TORGA, VERGÍLIO FERREIRA E SOFIA MELLO BREYNER ANDRESEN (apontamentos sobre o 25 de abril)
Fleming de Oliveira
Miguel Torga, no 1º. de maio de 1974, festejou o Dia do
Trabalhador em Coimbra (onde residia).
Escreveu no seu “Diário”
que foi “um colossal cortejo pelas ruas
da cidade. Uma explosão gregária de alegria indutiva a desfilar diante das
forças de repressão remetidas aos quartéis. (...) Há horas que são de todos. Porque não havia aquela de ser também
minha?”
Por sua vez, Vergílio Ferreira acolheu a Revolução
também com incontível alegria, como registou na sua “Conta Corrente” (por alturas de 26 de abril). “Vitória. Embrulha-se-me o pensar. Não sei o que dizer. Uma emoção
violentíssima. Como é possível? Quase 50 anos de fascismo, a vida inteira
deformada pelo medo. A Polícia. A Censura. Vai acabar a guerra. Vai acabar a
PIDE. Tudo isto é fantástico”.
Meses depois, parece ter findado a sua expectativa pois,
a 22 de março de 1975, escreveu que
“vivemos em sufocação, falando baixo, olhar redondo de suspeita. O medo, pois.
Já. Como nos primeiros tempos do fascismo. Entretanto, o PS grita, estridente.
Cunhal sorri à espera de que se estafe!”.
Num tom idêntico, embora no estilo próprio, Miguel Torga
registou a 7 de abril que, “o espetáculo
que damos neste momento ao mundo não é o de um povo que se esforça por
atualizar ousada e sensatamente a sua vida retrógrada. É o de um manicómio
territorial, onde enfermeiros improvisados e atrevidos submetem nove milhões de
concidadãos a um eletro choque aberrante e desumano”.
Enquanto, o Diário relata de forma mais esparsa a
sucessão de acontecimentos, a Conta Corrente faz uma descrição minuciosa dos
factos mais relevantes do ano de 1975. Ali, consta o comício socialista contra
a unicidade sindical, no Pavilhão dos Desportos, o famoso frente a frente
televisivo entre Cunhal e Mário Soares, em 6 de novembro, “olhe que não, olhe que não!”, passando por factos tão diversos como
a vitória do PS na eleição para a Assembleia Constituinte e o picaresco
festival de bofetadas em que terminou uma Assembleia Geral da Sociedade
Portuguesa de Autores, destinada a debater a nacionalização do teatro!
Miguel Torga mostrava-se cada vez mais amargurado e
lastimava-se em 20 de junho, da estranha revolução que “desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou”. Dias
depois, a 1 de julho, escreveu que “estamos
a viver em pleno absurdo, a escrever no livro da História gatafunhos que
nenhuma inteligência poderá decifrar no futuro. Todas as conjeturas têm a mesma
probabilidade de acerto ou desacerto. Jogamos numa roleta de loucos, que tanto
anda como desanda”.
Os acontecimentos internacionais, entrelaçavam-se com os
nacionais, como decorre do comentário de Miguel Torga, datado de 16 de julho, “o mundo pasmado a olhar o céu, à espera de
ver os astronautas russos e americanos no seu primeiro abraço estratosférico, e
eu com todos os sentidos postos em Lisboa, à espera que um capitão qualquer
decida do nosso destino”.
As Forças Armadas figuraram entre os alvos dos dois
escritores.
Para Vergílio Ferreira, em 10 de julho, “o que os militares querem é que a gente
vergue o cachaço, para o pôr a jeito da canga, que já nos estão a fabricar em
Cuba”. E no dia seguinte continua que,
“teremos então uma ditadura militar com o PC a telecomandar”.
Os comunistas também serviram de alvo para Vergílio
Ferreira: “Os comunistas instalaram-se a
todos os níveis. Torna-se agora claro que só os fascistas os entendem bem (14
de julho). A enorme maioria do povo português
detesta o comunismo (24 de julho). De
um a um, os intelectuais vão tomando às costas, como uma cruz, a foice e o
martelo, acelerando o passo para as fileiras do PC. É onde se julgam defendidos
na representação que para si criaram de progressistas. Mas o comunismo não é
uma fórmula reacionária de isso parecerem? (31 de outubro).”
Embora não militassem em nenhum partido, Miguel Torga e
Vergílio Ferreira eram simpatizantes do PS. E mencionaram a participação num
comício socialista, a 20 de abril de 1975, em Coimbra onde discursaram.
Para Torga “foi um
gigantesco comício a que presidi, Deus sabe com que vontade. Mas toda a certeza
cívica tem de passar por um permanente ativismo de prova, mesmo, ou até
principalmente, quando um passado de resistência parece desobrigar-nos”.
Vergílio Ferreira, sobre o mesmo assunto registou a 19 de julho “um estádio
a transbordar. Ninguém me ouviu, houve uma avaria nos altifalantes. (...) Vi o Torga, ia também orar. (...) E extremamente desembaraçado, como se fosse
um dos oficiais da ordem”.
Sophia de Mello Breyner
Andresen, notou em 1974 que,
“Esta é a madrugada
que eu esperava
O dia inicial
inteiro e limpo
Onde emergimos da
noite e do silêncio
E livres habitamos a
substância do tempo.”
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