segunda-feira, 28 de abril de 2014

G. SAPINHO VS. O. PATO NA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE (uma fábula?). O ASSALTO À SEDE DO PC.


 

G. SAPINHO VS. O. PATO NA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE (uma fábula?).
O ASSALTO À SEDE DO PC.

Fleming de Oliveira




De certo modo, está feita a história da saga da Assembleia Constituinte, desde que tomou posse (2 de junho de 1975), até à aprovação final e global do texto constitucional (2 de abril de 1976), o qual entrou em vigor no dia 25 de abril desse ano.
Os Constituintes protagonizaram, no Plenário e nas Comissões, reuniões por vezes turbulentas e tempestuosas, polémicas sem dúvida, e teriam ainda hoje algumas coisas que contar.
Através de Gonçalves Sapinho, soube-se que quando do cerco à Assembleia Constituinte muitos deputados dormiram sobre os assentos, outros em sofás dos gabinetes, comeram e beberam como poderam (os mantimentos começaram a faltar), saíram no meio de grande algazarra de manifestantes de punhos fechados e erguidos, entre os quais se encontravam deputados do PC, passados a sitiantes. Sapinho fala pouco deste episódio.

Oliveira Dias, que chegou a ser eleito Deputado à Assembleia Constituinte em Lista do PPD pelo Distrito de Leiria, veio a renunciar ao lugar cerca de um mês após ter tomado posse, alegando motivos de ordem pessoal e profissional.
Mas as suas razões foram porém puramente políticas (viera da AN de Caetano o que lhe acarretou fortíssima contestação de que nunca se conseguiu libertar). Oliveira Dias sublinhou a qualidade intelectual do grupo parlamentar, “um elenco de luxo”. O PPD tinha na Constituinte nomes como Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mota, Barbosa de Melo, Mota Pinto, Mota Amaral, Jorge Miranda, Santos Silva, Mário Pinto, Helena Roseta, Melo Biscaia e Marcelo Rebelo de Sousa, bem como cinco deputados eleitos pelo Distrito de Leiria, com destaque para Ferreira Júnior, que veio a ter atuação destacada ao longo dos trabalhos. E, José Sapinho, da Benedita.
Os acontecimentos do dia 21 de julho de 1975 em Alcobaça (assalto à sede do PC), foram levados à Assembleia Constituinte pela voz de Octávio Pato, líder parlamentar do PC, que disse que “em Alcobaça houve um cerco à Câmara Municipal. Houve um assalto ao Centro de Trabalho do Partido Comunista Português. Usaram todos os meios para que isso se fizesse. E entre os mercenários que cercaram e participaram no cerco à Câmara Municipal e no assalto ao Centro de Trabalho do PCP encontrava-se um senhor deputado a esta Assembleia Constituinte. Estas são as informações que temos. Na nossa opinião, é a de ser absolutamente incompatível haver aqui nesta Assembleia alguém que participa em atos de absoluto terrorismo fascista. Por isso, no caso de se provar as acusações que me são transmitidas, nós pensamos que deve ser expulso desta Assembleia o deputado do PPD, José Gonçalves Sapinho”.
Gonçalves Sapinho, não esteve diretamente neste processo, tanto mais que nesse dia se tinha ausentado para o Sabugal, respondeu a Pato que “o deputado em causa José Gonçalves Sapinho sou eu mesmo. No sábado passado, depois de presidir a uma sessão no Externato da Benedita, que dirijo há 5 anos, desloquei-me ao Sabugal donde regressei na 2ª feira, às 2 horas da manhã. Tudo isso posso testemunhar e demonstrar que mais uma vez há uma calúnia lançada contra um deputado que no sábado passado às 18h30 minutos se desloca para o Sabugal onde permanece até às 2h da manhã de terça-feira. Agradecia mesmo que a proposta que está feita pelo Sr. Deputado Octávio Pato, seja aprovada e que seja nomeada uma comissão e que seja declarado nesta Assembleia que eu desde sábado às 18h até 3ª. feira às duas da manhã me encontrei na minha terra no Sabugal, distrito da Guarda. Isto é uma verdadeira calúnia que o Partido Comunista lança por todo lado. Se for comprovado tudo quanto afirmo e não comprovado o que diz o Sr. Deputado Octávio Pato, este senhor não pode permanecer por falta de idoneidade nesta Assembleia”.

Que Gonçalves Sapinho não foi visto por ninguém do PPD em Alcobaça, é rigorosamente verdade.
O PC diz, via o alcobacense PC Rui Baltazar, que havia uma foto onde aparecia Gonçalves Sapinho, mas que desapareceu..., mas é falso (que houvesse essa foto).
Na sequência dos acontecimentos, em 24 de julho o PC de Leiria comunicou que “a Vila de Alcobaça foi no dia 21 do corrente o palco onde a reação, mais uma vez, exibiu todo o ódio e desprezo que tem pela classe operária e pelos trabalhadores e pelas pequenas e médias camadas da população. A orquestrada onda de violência que se tem feito sentir ultimamente com assaltos a sedes do PCP, FSP, MDP/CDE e sociedades recreativas, como noticiam os jornais de hoje e postos de rádio, mostram claramente que os reacionários do FLP, apoiados por partidos políticos como CDS, PPD e PS, ex-legionários, ex-pides e grandes senhores do capital, aproveitando a despolitização de certas camadas da população agitam o anticomunismo, tal como no governo de Salazar e Caetano, para mobilizar setores determinados da população. (...) Toda esta orquestrada manobra culminou ontem com o assalto, incêndio e agressões ao Centro de Trabalho do PCP em Alcobaça e aos nossos militantes que generosa e abnegadamente, tal como o fizeram durante 48 anos da negra noite fascista defenderam, arriscando a própria vida, as nossas instalações. Durante o dia, aproveitando o mercado semanal da Vila, reacionários profissionais, iludiram o povo das aldeias das redondezas, convencendo-o a ações de violência e desmandos que não são apanágio do nosso povo. Durante todo o dia e noite a passividade de quem comandava as forças militares que previamente avisadas se deslocaram a Alcobaça para garantir a ordem revolucionária, impedir o avanço da escalada reacionária, insultando, provocando e caluniando os oficiais mais progressistas do MFA, do Conselho da Revolução, nomeadamente o General Otelo Saraiva de Carvalho. Ainda durante todo o dia foi garantido por quem comandava as forças militares que a segurança das instalações e a integridade física dos nossos camaradas seriam asseguradas, o que não veio a verificar-se. A desordem e a violência expressas no incêndio e destruição de todo o recheio do nosso Centro de Trabalho e a bárbara e traiçoeira agressão aos nossos corajosos camaradas, espelha bem a garantia prometida por quem comandava as forças militares. Foram os nossos camaradas que defendiam o nosso património, que foram desarmados, ficando impotentes e à mercê da raiva assassina dos mercenários da reação, como se fossemos nós os criminosos e não quem nos atacava. Foram os nossos camaradas a pedido de quem comandava as forças militares e sob a sua proteção evacuados para Leiria, na tentativa (opinião militar) de serenar os ânimos”.

O conflito Pato/Sapinho, originou a constituição de uma Comissão Parlamentar ad-hoc.
Em 7 de agosto, António Arnaut, Secretário da Mesa da Assembleia e que atuou como relator da dita comissão, veio dar conta ao Plenário da conclusão e decisão a que se chegou, aliás, por unanimidade. Após a leitura da parte do relatório em que se reproduziam os factos, as acusações recíprocas de Pato e Sapinho, concluiu que:
“-Considerando que nenhum dos senhores deputados requereu quaisquer meios de prova e que o relator está assim impossibilitado de proceder a investigações factuais, não lhe competindo, aliás realizá-las oficiosamente;
-considerando que de harmonia com os princípios informadores do ónus da prova, competia ao sr. deputado Octávio Pato provar os factos imputados ao sr. deputado Gonçalves Sapinho e que este terá, pois, de se presumir inocente;
-Considerando que a carta do sr. deputado Octávio Pato constitui uma retratação às afirmações produzidas na sessão de 22 de julho e, por isso, uma reparação moral à honra e à dignidade do deputado Gonçalves Sapinho;
-Considerando que, afinal, esta comissão não tem competência para aplicar qualquer sanção e, designadamente a requerida pelos deputados em causa-a expulsão desta Assembleia do acusador ou do acusado, conforme se provasse a consistência ou a inocuidade da acusação;
-Sou do parecer que de declare não provada a acusação formulada na sessão de 22 de julho pelo sr. deputado Octávio Pato contra o sr. deputado Gonçalves Sapinho e que, não tendo sido requeridas quaisquer diligências probatórias, seja arquivado o presente inquérito.
Lisboa, 6 de agosto de 1975.
O Relator:
António Arnaut.”

Como escreveu Arnaut no relatório, nem a Comissão ad-hoc, nem o Plenário, tinham poderes (legais ou regimentais) para expulsar um deputado, ainda que prevaricador.
A proposta de Pato, bem como a resposta emocionada e à letra de Sapinho, que recolheu manifestações de simpatia em Alcobaça, careciam de cobertura legal e refletiam a inalienável formação estalinista do primeiro, que concebia um parlamento constituído por funcionários partidários, nomeados, disciplinados e controlados, e do segundo a falta, ainda que natural, de algum traquejo democrático.
Algum tempo depois, Pato veio a candidatar-se à Presidência da República, apoiado pelo PC contra Otelo Saraiva de Carvalho, tendo obtido um resultado aquém das expectativas. Sapinho, que teve neste incidente um dos seus pontos altos como Deputado Constituinte, veio a ser reeleito em lista do PSD, para a Primeira Legislatura.




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