-NA ENGORDA DOS
ANIMAIS.
-BEBER BAGAÇO FAZ
BEM…
-ALTINO RIBEIRO,
CONTADOR DE
HISTÓRIAS VERDADEIRAS.-
Fleming de Oliveira
Na engorda dos animais, utilizavam-se produtos da horta,
frutas e sobejos.
Na sociedade rural dos tempos da II Guerra e até meados
do século passado, não existiam desperdícios. Tudo se aproveitava e tudo se
transformava. Era o caso dos sobejos de comida destinados à preparação da vianda
para os porcos que incluía as águas das primeiras lavagens da loiça ou de
lavagens de utensílios que tivessem tido matérias gordas, a lavadura. Os
desperdícios resultantes da preparação dos alimentos, como couves amarelas e
bichadas, cascas de batatas, de feijão, nabo, abóbora, cenoura, fruta, e de
espécies espontâneas, os eventuais excessos de produtos da horta ou fruta,
também serviam de alimentação como cereais, em grão ou farinha, como o milho e
favas. Toda a vianda era preparada com muita água e sal. O azeite era
conservado em talhas de barro vidrado.
A aguardente fazia-se do bagulho das uvas. Quando não era para vender guardava-se em
garrafões de 5 e 10 litros
e feita em alambique de cobre, como em casa do Dr. Amílcar Magalhães que tinha
um semi-industrial, que alguns vizinhos também utilizavam.
Também
se salgava o peixe, aliás de uma forma não muito diferente das carnes. Neste
caso, amanhado o peixe e retiradas as escamas, numa operação à unha, em sentido
contrário à sua posição natural ou normal, ele ia para a salga.
Ti
Alfredo Bonifácio, recorda um costume muito antigo de Cós, Montes e Alpedriz.
Havia muitos texugos que estragavam as culturas, pelo que quem caçasse um, ia
de porta em porta mostrar a façanha e pedir um contributo para o trabalho prestado
em prol da comunidade.
O
alcoolismo era um enraizado problema de saúde e social, mas encarado de uma
forma equívoca. As crianças em zonas de vinho, a partir dos oito ou nove anos
já o consumiam com a anuência dos pais, desde logo ao pequeno almoço, na forma
do mata bicho ou sopas de cavalo cansado.
Altino
da Cunha Ribeiro lembra-se de um homem de Alpedriz, tão velho quantos os cerca
de 90 anos, trabalhador rural, grande bebedor de vinho tinto (branco nunca!) e
que jamais estivera doente.
Por
vezes bebia tanto que caía na valeta, onde era socorrido por um passante, que
lhe atirava com um balde de água à cabeça. Havia até quem dissesse
(malevolamente?) que nessas ocasiões, a fermentação do vinho no estômago, fazia
com que deitasse vapor ou fumo pela boca…
Um dia
o homem encontrava-se parado à porta da fábrica de Altino, a comer toucinho crú
salgado, acompanhado de pão e, claro, de uma garrafa de vinho tinto, que levava
diretamente à boca.
-Oh senhor António, você está a matar-se!
-Porquê,
senhor Altino?
-Um homem da sua idade, a comer toucinho
cru, quer-se matar…
-Olhe
que não, senhor Altino, daqui vou à taberna da Hermínia, bebo mais um copo e
desinfecto a mánica.
Mas
também recordo aqui uma outra história, de um velhote da Ribeira do Pereiro,
como me contou Altino Ribeiro.
Ti
Manel gabava-se também de nunca ter ido a um médico, nem ter uma dor de cabeça
em oitenta anos. O mata-bicho era inevitavelmente uma aguardente de bagaço, que
bebia de um trago sem se engasgar.
Solteiro,
Ti Manel que não tinha descendentes diretos, vivia com uma prima solteira, de
trinta e muitos anos.
Costumava
levantar-se cedo, logo ao alvorecer, era o primeiro a chegar à taberna, onde o
Zé Póvoa lhe servia o mata-bicho, já
sem necessidade de pedir. O costume. Um dia a prima estranhou o tio não se
levantar à hora habitual e, preocupada, foi indagar o que se passava.
Encontrou-o ainda na cama. Mau sinal mesmo, muito mau!
-Está doente, primo?
-Não sei o que tenho p’riga, respondeu o velhote numa voz rouca e abafada, o que a
deixou ainda mais preocupada.
Perplexa, chamou
um carro e sem hesitar levou o primo ao médico, apesar da despesa. Este
auscultou-o e perante a constatação que Ti Manel, gostava de pinga (afirmação
quase desnecessária, por notória), proibiu de imediato o seu consumo. O homem regressou
casa ainda mais abatido, não se conformando com tão drástica prescrição,
assumindo intimamente a vontade de a não cumprir. A prima, ajudada por uns
vizinhos, conseguiu a muito custo, porém, faze-lo cumprir. Mas dia após dia, o
homem ia piorando, pelo que a rapariga depois de ouvir a opinião de algumas
pessoas não resistiu ao último pedido.
-P’riga, a última coisa que peço é que me
vás comprar uma garrafa de aguardente.
A
prima não conseguiu dizer-lhe que não, pelo que foi à taberna do Zé Póvoa comprar a tão desejada aguardente.
O
velho bebedola bebeu sofregamente a tão almejada aguardente e, para
espanto da prima e dos vizinhos que conheciam o seu estado, começou a melhorar
rapidamente, pelo que a partir do terceiro ou quarto dia, já saía à rua, havia
retomado os hábitos normais, passando a ir de manhã à taberna, como o fizera em
toda a vida.
Morreu
no ano em que iria fazer noventa anos. Ainda se fala dele na Ribeira do
Pereiro.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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