ALCOBAÇA, NO DIA DA REVOLUÇÃO.
TARCÍSIO TRINDADE E A CÂMARA MUNICIPAL.
JOSÉ SANCHES FURTADO (recordado através de Mário Amaral
e da filha Prof. Zulmira Marques).
Fleming de Oliveira
Alcobaça, terra laboriosa, mas não especialmente
progressista nem republicana, acolheu
com regozijo e civismo o 25 de Abril.
Na Benedita, um dos primeiros a saber da existência do
Movimento foi, possivelmente, José Vinagre. pelas 5h, ao ouvir as notícias pela
rádio, que já transmitia músicas revolucionárias e fazia avisos à população.
Nesse dia, levantara-se excecionalmente cedo e, logo que
pode, telefonou para familiares residentes em Lisboa, a quem alertou para o
facto e pediu prudência, se saíssem à rua.
Aqui Posto de
Comando do Movimento das Forças Armadas.
As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração que se deseja, sinceramente, desnecessária
As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração que se deseja, sinceramente, desnecessária
Logo que a meio da tarde dessa quinta-feira,
especialmente através da rádio e também da RTP, houve a confirmação da queda do
Governo de Caetano, algumas foram as pessoas de Alcobaça que vieram para a rua,
com manifestações de apoio. No dia seguinte, um grupo de alcobacenses, promoveu
uma romagem à campa de José Sanches Furtado, reconhecido democrata e amigo de
Humberto Delgado, que havia falecido, sem ver chegada a liberdade, porque
lutara. Nesse dia, cerca de uma
centena de alcobacenses deslocaram-se em romagem ao Cemitério do Mosteiro, à
campa de Carlos Campeão.
A este propósito, Mário Amaral recordou-me que José Sanches Furtado alimentou o nosso ânimo
com um esperançoso está por horas. Agora que a hora tinha chegado era imperioso
que o relógio não parasse.
De acordo com a filha, Profª. Zulmira Marques, José Sanches Furtado, nasceu em 28 de
dezembro de 1891, no seio duma família da alta burguesia de Alcobaça e,
naturalmente pela sua condição, estaria destinado a ter uma vida fácil, e
acomodada. Porém, ele era muito diferente de seu pai, um monárquico fervoroso,
duas vezes Presidente da Câmara e que nem queria ouvir falar da República, que
se anunciava. Meu pai tinha 19 anos quando foi proclamada a República, e no
ardor da sua juventude, ela tornou-se a sua grande paixão. Serviu-a
abnegadamente, foi duas vezes Administrador do Concelho de Alcobaça, granjeou
muitas simpatias nas populações, pela forma como exerceu essas competências.
Quando se deu a Revolta de Braga e depois a Revolução (28 de maio de 1926),
para ele foi um golpe terrível, e a partir daí tudo fez para que caísse o
Estado Novo. Já em 1931, foi um dos mentores duma conspiração em que, seriam
cortadas as comunicações em Pataias. Por isso, um grupo de alcobacenses teve
que fugir para Espanha, onde estiveram exilados durante dois anos. Quando
regressou a Alcobaça, não se conformou com a situação e depois de ter estado
muito ativo em várias conspirações como, a Revolta da Mealhada foi de casa de
meu pai que a família Botelho Moniz, primos do General Botelho Moniz, saíram
juntamente com meu pai, já todos devidamente fardados para ir cortar as
comunicações no Valado. Negligentemente e como sucedeu várias vezes ao longo de
sua vida, quando lá chegaram foram informados que a revolta abortara e tiveram
que regressar a minha casa. Quando das eleições do General Norton de Matos, foi
um dos elementos mais ativos, e isso valeu-lhe ser de novo preso e ter estado
em Caxias, durante três meses. Não esteve mais tempo porque nessa altura era
Procurador-Geral da República, seu primo António Furtado Santos que intercedeu
por ele. Infelizmente alguns dos seus companheiros, como pertenciam ao PC,
estiveram presos em Peniche durante vários anos. Meu pai pertencia ao Partido
Republicano Democrático, de Afonso Costa, e toda a vida se guiou por esse
ideário. Quando das eleições em que interveio o General Humberto Delgado,
apesar da idade e doença agitou o Concelho a seu favor, e acompanhou-o durante
a sua estadia em Alcobaça, por todas as freguesias e no dia das eleições esteve
a fiscalizar as urnas, tendo obtido o partido da oposição uma vitória.
Uma das primeiras medidas a tomar, após a queda do
Estado Novo prendia-se com a libertação dos presos políticos, de Caxias e
outras prisões, como o Aljube, Peniche e Tarrafal. Para esses, a liberdade
começou algo mais tarde.
Uma das correntes do MFA, defendia que a libertação de
Caxias se processasse de imediato, sem condições ou ambiguidades. Já outros,
eram da opinião de que os crimes de sangue deviam ficar de fora. A primeira
posição acabou por sair vencedora, embora a abertura das portas da prisão não
se tivesse processado de imediato.
Caxias, foi tomada às sete da manhã por um grupo de
fuzileiros especiais e para-quedistas, comandados respetivamente pelo Comdt.
Monteiro Abrantes Serra e pelo Cap. Mário Pinto. Comandava então a prisão de
Caxias, o Ten. Neves de Matos, da GNR que, sem oferecer resistência, se
entregou às forças que tomaram posse do complexo.
Na mesma altura, o grupo comandado pelos referidos
Comdt. Monteiro Serra e Cap. Mário Pinto, prendeu sem resistência vários
elementos da ex-PIDE/DGS. As duas forças militares foram aclamadas à chegada ao
Forte, por familiares dos presos que esperavam ansiosamente, desde o dia
anterior, a libertação.
Às 9h15, os dois comandantes subiram a escadaria que
conduz às celas e ordenaram, aos guardas prisionais, a sua abertura. Pouco
depois, saíam os primeiros detidos, entre os quais Figueiredo Filipe, Fernando
Correia, Albano Lima, Sérgio Ribeiro e Mário Ventura Henriques. Saíram também
ainda, entre outros, Saldanha Sanches, José Tengarrinha, Helena Neves, Vítor
Dias, Nuno Teotónio Pereira, Gorjão Duarte, Mário Sena Lopes e Pedro Fernandes.
Sucederam-se os abraços e cenas de emoção. Das janelas das celas alguns dos
detidos, aguardando a saída, acenavam com lenços vermelhos e punho erguido. Foi
uma interessante operação mediática a libertação dos presos de Caxias. Chegados
os jornalistas à parada, os presos começaram a lançar cravos vermelhos sobre
eles, iguais aos que os fuzileiros tinham a ornamentar as armas.
Aproximava-se o grande momento. A ordem definitiva foi
recebida no interior da prisão e os fuzileiros, começaram a abrir as celas. No
entanto, de repente, um golpe de teatro. Os jornalistas receberam ordem de
retirada e os presos foram obrigados a recolher às celas. Momentos antes,
Spínola acabava de dizer que era preciso estudar o caso dos que tinham cometido
crimes de sangue. A Junta de Salvação Nacional considerou delitos comuns as
ações políticas de alguns dos prisioneiros como Palma Inácio, e decidiu
mantê-los nas respetivas celas.
Diz-se que no dia 25 de Abril, Palma Inácio ouviu na
cela, em código, feito pela buzina de um carro, a notícia de que a Revolução
estava na rua. No dia seguinte, chegou a ordem de libertação dos presos
políticos. Palma Inácio foi dos últimos a serem libertados, pois concretamente,
o Gen. Spínola opunha-se, por considerar que o assalto ao banco da Figueira da
Foz, havia sido um crime de delito comum. Mas, não foi mais que uma questão de
horas. O MFA impôs a sua vontade e, à noite, todos os presos acabaram por ser
libertados.
A 27 de abril, as objetivas dos fotógrafos e as câmaras
da RTP fixaram os momentos da libertação de Caxias, os quais são frequentemente
retransmitidos. Quem não se lembra dos fartos bigodes e boinas dos recém
libertados! Quem não se lembra das ainda muito afáveis e emocionadas expressões.
Foi também a 27 de abril que se deu a libertação dos presos políticos, mantidos
em Peniche. A
partir da segunda metade dos anos de 1950, o Forte/Prisão recebera obras no
sentido do reforço da segurança, procurando obstar que fugas, como a de Dias
Lourenço, em 1954, se voltassem a repetir, comprovando quão decisivo o regime
considerava impedir a libertação de certos antifascistas.
No Forte/Prisão estava estacionado um destacamento do
Regimento de Infantaria, de Caldas da Rainha, montando guarda ao Forte soldados
da GNR. Foi assim que o então GNR, Joaquim Meneses, conheceu o alcobacense
Gilberto Magalhães Coutinho, aí a cumprir pena, como referi no meu livro NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS.
Alcobaça e Portugal.
A libertação dos presos do Forte de Peniche não foi tão
consensual como a de Caxias. Houve negociações prolongadas, os presos
barricaram-se nas suas celas do pavilhão B, ainda houve visitas e, na parte de
fora, juntaram-se dois grandes grupos de famílias e amigos de um lado e de
outro do portão de ferro que dava acesso ao fosso. E como os presos nunca mais
saíam, a saída estava anunciada para as 15h, os familiares temeram o pior,
falava-se mesmo em execuções! Finalmente, após uma longa espera, eles começaram
a sair, um a um, até de madrugada, exceto os que tinham crimes de sangue, que
saíram dali ainda presos, para casa do Dr. Macaísta Malheiros, para onde
seguiu, em consequência, uma romaria de militantes e simpatizantes de
extrema-esquerda.
No sábado, um grupo de soldados regressado de Lisboa e
que participara em operações do golpe militar, foi recebido na Vila de Alcobaça
por onde passou, com flores, tabaco, vinho e até algum dinheiro e no dia
seguinte, domingo, após o jogo de futebol, o disputado e por vezes acintoso
derby entre o Ginásio e o Nazarenos, juntaram-se frente ao Mosteiro, centenas
de pessoas que percorreram as ruas da Vila, entoando palavras de ordem e
empunhando cartazes.
Tarcísio Trindade referiu-me que na manhã de 25 de Abril
foi o motorista Josué, um funcionário
amigo e dedicado, infelizmente já falecido, que me deu a notícia de que havia
um golpe militar em Lisboa.
Os encarregados pediram instruções e eu disse-lhes que tudo
continuaria como estava determinado e que as tarefas camarárias deveriam
prosseguir normalmente, aguardando-se, com calma e expectativa, a evolução dos
acontecimentos.
A Câmara Municipal manteve-se, em funções sem ter sido
de imediato exonerada, nem ter pedido a demissão. Mais tarde, Trindade
esclareceu que na tarde do próprio 25 de
Abril e no seguinte, contactei com o Governo Civil de Leiria, pedindo
instruções, referindo que estava implícita a minha exoneração, com a evolução
dos acontecimentos. Do Governo Civil dizem-me que as diretivas da Junta de
Salvação Nacional eram no sentido que a vida municipal deveria estar
normalizada e que aguardasse instruções superiores.
Em suma, Trindade justificou-me a decisão de permanecer
com a finalidade de assegurar a
normalidade da vida administrativa do concelho, no interesse da população.
Toda a equipa camarária ainda assistiu, no dia 27 de
abril, à inauguração da luz elétrica nos lugares de Casal do Pereiro, Bacharela
e Monte de Bois, num total de 3 postos de transformação e respetivas redes.
Estes melhoramentos eram aguardados há muito, pelo que as cerimónias culminaram
com o tradicional foguetório, morteiros e população na rua. José Damásio de
Campos, de Monte de Bois, manifestou às entidades presentes, em seu nome e da
população, a grande satisfação pela inauguração do momento.
Por essa altura, Manuel da Bernarda, vereador da CMA,
meu amigo e de Tarcísio Trindade fez publicar um comunicado no Voz de Alcobaça,
de onde se destaca (…) que nos causa até
admiração aquilo que se realizou se atendermos à situação meramente
amadorística do cargo de Presidente da Câmara, com um ordenado pobre dadas as
exigências e um mandato de 4 anos fatores que nenhumas garantias oferecem como
princípio para se desenvolver uma ação administrativa eficaz. Entendemos nós,
por força das circunstâncias dado que o dever nos obriga a permanecer na Câmara
Municipal, enquanto não for aceite a nossa demissão, cessar com posições que
possam ser indevidamente entendidas como antecipada participação política. Mas
não pertence ao domínio da política, uma obra que se faça honestamente em
benefício de um concelho. Por isso não quero deixar de lavrar aqui, como
alcobacense, um muito obrigado ao ex-Presidente da Câmara, por tudo aquilo que
deu à sua terra. (…)
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