G. SAPINHO VS. O. PATO NA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE (uma
fábula?).
O ASSALTO À SEDE DO PC.
Fleming de Oliveira
De certo modo, está feita a história da saga da
Assembleia Constituinte, desde que tomou posse (2 de junho de 1975), até à
aprovação final e global do texto constitucional (2 de abril de 1976), o qual
entrou em vigor no dia 25 de abril desse ano.
Os Constituintes protagonizaram, no Plenário e nas
Comissões, reuniões por vezes turbulentas e tempestuosas, polémicas sem dúvida,
e teriam ainda hoje algumas coisas que contar.
Através de Gonçalves Sapinho, soube-se que quando do
cerco à Assembleia Constituinte muitos deputados dormiram sobre os assentos,
outros em sofás dos gabinetes, comeram e beberam como poderam (os mantimentos
começaram a faltar), saíram no meio de grande algazarra de manifestantes de
punhos fechados e erguidos, entre os quais se encontravam deputados do PC,
passados a sitiantes. Sapinho fala pouco deste episódio.
Oliveira Dias, que chegou a ser eleito Deputado à
Assembleia Constituinte em Lista do PPD pelo Distrito de Leiria, veio a
renunciar ao lugar cerca de um mês após ter tomado posse, alegando motivos de
ordem pessoal e profissional.
Mas as suas razões foram porém puramente políticas
(viera da AN de Caetano o que lhe acarretou fortíssima contestação de que nunca
se conseguiu libertar). Oliveira Dias sublinhou a qualidade intelectual do
grupo parlamentar, “um elenco de luxo”.
O PPD tinha na Constituinte nomes como Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães
Mota, Barbosa de Melo, Mota Pinto, Mota Amaral, Jorge Miranda, Santos Silva,
Mário Pinto, Helena Roseta, Melo Biscaia e Marcelo Rebelo de Sousa, bem como
cinco deputados eleitos pelo Distrito de Leiria, com destaque para Ferreira
Júnior, que veio a ter atuação destacada ao longo dos trabalhos. E, José
Sapinho, da Benedita.
Os acontecimentos do dia 21 de julho de 1975 em Alcobaça
(assalto à sede do PC), foram levados à Assembleia Constituinte pela voz de
Octávio Pato, líder parlamentar do PC, que disse que “em Alcobaça houve um cerco à Câmara Municipal. Houve um assalto ao
Centro de Trabalho do Partido Comunista Português. Usaram todos os meios para
que isso se fizesse. E entre os mercenários que cercaram e participaram no
cerco à Câmara Municipal e no assalto ao Centro de Trabalho do PCP
encontrava-se um senhor deputado a esta Assembleia Constituinte. Estas são as
informações que temos. Na nossa opinião, é a de ser absolutamente incompatível
haver aqui nesta Assembleia alguém que participa em atos de absoluto terrorismo
fascista. Por isso, no caso de se provar as acusações que me são transmitidas,
nós pensamos que deve ser expulso desta Assembleia o deputado do PPD, José
Gonçalves Sapinho”.
Gonçalves Sapinho, não esteve diretamente neste
processo, tanto mais que nesse dia se tinha ausentado para o Sabugal, respondeu a Pato que “o deputado em causa José Gonçalves Sapinho
sou eu mesmo. No sábado passado, depois de presidir a uma sessão no Externato
da Benedita, que dirijo há 5 anos, desloquei-me ao Sabugal donde regressei na
2ª feira, às 2 horas da manhã. Tudo isso posso testemunhar e demonstrar que
mais uma vez há uma calúnia lançada contra um deputado que no sábado passado às
18h30 minutos se desloca para o Sabugal onde permanece até às 2h da manhã de
terça-feira. Agradecia mesmo que a proposta que está feita pelo Sr. Deputado
Octávio Pato, seja aprovada e que seja nomeada uma comissão e que seja
declarado nesta Assembleia que eu desde sábado às 18h até 3ª. feira às duas da
manhã me encontrei na minha terra no Sabugal, distrito da Guarda. Isto é uma
verdadeira calúnia que o Partido Comunista lança por todo lado. Se for
comprovado tudo quanto afirmo e não comprovado o que diz o Sr. Deputado Octávio
Pato, este senhor não pode permanecer por falta de idoneidade nesta
Assembleia”.
Que Gonçalves Sapinho não foi visto por ninguém do PPD
em Alcobaça, é rigorosamente verdade.
O PC diz, via o alcobacense PC Rui Baltazar, que havia
uma foto onde aparecia Gonçalves Sapinho, mas que desapareceu..., mas é falso
(que houvesse essa foto).
Na sequência dos acontecimentos, em 24 de julho o PC de
Leiria comunicou que “a Vila de Alcobaça
foi no dia 21 do corrente o palco onde a reação, mais uma vez, exibiu todo o
ódio e desprezo que tem pela classe operária e pelos trabalhadores e pelas
pequenas e médias camadas da população. A orquestrada onda de violência que se
tem feito sentir ultimamente com assaltos a sedes do PCP, FSP, MDP/CDE e
sociedades recreativas, como noticiam os jornais de hoje e postos de rádio,
mostram claramente que os reacionários do FLP, apoiados por partidos políticos
como CDS, PPD e PS, ex-legionários, ex-pides e grandes senhores do capital, aproveitando
a despolitização de certas camadas da população agitam o anticomunismo, tal
como no governo de Salazar e Caetano, para mobilizar setores determinados da
população. (...) Toda esta
orquestrada manobra culminou ontem com o assalto, incêndio e agressões ao
Centro de Trabalho do PCP em Alcobaça e aos nossos militantes que generosa e
abnegadamente, tal como o fizeram durante 48 anos da negra noite fascista
defenderam, arriscando a própria vida, as nossas instalações. Durante o dia,
aproveitando o mercado semanal da Vila, reacionários profissionais, iludiram o
povo das aldeias das redondezas, convencendo-o a ações de violência e desmandos
que não são apanágio do nosso povo. Durante todo o dia e noite a passividade de
quem comandava as forças militares que previamente avisadas se deslocaram a
Alcobaça para garantir a ordem revolucionária, impedir o avanço da escalada
reacionária, insultando, provocando e caluniando os oficiais mais progressistas
do MFA, do Conselho da Revolução, nomeadamente o General Otelo Saraiva de
Carvalho. Ainda durante todo o dia foi garantido por quem comandava as forças
militares que a segurança das instalações e a integridade física dos nossos
camaradas seriam asseguradas, o que não veio a verificar-se. A desordem e a
violência expressas no incêndio e destruição de todo o recheio do nosso Centro
de Trabalho e a bárbara e traiçoeira agressão aos nossos corajosos camaradas,
espelha bem a garantia prometida por quem comandava as forças militares. Foram
os nossos camaradas que defendiam o nosso património, que foram desarmados,
ficando impotentes e à mercê da raiva assassina dos mercenários da reação, como
se fossemos nós os criminosos e não quem nos atacava. Foram os nossos camaradas
a pedido de quem comandava as forças militares e sob a sua proteção evacuados
para Leiria, na tentativa (opinião militar) de serenar os ânimos”.
O conflito Pato/Sapinho, originou a constituição de uma
Comissão Parlamentar ad-hoc.
Em 7 de agosto, António Arnaut, Secretário da Mesa da
Assembleia e que atuou como relator da dita comissão, veio dar conta ao
Plenário da conclusão e decisão a que se chegou, aliás, por unanimidade. Após a
leitura da parte do relatório em que se reproduziam os factos, as acusações
recíprocas de Pato e Sapinho, concluiu que:
“-Considerando que
nenhum dos senhores deputados requereu quaisquer meios de prova e que o relator
está assim impossibilitado de proceder a investigações factuais, não lhe
competindo, aliás realizá-las oficiosamente;
-considerando que de
harmonia com os princípios informadores do ónus da prova, competia ao sr.
deputado Octávio Pato provar os factos imputados ao sr. deputado Gonçalves
Sapinho e que este terá, pois, de se presumir inocente;
-Considerando que a
carta do sr. deputado Octávio Pato constitui uma retratação às afirmações
produzidas na sessão de 22 de julho e, por isso, uma reparação moral à honra e
à dignidade do deputado Gonçalves Sapinho;
-Considerando que,
afinal, esta comissão não tem competência para aplicar qualquer sanção e,
designadamente a requerida pelos deputados em causa-a expulsão desta Assembleia
do acusador ou do acusado, conforme se provasse a consistência ou a inocuidade
da acusação;
-Sou do parecer que
de declare não provada a acusação formulada na sessão de 22 de julho pelo sr.
deputado Octávio Pato contra o sr. deputado Gonçalves Sapinho e que, não tendo
sido requeridas quaisquer diligências probatórias, seja arquivado o presente
inquérito.
Lisboa, 6 de agosto
de 1975.
O Relator:
António Arnaut.”
Como escreveu Arnaut no relatório, nem a Comissão ad-hoc, nem o Plenário, tinham poderes
(legais ou regimentais) para expulsar um deputado, ainda que prevaricador.
A proposta de Pato, bem como a resposta emocionada e à
letra de Sapinho, que recolheu manifestações de simpatia em Alcobaça, careciam
de cobertura legal e refletiam a inalienável formação estalinista do primeiro,
que concebia um parlamento constituído por funcionários partidários, nomeados,
disciplinados e controlados, e do segundo a falta, ainda que natural, de algum
traquejo democrático.
Algum tempo depois, Pato veio a candidatar-se à
Presidência da República, apoiado pelo PC contra Otelo Saraiva de Carvalho,
tendo obtido um resultado aquém das expectativas. Sapinho, que teve neste
incidente um dos seus pontos altos como Deputado Constituinte, veio a ser
reeleito em lista do PSD, para a Primeira Legislatura.
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