A CASTRO (António Ferreira, O JUDEU) REPRESENTADA EM ALCOBAÇA (1935-1941)
AMÉLIA REY COLLAÇO, AFONSIO LOPES VIEIRA E OUTROS.
Fleming de Oliveira
Ainda está na memória coletiva dos alcobacenses, a representação de A Castro, de António Ferreira, no adro do Mosteiro de Alcobaça, pela companhia de Amélia Rey Collaço e Robles Monteiro, na noite de 25 de agosto de 1935, numa encenação de Júlio Dantas.
Foi considerada como uma manifestação artística sem par, aliás repetida anos depois (30 de agosto de 1941), também com sucesso.
Segundo o Diário de Notícias, Amélia Rey Colaço acabara de encontrar a expressão definitiva de um espetáculo nacional. No templo gótico transformado pela magia da luz, aconteceu um milagre.
Nesta representação grandiosa e imponente, participaram cerca de 400 figurantes, que utilizaram adereços do Torneio Medieval e do Cortejo realizado por Leitão de Barros, em Lisboa.
Em Alcobaça e no adro do Mosteiro, pode-se assim concretizar um projeto antigo de Amélia Rey Collaço que, no tempo, foi considerado um ponto alto da sua carreira.
O espetáculo
começou com Palmira Bastos a dizer um poema de Afonso Lopes Vieira, que passo a
transcrever:
Na Estremadura, coração de Portugal//Entre
mosteiros e castelos e memórias//Alcobaça rebrilha entre as mais altas
glórias,//Primeiro Afonso invocou Claraval.//Povo da nobre Vila! Ante vós neste
adro//Vamos representar a tragédia de chama//E compor para vós o mais formoso
quadro//Que o amor neste mundo inspirou quem ama.//Perto daqui, lá dentro, os
túmulos de encanto//Monumentos que o mundo aqui vem admirar-//Vibram de beijos,
de saudades e de pranto.//E assistem entre nós (noss’alma e adivinha)//Eternos
na paixão, sombras dispersas no ar,//D. Pedro Rei do Amor, e Dona Inês Rainha!.
O momento
culminante da representação foi (obviamente) a encenação do enterro da Castro.
O
Diário de Lisboa descreveu com destaque este espetáculo, relevando a vasta figuração, os sinos a dobrar a
finados, e os violinos gemiam os últimos acordes musicais da oratória
acompanhados dum rumor surdo, de uma luz de luar, derramada sob o préstito
fúnebre, desde a base da escadaria, até à entrada do templo.
Amélia Rey Collaço filha de um pianista de renome, Alexandre Rey Collaço, professor do último Rei de Portugal, aos catorze anos já tinha decidido que queria ser atriz, pelo que o pai proporcionou-lhe aulas com o ator Augusto Rosa, que no tempo da I República veio a um sarau no Mosteiro de Alcobaça, a convite de Manuel Natividade de quem era amigo.
Estreou-se em 1917, na peça Marinela, no Teatro República (nome o atual do Teatro S. Luís).
Foi uma das rainhas portuguesas do palco, a par de mais duas grandes atrizes, Palmira Bastos e Adelina Abranches. Casou em 1920 com Manuel Teles Jordão Robles Monteiro com quem teve uma filha, também atriz, Mariana Rei Monteiro.
O casal criou em 1921, a Companhia com o nome de ambos, que atuou no Teatro Nacional de São Carlos, depois no Politeama, no Ginásio e no Trindade. Em 1929, a Companhia estava no Teatro Nacional D. Maria II, que assim se transformou de uma casa velha, numa verdadeira sala de teatro, a mais categorizada do País. A Companhia extinguiu-se em 1974, mas a vida, como atriz, continuou até ao fim, morrendo de pé.
Amélia Rey Collaço teve uma carreira notável, onde se contam sucessos nas peças Salomé, Outono em Flor, Um Marido Ideal, Romeu e Julieta, A Visita da Velha Senhora, As Árvores Morrem de Pé e A Castro (na representação que veio a Alcobaça).
A atriz e a sua companhia, foram também uma preciosa escola de atores. Coube a Amélia Rey Collaço a iniciativa de levar, ao público, peças de autores portugueses como António Ferreira, José Régio, Alfredo Cortez, Virgínia Vitorino, Carlos Selvagem, Romeu Correia, Bernardo Santareno e Luís de Sttau Monteiro, entre outros. Foi muito acarinhada ao longo da sua longa carreira, tendo sido amiga pessoal da Rainha D. Amélia, de Orleães e Bragança.
Desempenhou ainda o papel de Luísa, no cinema mudo em O Primo Basílio. Com mais de 80 anos, entrou na série de humor da RTP, Gente Fina é Outra Coisa. O seu último grande papel, representou-o com 87 anos na figura de D. Catarina na peça de José Régio, El Rei D. Sebastião.
A segunda representação de A Castro, no adro do Mosteiro, na noite de 30 de agosto de 1941, estava inserida no que se pretendeu serem os Festivais de Alcobaça.
Afonso Lopes Vieira escreveu que esta segunda tentativa de Grande Arte - no sentido mais português e mais europeu - faz-nos esperar que venha a criar-se nesta nobre vila o Ciclo Nacional de Teatro e Música, capaz de ser tão belo como os mais belos da Europa. Então haveria Portugal, documentado da maneira mais bela as capacidades do seu espírito. Ajudemos, pois, com amor e saibamos ser gratos ao Heroísmo artístico da empresa Rey-Colaço-Robles Monteiro.
Nesse agosto de 1941, o Festival de Alcobaça consistiu, na noite de 29, num Concerto de Música Espiritual na nave do Mosteiro (I Parte), com áreas de Bach, o poema sinfónico de César Franck e a música dos executantes de Cruz Fidelis, bem como uma representação no claustro do Mosteiro (à esquerda da Igreja) do Mistério de Gil Vicente- Auto de Mofina Mendes (II Parte), (…) uma obra humana e divina a que a Virgem preside e em que a realidade destrói os arroubos de fantasia numa réplica interpretativa de um conto milenar oriental (…), numa encenação de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro.
A apresentação de A Castro na noite do dia seguinte ,30 de agosto, constituiu um notável e muito cuidadoso espetáculo em termos de efeitos de luz, guarda roupa, adereços e brocados, cabeleireiro, onde além dos atores da tragédia (Amélia Rey Colaço, Lucília Simões, Raul de Carvalho, João Villaret, Robles Monteiro, Igrejas Caeiro, Vital dos Santos, José Cardoso e Augusto Figueiredo), atuaram o Choro das Moças de Coimbra e Orquestra, sob a regência do conceituado René Bohet.
Como em 1935, por uma noite de milagre, A Castro, volta a ser representada sobre o fundo evocador, dominador, impressionante de Stª, Maria de Alcobaça, monumento tão ligado à tragédia quinhentista de Ferreira, que já nos parece que sem ele faltaria à obra uma personagem. O mosteiro que guarda os túmulos de Pedro e de Inês, aguarda também um pouco de drama que a morte acabou e começou de novo, dando-a à imaginação dos interpretadores. (…) A luz, que é a cortina que se abre para exibir o espetáculo, cria logo um ambiente roçando a pedraria e os vestuários e chamando o público para o campo da tragédia, valoriza a forma e o relevo do cenário e trá-lo também para a ação. O choro, outra personagem essencial da obra, ora vivendo como comentador, ora como interlocutor, enleado na linha evolutiva, fecha-a num parêntesis camoneano, tão ajustados e próprios se acharam os versos do Príncipe ao comentário coral criado por Ferreira. Complemento do ambiente imaginado, poetização melódica dos versos do autor, como óleo de penetração sensível, a música intervém também acompanhando o lirismo dos ritmos propositadamente irreal, nebulosa, indefinida -quasi sonho, quasi imaginação - um cortejo fúnebre sobre o ponto final da morte de Inês, dará ao público a nota evocadora da interpretação passional das gerações que ainda souberam acrescentar em beleza uma História de Amor.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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