A SEDE DO PPD DE ALCOBAÇA, COM UMA PORTA BLINDADA E ONDE
A LUZ MUNCA SE APAGAVA.
OS COMPANHEIROS DOS MONTES.
Fleming de Oliveira
Por esta altura (inícios de 1975), o PPD de Alcobaça
deparou-se com a necessidade de colocar uma porta chapeada/blindada, oferecida
pelos companheiros dos Montes, para defender a entrada da sede. Alguns
militantes mais ardorosos, chegaram a passar a noite na sede, em vigília, onde
a luz, para despistar (com ou sem gente), nunca se apagava. As ameaças que
pairavam sobre o PPD e alguns dirigentes locais não se limitavam aos punhos
fechados de democratas embriagados com o perfume da revolução proletária, que
via concretizar-se a sua opção por uma maior firmeza revolucionária. Havia
agressividade, mas frequentemente de forma sub-reptícia que consistia em ir por
detrás, lançar sementes de descontentamento a coberto de um biombo ou fazer
ameaças anónimas por escrito ou telefone. A esses democratas, pouco ou nada
lhes interessava se o que propalavam era verdade. Gostavam de ter público, como
mestres na arte de representar e agitar.
Desses companheiros dos Montes, na política ativa já não
existe nenhum.
José Acácio dos Santos, teve um filho, o Óscar, que foi
Presidente da Junta de Freguesia de Montes, que honra a memória do pai, gosta
de recordar outros tempos e acontecimentos em que se envolveu na companhia
deste e com os homens. Em sua casa, antes do 25 de Abril, pouco se falava de
política. Meu pai falava apenas do
cuidado a ter com os bufos da PIDE, sem rosto mas sentia-se a sua presença.
Meses mais tarde notei que aqueles que chegaram a ir lá a casa para convencer o
meu pai a votar no Marcelo Caetano, coisa que ele sempre rejeitou, eram agora
os mais aguerridos militantes de partidos de esquerda.
Óscar Santos, tinha acabado de fazer 12 anos e
frequentava o segundo ano do ciclo preparatório, situado na ala esquerda do
Mosteiro, quando se deu o 25 de Abril.
Às sete e meia da
manhã os dois Chaimites estacionados frente ao Mosteiro, anunciavam qualquer
coisa de diferente nesse dia e por volta das 10h00 da manhã, a professora de
português deu-nos a notícia, estava em curso uma revolução para depor o
governo, acabaram as aulas e viemos todos para casa.
Óscar Santos acompanhava o pai, ia a sessões de
esclarecimento, agitava bandeiras, distribuía brindes e compartilhava os
momentos de euforia ou de desalento.
Após o 11 de março
de 1975, teve inicio o, chamado, Verão Quente. Nessa altura frequentava o
terceiro ano na escola Dª. Inês de Castro. As greves de professores, dos
alunos, dos funcionários, as RGA (reunião geral de alunos), entre outros
acontecimentos, interrompiam frequentemente as aulas. Era uma festa e todos
agradeciam, uns iam para o jardim, outros jogar, mas poucos ligavam para a
política. Por iniciativa dos alunos mais velhos, criou-se uma rádio interna,
uma sala de pingue-pongue, abriram uma porta para ligar o recreio dos alunos ao
das alunas, abriu-se o bar, etc. Com a liberdade, veio o tabaco e as primeiras
drogas, apareceram os primeiros grupos “etnográficos” como os “Hippies” que
vestidos a rigor com as suas túnicas brancas até aos pés, de sandálias de couro
feitas por eles e fartas cabeleiras sujas, passavam o dia sentados nas escadas
de acesso do lado norte, numa de paz e amor. Make love, not war.
Em breve, Óscar Santos começou a perceber que a política
estava a dividir as pessoas, desde logo na sua aldeia. Seu pai trabalhava na construção civil e tinha criado uma pequena
empresa.
Eu tinha dificuldade
em aceitar, que pessoas que meses atrás eram amigos, agora lhe desejassem a
morte. O ódio dividia as pessoas, as famílias. Quem não era de partidos
considerados de esquerda, era estigmatizado como fascista e reacionário,
existia medo. As ameaças chegaram ao ponto de quererem apoderar-se dos bens que
nos pertenciam.
José Acácio dos Santos (Zé Póvoa), de quem irei falar
mais vezes, era uma pessoa rigorosa tanto no trato como na vida profissional,
características que incutiu no filho. Democrata por natureza, gostava de
encontrar soluções conciliatórias, se possível também na política, pelo que
liminarmente excluía radicalismos e congregava simpatia entre os conterrâneos.
A formação que tinha
em casa, de rigor e seriedade, contrastava com a liberdade desordenada do mundo
exterior. No Verão Quente, tinha noção dos erros e dos exageros que se
cometiam. Aprendi a respeitar quem lutava por convicções, mas não compreendia
quem lutava contra pessoas. Essa, penso eu, foi a força que fez vencer a democracia
nessa época. Venceram os que, convictos, acreditavam e lutavam pelo nosso país
sobre aqueles que, sem convicções, apenas sentiam revolta.
Óscar Santos, viveu intensamente esse período e as
lembranças ficaram bem marcadas na sua memória. Acompanhava o pai à sede de
Alcobaça do PPD às sextas feira à noite, onde ocorriam participadas e animadas
sessões de informação sobre o momento
político.
Aliás, foram também os companheiros dos Montes, neste
caso com destaque para Francisco Catarino, quem arranjou o mobiliário para a
sede, oferecido pela Sofamóvel, de Pataias.
Segundo correu, havia uma lista organizada pelo PC, com
alguns nomes de PPD, que eram reputados dos mais incómodos a eliminar,
encabeçada por Gonçalves Sapinho (vira casacas) e Fleming de Oliveira
(reacionário caetanista) e Rui Coelho (renegado esquerdista). Alegadamente
Silva Carvalho e Rainho e outros estavam de fora. Porquê? Nunca se apurou
definitivamente se era apenas um boato de uma Matança, se correspondia a uma
ação em preparação.
Cremos que era só boato, semelhante a outros que correram
pelo País.
Um militante do PPD, Firmino Franco, recordou-me uma vez
que encerrávamos as portas de proteção
das janelas e varanda, o que sempre constituía um anteparo, embora fraco, para
a violência de um rebentamento explosivo, como se receava. Havia mesmo quem
dissesse que o PPD iria sofrer ataques à granada e que a sede seria assaltada,
para apreensão da lista de militantes e completar uma série de PPD a perseguir.
Por essa razão, os ficheiros deixaram de estar guardados na sede, ficando
durante algum tempo num cofre do escritório de Fleming de Oliveira.
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