segunda-feira, 28 de abril de 2014

FERNANDO CATARINO MALHÓ E O CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE LEIRIA (no tempo do PREC). SANEAMENTOS E VIRA-CASACAS.

 

FERNANDO CATARINO MALHÓ E O CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE LEIRIA (no tempo do PREC).
SANEAMENTOS E VIRA-CASACAS.

Fleming de Oliveira


Fernando Catarino Malhó conhece o que foi a Segurança Social, no País e mais concretamente em Leiria antes, durante e depois do 25 de Abril.
Natural de Montes, onde nasceu em 1936, fez a sua vida profissional em Leiria, onde vive, tendo sido quadro superior da Previdência Social, e integrando mais tarde o Conselho Diretivo do CRSS, de Leiria. Pessoa dedicada ao serviço público, impoluto mesmo em momentos conturbados, merece o reconhecimento do Distrito, pelo menos de Alcobaça, especialmente dos Montes, a quem por afeto e “fisicamente” nunca deixou de estar ligado. Foi Diretor do Lar Residencial de Alcobaça, Chefe de Gabinete do Presidente da CMA (mandatos de Gonçalves Sapinho), fundador da Associação Recreativa Montense, dirigente, do Centro de Bem Estar Social de Montes, bem como da Associação Portuguesa de Segurança Social.
Aposentado da Função Pública, dedica-se à família e a nobres causas sociais.

Em 25 de abril de 1974, desempenhava as funções de Chefe de Secção da Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Leiria, cuja estrutura dependente do Ministério dos Assuntos Sociais, era dirigida por uma Comissão Administrativa, composta por um Presidente (nomeado pelo Governo), por um Secretário e um Tesoureiro, respetivamente em representação dos sindicatos e entidades patronais.
Esta organização foi pulverizada e, em substituição, apareceu nos primeiros dias a seguir à Revolução, uma Comissão composta por um representante do MFA e personalidades ligadas a forças político/partidárias (PC e MDP).
O Presidente que antes do 25 de Abril era detentor do poder, passou a ser contestado na rua, nos corredores, nas organizações sindicais, nos partidos e nos diversos comités formados em quase todos os setores da instituição.
Esta contestação levou ao seu saneamento, após uma manifestação de rua que exigiu não apenas a saída, mas também o seu julgamento público.
De gritos, a palavras de ordem, aos cartazes, tudo serviu para descarregar na figura daquele dirigente, um turbilhão de exaltados e oportunísticos sentimentos recalcados.

Ao contemplar a massa de pessoas que se comprimia na Avenida Heróis de Angola, em Leiria, sede da Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Leiria, Malhó constatou que, entre os manifestantes, se encontravam muitos que  bajularam o Presidente, que foram por ele considerados, estimulados e beneficiaram da sua presença na Caixa.
“Foi com amargura que reconheci (contou-me para estas notas) em alguns dos manifestantes pessoas que foram profundamente consideradas e até protegidas”.
Com a nova Direção, a Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Leiria, mudou radicalmente não apenas em termos de organização e funcionamento, como ainda na retirada de poderes e competências, até aí atribuídas e desempenhadas pelo pessoal dirigente.
“Sair à rua para almoçar e deparar com centenas de papéis espalhados pelo chão, onde se reclamava o saneamento político daqueles que exerciam as funções de dirigentes dos serviços, era exatamente o pão nosso de cada dia. Também o meu nome, pelas funções que exercia, era um dos que constava dos respetivos folhetos, mas nunca esquecerei a manifestação dos trabalhadores que desempenhavam funções na área em que exercia a chefia, quando em grupo ou alguns mais ou menos de forma disfarçada, chegaram ao meu gabinete e me disseram: Senhor Malhó, não tenha receio porque a si não lhe podem fazer mal, porque senão nós fazemos uma greve”.

Saneamentos agressivos e injustificados, seja qual for a perspetiva, foram prática frequente.
Nenhuma chefia foi todavia atingida, salvo nas competências e saneado, como apenas aconteceu com o Presidente.

Por esta altura, começou-se a falar no direito dos trabalhadores à greve, na Segurança Social. Os dias passaram  e alguns elementos foram afastados e impedidos de desempenharem as respetivas funções. Continuaram as manifestações turbulentas, os comícios, as reivindicações até à formação de uma Comissão Diretiva composta por um Presidente, nomeado pelo Governo e aceite pelas forças políticas, por dois representantes dos trabalhadores, indicados pelos sindicatos, e por um funcionário da Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Leiria, votado pelos trabalhadores, desta vez não por braço no ar, mas por escrutínio secreto.
O ambiente que se vivia acarretou a que organizações e forças políticas, existentes ou em plena formação, lutassem por arranjar espaço, para as respetivas instalações.
Foi na sequência destes movimentos que casas e espaços públicos, foram alvo de ocupação, pura e simples, tida por correta e legítima.
Estando em fase de acabamento, o edifício sede da Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Leiria, depois sede do Centro Regional da Segurança Social de Leiria, e hoje sede do Centro Distrital de Leiria, e havendo receio que o espaço viesse a ser ocupado abusivamente, foi decidida e efetuada, em fins de 1974 e princípios de 1975, a transferência de alguns serviços, entre os quais os de Contabilidade, a que pertencia Fernando Malhó, para os espaços já concluídos. À medida que outros espaços e salas eram concluídos, assim se foi procedendo à sua transferência e instalação.

Como funcionava a  Caixa de Previdência e Abono de Família, do Distrito de Leiria?
Para além da CA/Comissão Administrativa, existia um Conselho Consultivo e uma Comissão de Trabalhadores.
Estas estruturas independentes uma da outra repartiam, entre si e a vários níveis, o poder na organização. No meio da profunda turbulência foi com surpresa e ao mesmo tempo satisfação que Fernando Malhó viu os colegas elegerem-no Presidente da Comissão de Trabalhadores. “Aí desenvolvi as minhas funções com o necessário bom senso, com critérios que considero justos e equilíbrio entre as sensibilidades partidárias”.
Relativamente ao CC/Conselho Consultivo para o qual foi nomeado Presidente, “devo referir-lhe (a mim) que se tratava de um órgão que como o seu nome indica, se destinava a analisar e a emitir pareceres sobre a situação profissional dos trabalhadores. Se pensarmos que a  Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Leiria, tinha como órgão gestor uma Comissão Administrativa, e que os pareceres do Conselho Consultivo, no âmbito das suas competências eram vinculativos, facilmente podemos concluir da importância dos trabalhadores no âmbito das decisões que envolviam os seus interesses profissionais”.
Houve um processo que a CA sujeitou a parecer do CC, paradoxalmente vinculativo como se disse, e em que este deu parecer desfavorável. Depois seguiu-se uma tentativa de conciliar  posições, mas como não foi possível dar parecer favorável, a CA comunicou que iria remeter o processo à Secretaria de Estado, que viria a indeferi-lo, dando assim razão ao Conselho Consultivo (de parecer vinculativo). Toda a dinâmica do processo reivindicativo dos trabalhadores e a procura dos seus dirigentes no equilíbrio da Administração com outras atividades associativas a de apoio à comunidade, de modo a manter o correto balanço entre os deveres para com a família, as empresas, e a comunidade, levou à criação de estruturas sociais para usufruto dos trabalhadores e familiares no âmbito da Segurança Social, como um infantário, refeitório, bar e cantina.
O primeiro destes equipamentos (tecnicamente bem dotado em material e pessoal), recebia os filhos dos trabalhadores, no início do dia e prestava-lhes os cuidados até à hora em que os pais os iam buscar.
O refeitório, destinava-se aos trabalhadores da SS, que, por uma questão de preferência ou por residirem longe do local de trabalho, optavam por almoçar no próprio edifício.
O bar, era ponto de encontro dos trabalhadores nos intervalos que ao meio da manhã e meio da tarde eram concedidos, como pausa.
A cantina, que disponha do necessário à vida doméstica, permitia aos trabalhadores adquirir produtos, mediante requisição faturada a preços mais ou menos próximos do custo de armazém. O valor dos bens adquiridos era liquidado no final do mês, aquando do recebimento do ordenado.
Durante o ano de 1974, decorreu um inquérito ao Presidente da  Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Leiria, entretanto saneado.
“Procurava-se a todo o custo encontrar irregularidades. Como eu desempenhava as funções de Chefe de Secção da Contabilidade, fui diversas vezes questionado pelos instrutores do inquérito, sobre o conhecimento de diversas despesas suportadas pela Caixa e que eram do interesse particular do Presidente. Confesso, tal como disse aos instrutores, nunca me ter apercebido de tal realidade”.
Mas o que mais surpreendeu Fernando Malhó no inquérito, a que na altura teve acesso segundo me explicou, foram os depoimentos de alguns funcionários, quando referiram, por exemplo, que o Presidente teria tirado fotocópias particulares, indo ao pormenor de afirmarem os respetivos dias, o número de exemplares e a natureza.
“Como foi possível durante tantos anos aquelas chefias, da confiança do Presidente e com ele mantinham as melhores relações pessoais e profissionais, inclusive de amizade, fazer ao mesmo tempo a anotação das situações como as que referi anteriormente?”

Bufos, sempre houve e não eram apenas os que lidavam com a PIDE, como alegavam os “progressistas”.
Foi na sequência do ato eleitoral de 18 de janeiro de 1977, que Fernando Malhó foi designado vogal, representante dos trabalhadores na CA da  Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Leiria.
Estas funções foram exercidas desde 1979, data em que a Comissão foi extinta e nomeada outra, com uma composição em que já não constava, nem o representante dos trabalhadores, nem os dos Sindicatos. Esteve, assim, ausente da gestão do Centro Regional de Segurança Social de Leiria, no período em que presidiu ao Governo, Maria de Lurdes Pintasilgo. Em outubro de 1980, foi de novo nomeado, agora como Vogal da Comissão Instaladora do Centro Regional de Segurança Social de Leiria, composta por três elementos de nomeação governamental, mas em que tomavam parte, representantes dos partidos políticos, o que não era o seu caso, embora militante do PSD. Foi neste período que se verificou a vinda dos retornados principalmente de Angola e Moçambique, cujo apoio alojamento e alimentação, foi inicialmente garantido pelo IARN-Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, que mais tarde se integrou nos Centros Regionais de Segurança Social, com sede nos diversos distritos.
O CRSS de Leiria, foi incumbido daquele apoio, não só no que diz respeito aos retornados que se encontravam nos vários Centros de Acolhimento dispersos pelo Distrito, nomeadamente Hotel Flora, em Monte Real, Hotel Lisbonense, em Caldas da Rainha, bem como outros localizados em Leiria, Alcobaça (Chalet da Fonte Nova, antes das obras de restauro), Nazaré e S. Martinho do Porto, e ainda pelo Centro de Acolhimento do Forte de Peniche, cuja gestão foi recebida diretamente da Cruz Vermelha Portuguesa.


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