terça-feira, 29 de abril de 2014

TORGA, VERGÍLIO FERREIRA E SOFIA Mello Breyner Andersen (apontamentos sobre o 25 de abril)

 



TORGA, VERGÍLIO FERREIRA E SOFIA MELLO BREYNER ANDRESEN (apontamentos sobre o 25 de abril)

Fleming de Oliveira


Miguel Torga, no 1º. de maio de 1974, festejou o Dia do Trabalhador em Coimbra (onde residia).
Escreveu no seu “Diário” que foi “um colossal cortejo pelas ruas da cidade. Uma explosão gregária de alegria indutiva a desfilar diante das forças de repressão remetidas aos quartéis. (...) Há horas que são de todos. Porque não havia aquela de ser também minha?”
Por sua vez, Vergílio Ferreira acolheu a Revolução também com incontível alegria, como registou na sua “Conta Corrente” (por alturas de 26 de abril). “Vitória. Embrulha-se-me o pensar. Não sei o que dizer. Uma emoção violentíssima. Como é possível? Quase 50 anos de fascismo, a vida inteira deformada pelo medo. A Polícia. A Censura. Vai acabar a guerra. Vai acabar a PIDE. Tudo isto é fantástico”.
Meses depois, parece ter findado a sua expectativa pois, a 22 de março de 1975, escreveu que “vivemos em sufocação, falando baixo, olhar redondo de suspeita. O medo, pois. Já. Como nos primeiros tempos do fascismo. Entretanto, o PS grita, estridente. Cunhal sorri à espera de que se estafe!”.
Num tom idêntico, embora no estilo próprio, Miguel Torga registou a 7 de abril que, “o espetáculo que damos neste momento ao mundo não é o de um povo que se esforça por atualizar ousada e sensatamente a sua vida retrógrada. É o de um manicómio territorial, onde enfermeiros improvisados e atrevidos submetem nove milhões de concidadãos a um eletro choque aberrante e desumano”.
Enquanto, o Diário relata de forma mais esparsa a sucessão de acontecimentos, a Conta Corrente faz uma descrição minuciosa dos factos mais relevantes do ano de 1975. Ali, consta o comício socialista contra a unicidade sindical, no Pavilhão dos Desportos, o famoso frente a frente televisivo entre Cunhal e Mário Soares, em 6 de novembro, “olhe que não, olhe que não!”, passando por factos tão diversos como a vitória do PS na eleição para a Assembleia Constituinte e o picaresco festival de bofetadas em que terminou uma Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores, destinada a debater a nacionalização do teatro!
Miguel Torga mostrava-se cada vez mais amargurado e lastimava-se em 20 de junho, da estranha revolução que “desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou”. Dias depois, a 1 de julho, escreveu que “estamos a viver em pleno absurdo, a escrever no livro da História gatafunhos que nenhuma inteligência poderá decifrar no futuro. Todas as conjeturas têm a mesma probabilidade de acerto ou desacerto. Jogamos numa roleta de loucos, que tanto anda como desanda”.
Os acontecimentos internacionais, entrelaçavam-se com os nacionais, como decorre do comentário de Miguel Torga, datado de 16 de julho, “o mundo pasmado a olhar o céu, à espera de ver os astronautas russos e americanos no seu primeiro abraço estratosférico, e eu com todos os sentidos postos em Lisboa, à espera que um capitão qualquer decida do nosso destino”.
As Forças Armadas figuraram entre os alvos dos dois escritores.
Para Vergílio Ferreira, em 10 de julho, “o que os militares querem é que a gente vergue o cachaço, para o pôr a jeito da canga, que já nos estão a fabricar em Cuba”. E no dia seguinte continua que, “teremos então uma ditadura militar com o PC a telecomandar”.
Os comunistas também serviram de alvo para Vergílio Ferreira: “Os comunistas instalaram-se a todos os níveis. Torna-se agora claro que só os fascistas os entendem bem (14 de julho). A enorme maioria do povo português detesta o comunismo (24 de julho). De um a um, os intelectuais vão tomando às costas, como uma cruz, a foice e o martelo, acelerando o passo para as fileiras do PC. É onde se julgam defendidos na representação que para si criaram de progressistas. Mas o comunismo não é uma fórmula reacionária de isso parecerem? (31 de outubro).”
Embora não militassem em nenhum partido, Miguel Torga e Vergílio Ferreira eram simpatizantes do PS. E mencionaram a participação num comício socialista, a 20 de abril de 1975, em Coimbra onde discursaram.
Para Torga “foi um gigantesco comício a que presidi, Deus sabe com que vontade. Mas toda a certeza cívica tem de passar por um permanente ativismo de prova, mesmo, ou até principalmente, quando um passado de resistência parece desobrigar-nos”. Vergílio Ferreira, sobre o mesmo assunto registou a 19 de julho “um estádio a transbordar. Ninguém me ouviu, houve uma avaria nos altifalantes. (...) Vi o Torga, ia também orar. (...) E extremamente desembaraçado, como se fosse um dos oficiais da ordem”.

Sophia de Mello Breyner Andresen, notou em 1974 que,
“Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.”



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