Catarino, dos Montes, que sempre que podia ia
às movimentações, conta que quando foi com os companheiros dos Montes apoiar o
movimento de Rio Maior, teve de deixar o carro na Ribafria, seguindo o restante
percurso a pé.
Ao chegarem perto de Rio Maior, encontraram dois
soldados, ali destacados, pertencentes ao Quartel de Caldas da Rainha, que lhes
disseram para não seguir por determinada rua, pois a sede do PC estava a ser
atacada e os comunas já estavam a “queimar
dinheiro de plástico”.
Catarino nunca tinha ouvido falar em “dinheiro de plástico”, não sabia o que
era, nem o que aquele conselho significava. Seja como for, sem mesmo perceber
nada do assunto, criou a partir daí uma profunda e inexplicada animosidade ao
dinheiro de plástico, pelo que quando tempos depois começaram a aparecer os
cartões, nunca se serviu deles. O seu estabelecimento passou a ter de usar
cartões, mas quem o faz é a filha. Francisco Catarino nunca utilizou nenhum, os
seus negócios são, apenas, com bom dinheiro vivo.
Em pleno movimento contestatário de Rio Maior, soube-se
que estava previsto que, dos lados do Bombarral, viesse um grupo de populares
armados com caçadeiras e outras armas de origem desconhecida para apoiar os
camaradas de Leiria, que estavam em apuros, cercados por populares. Quando o
grupo chegou a Rio Maior, foi detido nas barricadas, cujos elementos
apreenderam cerca de 18 armas que, tal como os portadores foram entregues, no
posto local da GNR, não sem antes terem levado um bom par de “democráticos tabefes e açoites no lombo”.
Perante este incidente, os manifestantes excitaram-se
ainda mais, pelo que teve de ser solicitada a intervenção do Quartel de Caldas,
na perspetiva de repor alguma ordem, que fez deslocar ao local o próprio
comandante o Ten. Cor. Viegas Vaz, na companhia de mais dois militares,
conduzidos num Land Rover, pelo fiel 70
que sempre que tinha oportunidade, gostava de estar presente nos momentos
quentes. O comandante, quando chegou
a Rio Maior, encontrou militares de outras unidades, que desmotivados e sem
comando, tentavam controlar as entradas na vila, de modo a impedir mais
conflitos. Subiu para cima de uma carrinha de caixa aberta e ordenou aos
manifestantes que debandassem, pois se não o fizessem, ainda teria de mandar
ativar uma morteirada.
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