TIMÓTIO DE MATOS E O PC DE ALCOBAÇA.
O AFAMADO “CONTROLEIRO” BEJA.
VIVA OS COPOS!
Fleming de Oliveira
Terminados as festivas e unitárias comemorações do 25 de
Abril e do 1º. de maio de 1974, arrancou em força e no terreno, à luz do dia, a
organização do PC, a nível nacional e em Alcobaça onde, no início do verão, se
fez um comício no Cineteatro.
Abriu uma sede por cima da Farmácia Campeão, e a
Comissão Concelhia começou a funcionar em pleno, incumbindo Timóteo de Matos de
superintender na angariação de fundos e na organização da célula dos
professores. O seu “controleiro”,
expressão que vinha do tempo da clandestinidade, era o corpulento e afamado Manuel Beja.
Embora tendo passado a ser funcionário, Beja nunca
conseguiu libertar-se de ser, afinal, um simples “controleiro”. Para ele, Timóteo de Matos, não passava de um
intelectual o que, à data, não era grande cartão de apresentação no Partido.
O PC, não dispensava, mesmo em democracia o controlo,
pois a confiança foi sempre um problema difícil de resolver, dado não ser fácil
confiar em absoluto em
alguém. O verão de 1974 passou-se entre lutas verbais com a
direita, que em Alcobaça era representada pelo PPD (o CDS estava ainda estando
em gestação), com algum PS e extrema esquerda, constituída por uma infinidade
de partidos, aliás pouco representativos e efémeros, como FEC (ML), LUAR, AOC,
OCMLP, UDP, MRPP, LCI, MES.
Foi no fim desse verão que as coisas se começaram a
complicar entre Timóteo de Matos e a estrutura local do PC.
Na primeira reunião da Comissão Concelhia, após 28 de
setembro, Timóteo de Matos acusado pelo “controleiro”,
de se ter alheado dos acontecimentos, foi afastado da comissão local. Não
surtiu efeito a sua defesa e, humilhado, sobretudo porque não correspondia à
verdade, teve de abandonar a comissão concelhia com efeitos imediatos, o que
significou o abandono, também imediato, da própria reunião em que estava a
participar.
Saiu da sala, desceu as escadas em direção à rua e logo
no primeiro patamar, quem havia de encontrar, subindo em sentido contrário, e
com ar decidido? Os seus amigos José João Costa e Rui Perdigoto (hoje médico e
Professor).
-O que é que querem
daqui?
-Olha lá, não chateies! Vimos, em representação da LCI,
protestar contra a provocação dos teus camaradas.
-Não digam
disparates. Em Alcobaça vocês os dois não representam a LCI. Vocês são a LCI.
-Olha-me este provocador! Arreda lá, que a gente quer
subir e esfregar este cartaz no focinho dos teus camaradas!
-Lá em cima? Querem
mas é levar na tromba, é o que é! Não vale a pena subirem! A concelhia está em
reunião.
-Em reunião? Se a concelhia estivesse em reunião, também
tu lá tinhas de estar.
-Fui expulso…
-O quê? Do Partido!?
-Não! Só da
concelhia!
-Espera aí…
Um sorrisinho maroto desenhava-se na cara espantada do
Zé João, enquanto o Perdigoto olhava, parado e incrédulo.
-Verdade? Estás mas é a gozar!
A cena era
surrealista.
Na verdade os dois decididos ativistas, empunhando o
resto de um cartaz da LCI, arrancado de uma parede, tendo por cima colado um
outro resto de um cartaz do PC, pretendiam ir à sede (Centro de Trabalho) fazer
uma entrada triunfal, com piropos do género estalinistas
de merda!
E ali estava eu (contou-me Timótio de Matos) pior que estragado, o suposto estalinista, acalmando os intrusos, meus
amigos que se regozijavam com a minha expulsão e a quem eu tentava livrar de
uma mais que certa capoeira de murros, já que, conhecendo-os como conhecia,
sabia que, tendo já no bucho umas boas imperiais, não se calariam e iriam por
ali a fora com doses de impropérios e provocações redobradas. O mais certo era
descerem as escadas com ajuda e não por vontade própria e, por isso, lá lhes
fui dizendo que esquecessem o Trostky e o Estaline e que o melhor era descermos
os três e irmos ao Luís, da Piçarra, enxugar mais umas canecas.
E assim fizeram, especialmente porque a curiosidade e
sede eram grandes.
Como é que é isso de um gajo ser expulso da concelhia?
Estalinistas de
merda! Expulsarem o meu amigo…,
insurgia-se o Zé João, disposto a subir de novo as escadas, animado de enorme
fervor militante.
A Liga Comunista Internacionalista (LCI), fundada em 1973, tendo como
primeiro líder João Cabral Fernandes,
considerava-se como a secção portuguesa da IV Internacional, de cariz trotskysta e esteve mais tarde na génese do Partido
Socialista Revolucionário. Nunca soubemos,
porém, para além de uns chavões, o que é que Rui Perdigoto e companhia
pensavam, diziam ou queriam. Será que eles próprios tinham mesmo alguma ideia?
O que pensavam sobre Estaline, que matava os adversários
reais ou imaginários, para atemorizar e servir de exemplo? Ou Krutchov, que
depois de eliminar Beria, prendia-os, embora tenha implementado formas de
perseguição e tortura, supostamente, mais moderadas? É certo que para
Perdigoto, mais tarde conceituado médico e realinhado
com o PSD, ainda não tinha chegado o tempo de Breznev, que inventou os
asilos psiquiátricos para curar os dissidentes. Pois, como é que, sem profundas
perturbações mentais, se podia negar a realidade prodigiosa do socialismo, a
magna sabedoria dos líderes, a inquestionável racionalidade do comunismo? Só um
louco, demente, doente, podia repudiar a força do Sol da Terra, Os Amanhãs que Cantam?
Logo o lugar desses marginais era o manicómio.
-Deixa-te disso, pá!
Anda daí!, retorquiu-lhe
Timóteo de Matos, tentando evitar o escândalo.
-Bem, que se f…!
E lá seguiram os três, rumo às imperiais, porque um
militante, nem por isso deixa de ser um apreciador de um bom copo. E, ao passar
pelo caixote do lixo, já entre o apaziguado e o curioso, virou-se o Zé João
para o Perdigoto:
-Dá cá essa porra!
E, com ar muito teatral, atirou ao caixote os pedaços
rasgados, ao mesmo tempo que, displicente, ruminava um que se f… o cartaz.
E viva os copos!
José Pinto Júnior, comerciante estabelecido em Alcobaça,
no nº 11 da Rua 16 de outubro, com a Casa das Meias. Era filiado no PC e, aos
55 anos de idade, reconhecia que não tinha preparação para o lugar e que, por
isso, nunca havia pensado ser Presidente da Câmara. Ele próprio também
reconhecia a sua falta de perfil e empolava o sacrifício que fazia, em
cumprimento de uma tarefa partidária, que até lhe fez perder uns quilos.
As reuniões da Câmara Municipal eram, em geral, muito
pouco produtivas, com discussões estéreis e intermináveis, normalmente muito
politizadas, especialmente quando se faziam com a presença de público ou das
Juntas de Freguesia. José Pinto assim chegou,à conclusão que o sistema tinha de
ser mudado, dado acarretar prejuízo para o andamento dos trabalhos e para o
despacho dos assuntos pendentes. Começavam às 21 horas e prolongavam-se até às
4 e 5 horas da manhã, com cansaço e mesmo alguma fome por parte dos
intervenientes. Isto veio a determinar que os funcionários municipais que
deveriam estar presentes, passassem a receber horas extraordinárias.
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