terça-feira, 22 de abril de 2014

ALCOBAÇA, NO DIA DA REVOLUÇÃO. TARCÍSIO TRINDADE E A CÂMARA MUNICIPAL. JOSÉ SANCHES FURTADO (recordado através de Mário Amaral e da filha Prof. Zulmira Marques).


 

ALCOBAÇA, NO DIA DA REVOLUÇÃO.
TARCÍSIO TRINDADE E A CÂMARA MUNICIPAL.
JOSÉ SANCHES FURTADO (recordado através de Mário Amaral e da filha Prof. Zulmira Marques).


Fleming de Oliveira



Alcobaça, terra laboriosa, mas não especialmente progressista nem republicana, acolheu com regozijo e civismo o 25 de Abril.

Na Benedita, um dos primeiros a saber da existência do Movimento foi, possivelmente, José Vinagre. pelas 5h, ao ouvir as notícias pela rádio, que já transmitia músicas revolucionárias e fazia avisos à população.
Nesse dia, levantara-se excecionalmente cedo e, logo que pode, telefonou para familiares residentes em Lisboa, a quem alertou para o facto e pediu prudência, se saíssem à rua.

Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas.
As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração que se deseja, sinceramente, desnecessária

Logo que a meio da tarde dessa quinta-feira, especialmente através da rádio e também da RTP, houve a confirmação da queda do Governo de Caetano, algumas foram as pessoas de Alcobaça que vieram para a rua, com manifestações de apoio. No dia seguinte, um grupo de alcobacenses, promoveu uma romagem à campa de José Sanches Furtado, reconhecido democrata e amigo de Humberto Delgado, que havia falecido, sem ver chegada a liberdade, porque lutara. Nesse dia, cerca de uma centena de alcobacenses deslocaram-se em romagem ao Cemitério do Mosteiro, à campa de Carlos Campeão.

A este propósito, Mário Amaral recordou-me que José Sanches Furtado alimentou o nosso ânimo com um esperançoso está por horas. Agora que a hora tinha chegado era imperioso que o relógio não parasse.
De acordo com a filha, Profª. Zulmira Marques, José Sanches Furtado, nasceu em 28 de dezembro de 1891, no seio duma família da alta burguesia de Alcobaça e, naturalmente pela sua condição, estaria destinado a ter uma vida fácil, e acomodada. Porém, ele era muito diferente de seu pai, um monárquico fervoroso, duas vezes Presidente da Câmara e que nem queria ouvir falar da República, que se anunciava. Meu pai tinha 19 anos quando foi proclamada a República, e no ardor da sua juventude, ela tornou-se a sua grande paixão. Serviu-a abnegadamente, foi duas vezes Administrador do Concelho de Alcobaça, granjeou muitas simpatias nas populações, pela forma como exerceu essas competências. Quando se deu a Revolta de Braga e depois a Revolução (28 de maio de 1926), para ele foi um golpe terrível, e a partir daí tudo fez para que caísse o Estado Novo. Já em 1931, foi um dos mentores duma conspiração em que, seriam cortadas as comunicações em Pataias. Por isso, um grupo de alcobacenses teve que fugir para Espanha, onde estiveram exilados durante dois anos. Quando regressou a Alcobaça, não se conformou com a situação e depois de ter estado muito ativo em várias conspirações como, a Revolta da Mealhada foi de casa de meu pai que a família Botelho Moniz, primos do General Botelho Moniz, saíram juntamente com meu pai, já todos devidamente fardados para ir cortar as comunicações no Valado. Negligentemente e como sucedeu várias vezes ao longo de sua vida, quando lá chegaram foram informados que a revolta abortara e tiveram que regressar a minha casa. Quando das eleições do General Norton de Matos, foi um dos elementos mais ativos, e isso valeu-lhe ser de novo preso e ter estado em Caxias, durante três meses. Não esteve mais tempo porque nessa altura era Procurador-Geral da República, seu primo António Furtado Santos que intercedeu por ele. Infelizmente alguns dos seus companheiros, como pertenciam ao PC, estiveram presos em Peniche durante vários anos. Meu pai pertencia ao Partido Republicano Democrático, de Afonso Costa, e toda a vida se guiou por esse ideário. Quando das eleições em que interveio o General Humberto Delgado, apesar da idade e doença agitou o Concelho a seu favor, e acompanhou-o durante a sua estadia em Alcobaça, por todas as freguesias e no dia das eleições esteve a fiscalizar as urnas, tendo obtido o partido da oposição uma vitória.

Uma das primeiras medidas a tomar, após a queda do Estado Novo prendia-se com a libertação dos presos políticos, de Caxias e outras prisões, como o Aljube, Peniche e Tarrafal. Para esses, a liberdade começou algo mais tarde.
Uma das correntes do MFA, defendia que a libertação de Caxias se processasse de imediato, sem condições ou ambiguidades. Já outros, eram da opinião de que os crimes de sangue deviam ficar de fora. A primeira posição acabou por sair vencedora, embora a abertura das portas da prisão não se tivesse processado de imediato.
Caxias, foi tomada às sete da manhã por um grupo de fuzileiros especiais e para-quedistas, comandados respetivamente pelo Comdt. Monteiro Abrantes Serra e pelo Cap. Mário Pinto. Comandava então a prisão de Caxias, o Ten. Neves de Matos, da GNR que, sem oferecer resistência, se entregou às forças que tomaram posse do complexo.
Na mesma altura, o grupo comandado pelos referidos Comdt. Monteiro Serra e Cap. Mário Pinto, prendeu sem resistência vários elementos da ex-PIDE/DGS. As duas forças militares foram aclamadas à chegada ao Forte, por familiares dos presos que esperavam ansiosamente, desde o dia anterior, a libertação.
Às 9h15, os dois comandantes subiram a escadaria que conduz às celas e ordenaram, aos guardas prisionais, a sua abertura. Pouco depois, saíam os primeiros detidos, entre os quais Figueiredo Filipe, Fernando Correia, Albano Lima, Sérgio Ribeiro e Mário Ventura Henriques. Saíram também ainda, entre outros, Saldanha Sanches, José Tengarrinha, Helena Neves, Vítor Dias, Nuno Teotónio Pereira, Gorjão Duarte, Mário Sena Lopes e Pedro Fernandes. Sucederam-se os abraços e cenas de emoção. Das janelas das celas alguns dos detidos, aguardando a saída, acenavam com lenços vermelhos e punho erguido. Foi uma interessante operação mediática a libertação dos presos de Caxias. Chegados os jornalistas à parada, os presos começaram a lançar cravos vermelhos sobre eles, iguais aos que os fuzileiros tinham a ornamentar as armas.
Aproximava-se o grande momento. A ordem definitiva foi recebida no interior da prisão e os fuzileiros, começaram a abrir as celas. No entanto, de repente, um golpe de teatro. Os jornalistas receberam ordem de retirada e os presos foram obrigados a recolher às celas. Momentos antes, Spínola acabava de dizer que era preciso estudar o caso dos que tinham cometido crimes de sangue. A Junta de Salvação Nacional considerou delitos comuns as ações políticas de alguns dos prisioneiros como Palma Inácio, e decidiu mantê-los nas respetivas celas.
Diz-se que no dia 25 de Abril, Palma Inácio ouviu na cela, em código, feito pela buzina de um carro, a notícia de que a Revolução estava na rua. No dia seguinte, chegou a ordem de libertação dos presos políticos. Palma Inácio foi dos últimos a serem libertados, pois concretamente, o Gen. Spínola opunha-se, por considerar que o assalto ao banco da Figueira da Foz, havia sido um crime de delito comum. Mas, não foi mais que uma questão de horas. O MFA impôs a sua vontade e, à noite, todos os presos acabaram por ser libertados.
A 27 de abril, as objetivas dos fotógrafos e as câmaras da RTP fixaram os momentos da libertação de Caxias, os quais são frequentemente retransmitidos. Quem não se lembra dos fartos bigodes e boinas dos recém libertados! Quem não se lembra das ainda muito afáveis e emocionadas expressões. Foi também a 27 de abril que se deu a libertação dos presos políticos, mantidos em Peniche. A partir da segunda metade dos anos de 1950, o Forte/Prisão recebera obras no sentido do reforço da segurança, procurando obstar que fugas, como a de Dias Lourenço, em 1954, se voltassem a repetir, comprovando quão decisivo o regime considerava impedir a libertação de certos antifascistas.
No Forte/Prisão estava estacionado um destacamento do Regimento de Infantaria, de Caldas da Rainha, montando guarda ao Forte soldados da GNR. Foi assim que o então GNR, Joaquim Meneses, conheceu o alcobacense Gilberto Magalhães Coutinho, aí a cumprir pena, como referi no meu livro NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS. Alcobaça e Portugal.
A libertação dos presos do Forte de Peniche não foi tão consensual como a de Caxias. Houve negociações prolongadas, os presos barricaram-se nas suas celas do pavilhão B, ainda houve visitas e, na parte de fora, juntaram-se dois grandes grupos de famílias e amigos de um lado e de outro do portão de ferro que dava acesso ao fosso. E como os presos nunca mais saíam, a saída estava anunciada para as 15h, os familiares temeram o pior, falava-se mesmo em execuções! Finalmente, após uma longa espera, eles começaram a sair, um a um, até de madrugada, exceto os que tinham crimes de sangue, que saíram dali ainda presos, para casa do Dr. Macaísta Malheiros, para onde seguiu, em consequência, uma romaria de militantes e simpatizantes de extrema-esquerda.

No sábado, um grupo de soldados regressado de Lisboa e que participara em operações do golpe militar, foi recebido na Vila de Alcobaça por onde passou, com flores, tabaco, vinho e até algum dinheiro e no dia seguinte, domingo, após o jogo de futebol, o disputado e por vezes acintoso derby entre o Ginásio e o Nazarenos, juntaram-se frente ao Mosteiro, centenas de pessoas que percorreram as ruas da Vila, entoando palavras de ordem e empunhando cartazes.

Tarcísio Trindade referiu-me que na manhã de 25 de Abril foi o motorista Josué, um funcionário amigo e dedicado, infelizmente já falecido, que me deu a notícia de que havia um golpe militar em Lisboa. Os encarregados pediram instruções e eu disse-lhes que tudo continuaria como estava determinado e que as tarefas camarárias deveriam prosseguir normalmente, aguardando-se, com calma e expectativa, a evolução dos acontecimentos.
A Câmara Municipal manteve-se, em funções sem ter sido de imediato exonerada, nem ter pedido a demissão. Mais tarde, Trindade esclareceu que na tarde do próprio 25 de Abril e no seguinte, contactei com o Governo Civil de Leiria, pedindo instruções, referindo que estava implícita a minha exoneração, com a evolução dos acontecimentos. Do Governo Civil dizem-me que as diretivas da Junta de Salvação Nacional eram no sentido que a vida municipal deveria estar normalizada e que aguardasse instruções superiores.
Em suma, Trindade justificou-me a decisão de permanecer com a finalidade de assegurar a normalidade da vida administrativa do concelho, no interesse da população.
Toda a equipa camarária ainda assistiu, no dia 27 de abril, à inauguração da luz elétrica nos lugares de Casal do Pereiro, Bacharela e Monte de Bois, num total de 3 postos de transformação e respetivas redes. Estes melhoramentos eram aguardados há muito, pelo que as cerimónias culminaram com o tradicional foguetório, morteiros e população na rua. José Damásio de Campos, de Monte de Bois, manifestou às entidades presentes, em seu nome e da população, a grande satisfação pela inauguração do momento.

Por essa altura, Manuel da Bernarda, vereador da CMA, meu amigo e de Tarcísio Trindade fez publicar um comunicado no Voz de Alcobaça, de onde se destaca (…) que nos causa até admiração aquilo que se realizou se atendermos à situação meramente amadorística do cargo de Presidente da Câmara, com um ordenado pobre dadas as exigências e um mandato de 4 anos fatores que nenhumas garantias oferecem como princípio para se desenvolver uma ação administrativa eficaz. Entendemos nós, por força das circunstâncias dado que o dever nos obriga a permanecer na Câmara Municipal, enquanto não for aceite a nossa demissão, cessar com posições que possam ser indevidamente entendidas como antecipada participação política. Mas não pertence ao domínio da política, uma obra que se faça honestamente em benefício de um concelho. Por isso não quero deixar de lavrar aqui, como alcobacense, um muito obrigado ao ex-Presidente da Câmara, por tudo aquilo que deu à sua terra. (…)


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