terça-feira, 22 de abril de 2014

A SEDE DO PPD DE ALCOBAÇA, COM UMA PORTA BLINDADA E ONDE A LUZ MUNCA SE APAGAVA. OS COMPANHEIROS DOS MONTES.

 

A SEDE DO PPD DE ALCOBAÇA, COM UMA PORTA BLINDADA E ONDE A LUZ MUNCA SE APAGAVA.
OS COMPANHEIROS DOS MONTES.

Fleming de Oliveira


Por esta altura (inícios de 1975), o PPD de Alcobaça deparou-se com a necessidade de colocar uma porta chapeada/blindada, oferecida pelos companheiros dos Montes, para defender a entrada da sede. Alguns militantes mais ardorosos, chegaram a passar a noite na sede, em vigília, onde a luz, para despistar (com ou sem gente), nunca se apagava. As ameaças que pairavam sobre o PPD e alguns dirigentes locais não se limitavam aos punhos fechados de democratas embriagados com o perfume da revolução proletária, que via concretizar-se a sua opção por uma maior firmeza revolucionária. Havia agressividade, mas frequentemente de forma sub-reptícia que consistia em ir por detrás, lançar sementes de descontentamento a coberto de um biombo ou fazer ameaças anónimas por escrito ou telefone. A esses democratas, pouco ou nada lhes interessava se o que propalavam era verdade. Gostavam de ter público, como mestres na arte de representar e agitar.

Desses companheiros dos Montes, na política ativa já não existe nenhum.
José Acácio dos Santos, teve um filho, o Óscar, que foi Presidente da Junta de Freguesia de Montes, que honra a memória do pai, gosta de recordar outros tempos e acontecimentos em que se envolveu na companhia deste e com os homens. Em sua casa, antes do 25 de Abril, pouco se falava de política. Meu pai falava apenas do cuidado a ter com os bufos da PIDE, sem rosto mas sentia-se a sua presença. Meses mais tarde notei que aqueles que chegaram a ir lá a casa para convencer o meu pai a votar no Marcelo Caetano, coisa que ele sempre rejeitou, eram agora os mais aguerridos militantes de partidos de esquerda.
Óscar Santos, tinha acabado de fazer 12 anos e frequentava o segundo ano do ciclo preparatório, situado na ala esquerda do Mosteiro, quando se deu o 25 de Abril.
Às sete e meia da manhã os dois Chaimites estacionados frente ao Mosteiro, anunciavam qualquer coisa de diferente nesse dia e por volta das 10h00 da manhã, a professora de português deu-nos a notícia, estava em curso uma revolução para depor o governo, acabaram as aulas e viemos todos para casa.
Óscar Santos acompanhava o pai, ia a sessões de esclarecimento, agitava bandeiras, distribuía brindes e compartilhava os momentos de euforia ou de desalento.
Após o 11 de março de 1975, teve inicio o, chamado, Verão Quente. Nessa altura frequentava o terceiro ano na escola Dª. Inês de Castro. As greves de professores, dos alunos, dos funcionários, as RGA (reunião geral de alunos), entre outros acontecimentos, interrompiam frequentemente as aulas. Era uma festa e todos agradeciam, uns iam para o jardim, outros jogar, mas poucos ligavam para a política. Por iniciativa dos alunos mais velhos, criou-se uma rádio interna, uma sala de pingue-pongue, abriram uma porta para ligar o recreio dos alunos ao das alunas, abriu-se o bar, etc. Com a liberdade, veio o tabaco e as primeiras drogas, apareceram os primeiros grupos “etnográficos” como os “Hippies” que vestidos a rigor com as suas túnicas brancas até aos pés, de sandálias de couro feitas por eles e fartas cabeleiras sujas, passavam o dia sentados nas escadas de acesso do lado norte, numa de paz e amor. Make love, not war.
Em breve, Óscar Santos começou a perceber que a política estava a dividir as pessoas, desde logo na sua aldeia. Seu pai trabalhava na construção civil e tinha criado uma pequena empresa.
Eu tinha dificuldade em aceitar, que pessoas que meses atrás eram amigos, agora lhe desejassem a morte. O ódio dividia as pessoas, as famílias. Quem não era de partidos considerados de esquerda, era estigmatizado como fascista e reacionário, existia medo. As ameaças chegaram ao ponto de quererem apoderar-se dos bens que nos pertenciam.
José Acácio dos Santos (Zé Póvoa), de quem irei  falar mais vezes, era uma pessoa rigorosa tanto no trato como na vida profissional, características que incutiu no filho. Democrata por natureza, gostava de encontrar soluções conciliatórias, se possível também na política, pelo que liminarmente excluía radicalismos e congregava simpatia entre os conterrâneos.
A formação que tinha em casa, de rigor e seriedade, contrastava com a liberdade desordenada do mundo exterior. No Verão Quente, tinha noção dos erros e dos exageros que se cometiam. Aprendi a respeitar quem lutava por convicções, mas não compreendia quem lutava contra pessoas. Essa, penso eu, foi a força que fez vencer a democracia nessa época. Venceram os que, convictos, acreditavam e lutavam pelo nosso país sobre aqueles que, sem convicções, apenas sentiam revolta.
Óscar Santos, viveu intensamente esse período e as lembranças ficaram bem marcadas na sua memória. Acompanhava o pai à sede de Alcobaça do PPD às sextas feira à noite, onde ocorriam participadas e animadas sessões de informação sobre o momento  político.

Aliás, foram também os companheiros dos Montes, neste caso com destaque para Francisco Catarino, quem arranjou o mobiliário para a sede, oferecido pela Sofamóvel, de Pataias.
Segundo correu, havia uma lista organizada pelo PC, com alguns nomes de PPD, que eram reputados dos mais incómodos a eliminar, encabeçada por Gonçalves Sapinho (vira casacas) e Fleming de Oliveira (reacionário caetanista) e Rui Coelho (renegado esquerdista). Alegadamente Silva Carvalho e Rainho e outros estavam de fora. Porquê? Nunca se apurou definitivamente se era apenas um boato de uma Matança, se correspondia a uma ação em preparação. Cremos que era só boato, semelhante a outros que correram pelo País.
Um militante do PPD, Firmino Franco, recordou-me uma vez que encerrávamos as portas de proteção das janelas e varanda, o que sempre constituía um anteparo, embora fraco, para a violência de um rebentamento explosivo, como se receava. Havia mesmo quem dissesse que o PPD iria sofrer ataques à granada e que a sede seria assaltada, para apreensão da lista de militantes e completar uma série de PPD a perseguir. Por essa razão, os ficheiros deixaram de estar guardados na sede, ficando durante algum tempo num cofre do escritório de Fleming de Oliveira.



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