-Desde o dia em que a televisão entrou em minha casa,
fecharam-se os livros.
Não haverá maneira de apresentar os cowboys com
bons modos, sem que deixem de ser cowboys?-
Fleming de Oliveira
A
televisão começou a funcionar regularmente em Portugal em 1957, com a RTP.
Mas já
há algum tempo se falava do início das suas emissões, ao mesmo tempo que corria
que Salazar não era grande entusiasta deste novo meio de comunicação social de
massas. Aproveitando as facilidades concedidas pelo jornal O Século, que nos jardins da Palhavã organizava a Feira Popular, a
RTP realizou aí as primeiras emissões experimentais.
Corria
o mês de setembro e a inauguração programou-se para a noite de 4, pelo que vai o povo de Lisboa tomar o primeiro contacto
com uma das maiores invenções que até hoje o Mundo viu, vai conhecer os
recursos de que a RTP dispõe para, daqui a meses, iniciar, de forma definitiva,
o serviço público de radiotelevisão. Vai ter um passatempo agradável e
inteiramente gratuito; e, como é natural, sentir o desejo de se apetrechar com
recetores para o dia, já tão próximo, em que os cinco emissores, em cadeia,
levem à maior parte do País, à maior parte da população, um dos grandes
benefícios que lhe podiam ser dados: o de conhecer, pela vista e pelo ouvido,
tudo o que no Mundo se passa e pode servir para a elevação do seu nível
cultural e educacional e para o seu recreio.
A TV foi,
nessa altura um grande espetáculo de rua. A imagem animou os visores dos poucos
aparelhos existentes em Lisboa e arredores. E o povo fez a festa nos passeios,
frente às montras. Houve quem se munisse de bancos para melhor espreitar o espetáculo
ou subisse às costas de outro.
O Jornal de Notícias escreveu
que nos vários locais de Lisboa
continuaram ontem à noite, as transmissões do programa televisionado que, como
no dia anterior, levaram às várias ruas numerosas pessoas.
De
acordo com a História da RTP, na Praça
dos Restauradores o movimento foi além do que era de esperar e, por isso, parou
o trânsito e criaram-se dificuldades que a PSP, requisitada para tal, resolveu
ordenando a abertura de um canal-não de TV, mas de caminho para carros e
pessoas poderem circular.
Lembro-me
de ouvir contar em casa, no Porto, ainda nos anos cinquenta, que havia muita
gente que não acreditava ser possível ver o que se passava a grandes
distâncias, tal como ouvir pela rádio.
Em
meios alcobacenses mais conservadores, entendia-se que a televisão punha o
mundo perante graves e delicadíssimos problemas de ordem moral, certo como é
que pelo desvio da sua finalidade útil, pois o que é instrumento de maior bem
pode tornar-se instrumento de mal maior.
Segundo
O Alcoa, um pai de família, declarou
que desde o dia em que a televisão entrou
em casa, fecharam-se os livros (…). Depois
de estar umas horas a ver televisão durante a noite, vou para a cama com a
sensação que perdi a noite totalmente (…).
Uma
mãe de família, muito preocupada, perguntava ao articulista se não haveria
maneira de apresentar os cowboys com bons
modos, sem que deixassem de ser cowboys?
Interessante
é também o depoimento de um professor, cujo nome o articulista não registou, a TV intrometeu-se na vida das crianças,
distraindo-as nos seus estudos e nas suas leituras. Estropia-lhes a vista e
torna-as preguiçosas.
E
querem ainda saber a opinião de um alcobacense, apresentado como marido faminto (seguramente com fome de
guloseimas…), que entendia que seria um desastre que a televisão continuasse em
progressos.
Já agora minha mulher me deixa, não poucas
noites sem ceia, para ver um programa favorito. Imagine-se o que seria se
tivéssemos TV a cores ou um sistema desses que dizem que vão criar e, segundo o
qual, pagando certa quantia, se pode escolher o programa que mais agrade.
Tenho
abordado factos e emitido opiniões, admito controversas e mesmo algo
arbitrários, agradando a uns e menos a outros. Corro, assumidamente, esse
risco. Não quero fazer uma História da Censura, nem pelo menos em Portugal, o
que seria sempre infindável. Lições de Democracia ou de Cultura, não se dão
apenas com palavras ou nos livros de História. O exemplo é o verdadeiramente
relevante.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO
E OUTROS
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