segunda-feira, 28 de abril de 2014

NÃO JURO PELA HONRA… DESTE POBRE PAÍS… TRIBUNAL JUDICIAL DE AlCOBAÇA (1976)

 

NÃO JURO PELA HONRA… DESTE POBRE PAÍS…
TRIBUNAL JUDICIAL DE AlCOBAÇA (1976)


Fleming de Oliveira

A forma categórica como rejeitou a ajuda do oficial de justiça, denunciou uma personalidade orgulhosa e indómita.
O Dr. Manuel Almeida contou-me que a senhora caminhou ereta até ao lugar indicado, apenas apoiada na bengala, que agarrava firme na mão direita. Permaneceu de pé. Os cabelos alvísssimos e as rugas profundas, que não disfarçava, anunciavam uma idade provecta, mas indefinível.
Pode sentar-se, minha senhora, dirigiu-se-lhe com delicadeza o juiz Madeira Bárbara, poeta de rima duvidosa, de pensamentos ingénuos mas alegadamente progressistas que chegaram a estar afixados  em algumas salas do Tribunal, (nomeadamente na Sala dos Advogados), por iniciativa do Secretário Judicial e ativista do MDP, José Maria Cascão.
Ficarei de pé, como me impõe o respeito devido a este Tribunal,  ripostou num tom que quase não admitia réplicas, batendo ao mesmo tempo com a bengala no chão de soalho carunchoso.

Note-se que, por esta altura, o Tribunal de Alcobaça, em muito más condições, funcionava no primeiro andar da ala norte do Mosteiro, aguardando a todo o tempo a mudança para o novo e excelente edifício na Gafa feito por mão de obra prisional, quase concluído.
Às perguntas da praxe (nome, estado civil, morada, profissão) foi respondendo, sem hesitações.
–É alguma coisa a algum dos interessados neste processo?
–Sou a mãe do Francisco (cliente do Dr. Almeida.)
Mas não está zangada com ninguém?
–Jesus Cristo ensinou-nos a amar até os nossos inimigos.
–Sim, mas o facto de ser a mãe do Francisco não a vai impedir de responder, com verdade, àquilo que aqui lhe for perguntado?
–Na minha idade, Senhor Doutor Juiz, o temor das penas do inferno impede-me a mentira.
Muito bem! Então jura por sua honra que vai dizer a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade?
–Juro por Deus, Senhor Doutor! Pela minha honra não, que ela se perdeu, tal como a deste pobre País…
O juiz, perplexo (tal como o Dr. M. Almeida), disse apenas:
-Adiante, mas jura?


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