quarta-feira, 16 de abril de 2014

-NA ENGORDA DOS ANIMAIS. -BEBER BAGAÇO FAZ BEM… -ALTINO RIBEIRO, CONTADOR DE HISTÓRIAS VERDADEIRAS.-

 

-NA ENGORDA DOS ANIMAIS.
-BEBER BAGAÇO FAZ BEM…
-ALTINO RIBEIRO, CONTADOR DE
 HISTÓRIAS VERDADEIRAS.-

Fleming de Oliveira

Na engorda dos animais, utilizavam-se produtos da horta, frutas e sobejos.
Na sociedade rural dos tempos da II Guerra e até meados do século passado, não existiam desperdícios. Tudo se aproveitava e tudo se transformava. Era o caso dos sobejos de comida destinados à preparação da vianda para os porcos que incluía as águas das primeiras lavagens da loiça ou de lavagens de utensílios que tivessem tido matérias gordas, a lavadura. Os desperdícios resultantes da preparação dos alimentos, como couves amarelas e bichadas, cascas de batatas, de feijão, nabo, abóbora, cenoura, fruta, e de espécies espontâneas, os eventuais excessos de produtos da horta ou fruta, também serviam de alimentação como cereais, em grão ou farinha, como o milho e favas. Toda a vianda era preparada com muita água e sal. O azeite era conservado em talhas de barro vidrado.
A aguardente fazia-se do bagulho das uvas. Quando não era para vender guardava-se em garrafões de 5 e 10 litros e feita em alambique de cobre, como em casa do Dr. Amílcar Magalhães que tinha um semi-industrial, que alguns vizinhos também utilizavam.
Também se salgava o peixe, aliás de uma forma não muito diferente das carnes. Neste caso, amanhado o peixe e retiradas as escamas, numa operação à unha, em sentido contrário à sua posição natural ou normal, ele ia para a salga.
Ti Alfredo Bonifácio, recorda um costume muito antigo de Cós, Montes e Alpedriz. Havia muitos texugos que estragavam as culturas, pelo que quem caçasse um, ia de porta em porta mostrar a façanha e pedir um contributo para o trabalho prestado em prol da comunidade.
O alcoolismo era um enraizado problema de saúde e social, mas encarado de uma forma equívoca. As crianças em zonas de vinho, a partir dos oito ou nove anos já o consumiam com a anuência dos pais, desde logo ao pequeno almoço, na forma do mata bicho ou sopas de cavalo cansado.

Altino da Cunha Ribeiro lembra-se de um homem de Alpedriz, tão velho quantos os cerca de 90 anos, trabalhador rural, grande bebedor de vinho tinto (branco nunca!) e que jamais estivera doente.
Por vezes bebia tanto que caía na valeta, onde era socorrido por um passante, que lhe atirava com um balde de água à cabeça. Havia até quem dissesse (malevolamente?) que nessas ocasiões, a fermentação do vinho no estômago, fazia com que deitasse vapor ou fumo pela boca…
Um dia o homem encontrava-se parado à porta da fábrica de Altino, a comer toucinho crú salgado, acompanhado de pão e, claro, de uma garrafa de vinho tinto, que levava diretamente à boca.
-Oh senhor António, você está a matar-se!
-Porquê, senhor Altino?
-Um homem da sua idade, a comer toucinho cru, quer-se matar…
-Olhe que não, senhor Altino, daqui vou à taberna da Hermínia, bebo mais um copo e desinfecto a mánica.
Mas também recordo aqui uma outra história, de um velhote da Ribeira do Pereiro, como me contou Altino Ribeiro.
Ti Manel gabava-se também de nunca ter ido a um médico, nem ter uma dor de cabeça em oitenta anos. O mata-bicho era inevitavelmente uma aguardente de bagaço, que bebia de um trago sem se engasgar.
Solteiro, Ti Manel que não tinha descendentes diretos, vivia com uma prima solteira, de trinta e muitos anos.
Costumava levantar-se cedo, logo ao alvorecer, era o primeiro a chegar à taberna, onde o Zé Póvoa lhe servia o mata-bicho, já sem necessidade de pedir. O costume. Um dia a prima estranhou o tio não se levantar à hora habitual e, preocupada, foi indagar o que se passava. Encontrou-o ainda na cama. Mau sinal mesmo, muito mau!
-Está doente, primo?
-Não sei o que tenho p’riga, respondeu o velhote numa voz rouca e abafada, o que a deixou ainda mais preocupada.
Perplexa, chamou um carro e sem hesitar levou o primo ao médico, apesar da despesa. Este auscultou-o e perante a constatação que Ti Manel, gostava de pinga (afirmação quase desnecessária, por notória), proibiu de imediato o seu consumo. O homem regressou casa ainda mais abatido, não se conformando com tão drástica prescrição, assumindo intimamente a vontade de a não cumprir. A prima, ajudada por uns vizinhos, conseguiu a muito custo, porém, faze-lo cumprir. Mas dia após dia, o homem ia piorando, pelo que a rapariga depois de ouvir a opinião de algumas pessoas não resistiu ao último pedido.
-P’riga, a última coisa que peço é que me vás comprar uma garrafa de aguardente.
A prima não conseguiu dizer-lhe que não, pelo que foi à taberna do Zé Póvoa comprar a tão desejada aguardente.
O velho bebedola bebeu sofregamente a tão almejada aguardente e, para espanto da prima e dos vizinhos que conheciam o seu estado, começou a melhorar rapidamente, pelo que a partir do terceiro ou quarto dia, já saía à rua, havia retomado os hábitos normais, passando a ir de manhã à taberna, como o fizera em toda a vida.
Morreu no ano em que iria fazer noventa anos. Ainda se fala dele na Ribeira do Pereiro.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS



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